Ciência

Não é pássaro, nem avião: são aranhas voadoras! Conheça o fenômeno do balonismo na natureza

Como recurso de sobrevivência, aranhas conseguem detectar condições do vento e do campo elétrico e formar uma espécie de balão de teia para viajar centenas de quilômetros

Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan

Em 1832, Charles Darwin estava a bordo do HMS Beagle, a 100 km da costa da América do Sul, quando avistou milhares de pequenas aranhas “caindo do céu” em seu navio, como relatado em seu diário Charles Darwin’s Beagle Diary. Por mais inacreditável que possa parecer, já que aracnídeos não têm asas, existe uma explicação científica para esse curioso fenômeno. Chamado de balonismo, ele ocorre quando aranhas utilizam “balões” de teia para se dispersar, com a ajuda do vento e do campo elétrico.

Funciona assim: a aranha sobe até um ponto alto (uma árvore, por exemplo), apoia-se nas patas posteriores, eleva o abdômen e libera a seda, que irá levá-la para lugares distantes a centenas de quilômetros. Nessas viagens, o animal pode alcançar uma impressionante altura de 4,5 km.

Quem geralmente encara essa aventura são as aranhas mais novas, que são pequenas e leves, com o intuito de dispersar a espécie ou para sobreviver diante de desastres naturais. Com cerdas sensoriais chamadas tricobótrias, elas conseguem detectar o movimento do ar e a ocorrência de campos elétricos para saber a hora certa de decolar.

Pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica e Aeroespacial da Universidade da Califórnia (UCLA), dos Estados Unidos, usaram um modelo computacional para simular como as aranhas fazem o balonismo. Segundo o estudo, são as forças do campo elétrico negativo da seda contra o campo elétrico positivo da Terra que fazem com que a aranha seja levada – e não apenas uma questão de vento.

Dependendo de seu tamanho, o animal pode lançar vários fios de teia que, em contato com o campo elétrico, em vez de se emaranharem, formam uma espécie de balão, com cada fio apontando em uma direção. “As aranhas percebem quando podem atirar fios de seda com carga negativa no ar para reagir com galhos e folhas com carga positiva ao seu redor, criando uma reação propulsiva que as joga para cima e para fora”, explica artigo do site da UCLA.

Nem todas as espécies de aranhas conseguem fazer balonismo, então muitas acabam se concentrando em determinados locais, tornando-se endêmicas de uma região. Já aquelas capazes de “voar” podem estabelecer populações em diferentes lugares, contribuindo para a perpetuação e diversidade genética das espécies.

Mil e uma utilidades

Seda super-resistente formada por proteínas, a teia tem diversas funções, desde ajudar a capturar presas até reforçar a estrutura das tocas. Cada aranha possui, no mínimo, um par de fiandeiras – por onde sai um tipo de líquido que “endurece” ao ser esticado. Esse líquido é produzido por diferentes glândulas localizadas no interior do abdome da aranha, capazes de fazer fios de seda com características distintas: eles podem ser grossos ou finos, e mais ou menos pegajosos.

Além do balonismo e das clássicas fortalezas encontradas em árvores e em cantinhos nas casas, a teia pode ser utilizada para fazer um saco de ovo, chamado de ooteca. Lá, as fêmeas armazenam e protegem os seus descendentes. Durante a muda de pele, a aranha também pode tecer um “lençol” de seda e se deitar confortavelmente sobre ele para realizar a troca.

Saiba mais sobre essas incríveis estruturas:
Teia de aranha: uma superengenhoca da natureza que é multifuncional e resistente como aço

Referências:
– Erica L. Morley, Daniel Robert. Electric Fields Elicit Ballooning in Spiders. Current Biology, Volume 28, Issue 14, 2018, Pages 2324-2330.e2. Doi: 10.1016/j.cub.2018.05.057.
– Cho M, Neubauer P, Fahrenson C, Rechenberg I. An observational study of ballooning in large spiders: Nanoscale multifibers enable large spiders’ soaring flight. PLoS Biol. 2018 Jun 14;16(6):e2004405. doi: 10.1371/journal.pbio.2004405

Esse texto foi produzido com a colaboração do aracnólogo Rogério Bertani, do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan.

Vídeo: Missouri Department of Conservation

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