Uma série de desenvolvimentos recentes na pesquisa sobre COVID-19 está fornecendo uma importante lição, embora profundamente deprimente, sobre a doença e o coronavírus que a causa. Apesar do otimismo contínuo de autoridades de alguns países, não há tratamento milagroso para COVID-19.
Hidroxicloroquina não é tão eficaz quanto se pensava
Na última semana, cientistas na China liberaram dados do maior estudo randomizado já feito e controlado do medicamento hidroxicloroquina.
Dos 150 pacientes hospitalizados com COVID-19 inscritos no estudo, metade recebeu o medicamento mais o tratamento padrão. No dia 28 de abril, aqueles que tomaram a medicação não pareciam se livrar da infecção viral mais rapidamente do que aqueles que não usavam, enquanto os dois grupos tiveram uma melhora semelhante nos sintomas. Em outras palavras, havia pouca evidência de que a droga fizesse algo além do tratamento padrão.
Enquanto isso, pesquisadores do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA apresentaram seu próprio estudo sobre hidroxicloroquina recentemente. Eles analisaram retroativamente os registros médicos de mais de 360 pacientes tratados no hospital de veteranos apenas com hidroxicloroquina ou em combinação com um antibiótico, o que alguns médicos teorizam que pode dar um impulso à sua eficácia.
Independentemente de como foi tomado, eles não encontraram evidências de que a hidroxicloroquina diminuísse o risco de os pacientes eventualmente precisarem de ventilação mecânica, um sinal de piora da doença causada pelo coronavírus. Aqueles que tomaram apenas hidroxicloroquina tiveram uma chance maior de morrer, embora não seja certo que a droga seja responsável por isso.
Dito isto, médicos de vários países, como Brasil e França, encerraram seus próprios testes de hidroxicloroquina e o medicamento relacionado com cloroquina no início, pois os pacientes começaram a mostrar um risco maior de problemas cardíacos. Embora esses medicamentos sejam rotineiramente usados em certas condições auto-imunes e na malária da doença parasitária, eles são conhecidos por potencialmente afetar o coração.
Até especialistas da rede de TV norte-americana Fox News, que têm sido defensores da hidroxicloroquina após o anúncio de Trump no início de abril de que seria um “divisor de águas”, começaram a evitar mencionar o medicamento.
Remdesivir não rolou bem também
Mas não é apenas a hidroxicloroquina que pode ter sido alvo de exageros. Na última quinta-feira (23), o STAT News publicou um resumo pouco animador de um estudo na China sobre o antiviral experimental remdesivir, que foi publicado no site da OMS (Organização Mundial da Saúde), mas a publicação foi logo removida do site da entidade.
De acordo com o resumo, o ensaio clínico controlado não encontrou evidências de que o antiviral tenha desempenhado melhor do que o tratamento padrão para pacientes graves com COVID-19, com ambos os grupos morrendo aproximadamente na mesma taxa.
A fabricante do remdesivir, a Gilead Sciences, disse em um comunicado ao STAT que a publicação caracterizou as descobertas como imprecisas. A empresa também argumentou que, como o estudo foi encerrado precocemente devido à falta de pacientes elegíveis, quaisquer conclusões tiradas dele não seriam estatisticamente significativas. No total, mais de 200 pacientes foram incluídos no estudo antes do término, dos 450 pacientes planejados e 153 pacientes receberam o medicamento.
No entanto, apesar do apelo em analisar esses estudos decepcionantes, uma coisa é clara: não será fácil encontrar um tratamento confiável e eficaz para o COVID-19, e a maioria dos esforços será insuficiente.
Por um lado, os vírus são osso duro de roer. Seu modo de vida estranho (se essa é a palavra certa a ser usada), que depende de sequestro de células, dificulta o ataque com segurança do que as bactérias de vida livre. É por isso que temos muito menos antivirais que antibióticos e uma razão pela qual provavelmente nunca teremos uma cura para o resfriado comum.
Deixando a biologia de lado, os tratamentos experimentais geralmente não cumprem sua promessa, não importa quão grandes possam parecer no laboratório ou nos primeiros ensaios clínicos. Um estudo realizado em 2018, por exemplo, constatou que apenas 14% de todos os candidatos a medicamentos que haviam chegado a ensaios clínicos foram aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para vacinas, com o exemplo de taxa de sucesso foi maior, em torno de 33%.
Já com o COVID-19, os médicos já tentaram vários outros tratamentos promissores além da hidroxicloroquina, como antivirais mais antigos direcionados ao HIV, com pouco a mostrar.
Nem tudo são más notícias
Por mais sombria que a realidade seja, isso não significa que nada funcione ou que a hidroxiclorquina e o remdesivir não terão nenhum papel a desempenhar no combate à doença. Há mais ensaios clínicos desses medicamentos e de outros a caminho, e nem todos os dados que vimos até agora foram más notícias. Também pode haver esperança de que, mesmo que esses medicamentos não possam tratar os casos mais graves, eles ainda possam impedir que as pessoas nos estágios iniciais da doença (quando o vírus cresce mais rapidamente) se agravem.
Mas, julgando apenas pela história, é provável que nenhum tratamento encontrado forneça mais do que um benefício modesto. Embora as chance sejam maiores de encontrar uma vacina que dê certo, o melhor cenário absoluto é que ela chega ao público em um ano, se não mais. Idealmente, países acometidos pela doença serão capazes de impedir que o coronavírus fique ainda mais fora do controle nesse meio tempo.
No momento, porém, mesmo isso é um tiro no escuro.