Neuralink: nova empresa quer conectar cérebro a computadores por medo de sermos superados por IA

Elon Musk revelou que Neuralink está desenvolvendo fios capazes de se conectar a um chip implantado no cérebro e uma máquina para inserir esses fios sem danificar o tecido cerebral.
Máquina de cirurgia robótica lançada pela Neuralink. Captura de tela: Neuralink/YouTube

Na noite de terça-feira (16) em San Francisco, o CEO da SpaceX e da Tesla, Elon Musk, finalmente esclareceu o que a Neuralink, sua empresa que arrecadou US$ 158 milhões para desenvolver “interfaces cérebro-máquina com largura de banda ultra alta para conectar humanos e computadores”, tem feito desde seu lançamento em 2017.

De forma resumida, a ideia é que essas interfaces possam, quando estiverem prontas, ajudar pessoas a controlarem smartphones e computadores com suas mentes. Em um segundo momento, a preocupação é que essa ligação cérebro-máquina não deixe os humanos para trás em um mundo que deve ser cada vez mais dominado pela inteligência artificial.

Durante o anúncio, Musk expressou sua preocupação de que os humanos seriam “deixados para trás” pelos desenvolvimentos da inteligência artificial, mas disse que com o desenvolvimento de uma verdadeira interface cérebro-computador, a humanidade poderia “acompanhar”. Ele descreveu o principal obstáculo como uma questão de precisão de informações e “largura de banda”, com a tecnologia existente que faz interface com o cérebro limitada.

Para esse fim, a Neuralink diz ter desenvolvido uma nova maneira de incorporar eletrodos no cérebro usando minúsculos “fios” isolados que lembram uma série de pérolas e que se conectam a um chip embutido no crânio. Esses fios são projetados para serem robustos o suficiente para passar pelo tecido cerebral e resistir à degradação, de acordo com a empresa, ao mesmo tempo em que são flexíveis o bastante para não danificar o tecido quando o cérebro se desloca no crânio. Isso poderia (enfatizando que ainda é uma probabilidade) representar um avanço significativo em relação aos métodos atuais que usam eletrodos tipo agulha que pode ser arriscado de inserir ou oferecem desempenho degradante ao longo do tempo.

Segundo o The Verge, a Neuralink disse que os fios são extremamente finos (4 a 6 μm, menor em diâmetro que um cabelo humano). O resumo de um documento creditado a “Elon Musk & Neuralink” – que ainda não foi revisado por especialistas – diz que o sistema poderia suportar “até 3.072 eletrodos por matriz distribuídos por 96 fios”.

“Como essas coisas são tão finas e flexíveis, a ideia é que elas se movam com o tecido em vez de rasgar o tecido”, disse o pesquisador da Neuralink, Philip Sabes, à Bloomberg.

Na apresentação, a Neuralink descreveu os planos para um receptor externo que poderia se comunicar sem fio com o chip embutido e conectar-se a aplicativos, embora atualmente se baseie em uma conexão externa com fio (USB-C).

Tradução: Figura 6: Implantação de fios e o dispositivo. A. Exemplo de imagem perioperatória mostrando a superfície cortical com fios implantados e sangramento mínimo. B. Dispositivo sensorial (“Sistema B”) cronicamente implantado em um rato. Captura de tela: Neuralink

A Neuralink também estreou um robô cirúrgico equipado com óptica avançada que diz ser preciso o suficiente para tecer os fios delicados em todo o tecido cerebral sem danificar os vasos sanguíneos. O estudo diz que este sistema é “capaz de inserir seis fios (192 eletrodos) por minuto”, escreveu o The Verge. De acordo com a Bloomberg, a Neuralink também informou que usou o robô para realizar pelo menos 19 cirurgias em animais com taxa de sucesso de 87%. Evidentemente, ainda é necessário que a operação seja feita por um neurocirurgião.

Robô de cirurgia cerebral da Neuralink. Foto: Neuralink

O objetivo da Neuralink é eventualmente tornar esse processo tão simples quanto a cirurgia oftalmológica LASIK (operação ocular a laser), disse Musk ao público. Esse objetivo não é a curto prazo. De acordo com o New York Times, o presidente da Neuralink, Max Hodak, disse que a técnica atualmente requer anestesia geral e perfura uma série de buracos no crânio, embora eles eventualmente esperem mudar para um laser e para a anestesia local.

“Um dos grandes obstáculos é que uma broca mecânica acopla a vibração através do crânio, o que é desagradável, ao passo que com uma broca a laser, você não sentiria”, disse Hodak ao Times.

Embora os funcionários da Neuralink tenham reconhecido ao Times que eles têm um “longo caminho a percorrer” antes de sua técnica ter aplicações práticas, Musk quer começar a testar o sistema em humanos já no próximo ano. Mas a empresa não iniciou o processo de obtenção de aprovação para esses testes da Food and Drug Administration, que é bem restritiva com testes em humanos.

O Times informou que durante uma demonstração no prédio da Neuralink na terça-feira (16), a empresa mostrou o que disse ser “um sistema conectado a um rato de laboratório que lê informações de 1.500 eletrodos – 15 vezes melhor do que os sistemas atuais embutidos em humanos”. Caso seja aplicado em humanos de forma bem-sucedida, isso seria suficiente para pesquisas e aplicações médicas, escreveu o Times, embora tenha notado que muitos outros passos serão necessários para demonstrar sua utilidade:

Cientistas independentes advertiram que os resultados de animais de laboratório podem não se traduzir em sucesso humano e que testes humanos seriam necessários para determinar a promessa da tecnologia…A flexibilidade dos fios da Neuralink seria um avanço, disse Terry Sejnowski, professor do Francis Crick Instituto Salk de Estudos Biológicos, em La Jolla, Califórnia.

No entanto, ele observou que os pesquisadores da Neuralink ainda precisam provar que o isolamento de seus fios poderia sobreviver por longos períodos no ambiente cerebral, que tem uma solução salina que deteriora muitos plásticos.

Existem inúmeras outras razões para ser cauteloso. Musk já é conhecido por fazer grandes promessas que muitas vezes não dão certo e oferecer cronogramas ambiciosos para projetos grandiosos (por exemplo, a colonização de Marte), o que lhe rendeu rótulos como “mercenário messiânico”, “o melhor vendedor de carros usados ​​da Terra”, e “O picareta mais irritante do mundo”. Uma certeza sobre as alegações da Neuralink é que elas vão atrair uma grande quantidade de escrutínio científico nos próximos dias.

De acordo com o Wall Street Journal, o trabalho de pesquisa da Neuralink ainda não foi revisado por especialistas, bem como carece de dados críticos sobre como vai funcionar com o tempo ou se pode causar uma inflamação no cérebro:

O artigo, que não foi revisado por especialistas, não incluiu dados sobre a estabilidade a longo prazo dos sinais neurais registrados, nem sobre a resposta inflamatória do cérebro.

“Isso é absolutamente crítico” antes que qualquer dispositivo possa avançar para testes em humanos, disse Loren Frank, neurocientista da Universidade da Califórnia em San Francisco, que está desenvolvendo interfaces cérebro-computador.

A Neuralink disse que está fazendo esses experimentos, mas não está pronta para tornar os dados públicos.

Tim Harris, pesquisador sênior do Howard Hughes Medical Institute’s Janelia Research Campus e desenvolvedor de interface neural, disse ao jornal que o sistema precisa ser capaz de durar pelo menos cinco anos no cérebro para valer a pena implantar em um ser humano.

O Journal observou que, embora a Neuralink diga que o sistema foi “teoricamente” projetado para estimular as células cerebrais, o que é um grande passo, o artigo diz que “não demonstramos essas capacidades aqui”.

O investidor da CTRL Labs e cofundador e sócio-gerente da Lux Capital, Joshua Wolfe, também disse ao Journal que sua empresa está atualmente desenvolvendo métodos baseados em sensores externos menos invasivos, acrescentando: “Não há nenhuma maneira de pensar em tecnologia que envolva perfurar buracos atrás da orelha agora”.

De acordo com a Bloomberg, a Neuralink também terá que demonstrar não apenas que os implantes funcionam, mas que podem fazer “algo seguro e útil com eles, fornecendo terapias – algo que muitos cientistas veem como uma questão em aberto”. Por exemplo, decodificar pulsos nervosos e traduzi-los em informação utilizável é uma tarefa assustadora. De acordo com a Ars Technica, os pesquisadores já desenvolveram interfaces cérebro-computador, como o BrainGate, que tem sido usado para controle limitado de computadores e braços robóticos, bem como desenvolveram formas de estimular os nervos envolvidos na audição e visão. Mas “qualquer coisa mais sofisticada que essas tecnologias simples de entrada ou saída permanece puramente no campo da ficção científica”, escreveu o site.

Assista à apresentação da Neuralink (em inglês) abaixo:

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