Ciência

No passado remoto, a Amazônia foi um centro de agrobiodiversidade e um território de abundância

Tema foi abordado pelo arqueólogo Eduardo Neves na segunda Conferência FAPESP 2024. Pesquisador é um dos principais responsáveis pela grande revisão que mudou o paradigma sobre o passado da Amazônia
Foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP

Texto: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP

A ideia de que a Amazônia foi, no passado remoto, uma região quase despovoada, habitada apenas por grupos indígenas pequenos, esparsos e carentes, ficou definitivamente para trás. Pesquisas recentes trouxeram à luz outra Amazônia: com fartura de recursos materiais, povoamento denso, estradas e cidades. “A presença humana na Amazônia remonta há mais de 8 mil anos. Em alguns lugares, temos evidências de povoamento há 13 mil anos. E a população total da Amazônia, no início do século 15, antes da chegada dos europeus, pode ser estimada em cerca de 10 milhões de pessoas”, diz Eduardo Neves, professor titular de arqueologia brasileira e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

Neves é nome referencial da nova pesquisa arqueológica e um dos principais protagonistas da grande revisão que mudou o paradigma sobre o passado da Amazônia. Ele foi o palestrante da segunda Conferência FAPESP 2024: “Há algo de novo no passado: o estado da arte da pesquisa arqueológica na Amazônia”, realizada na sexta-feira (22/03).

 Eduardo Neves, diretor do MAE-USP

Eduardo Neves, diretor do MAE-USP (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

“O que descobrimos nos últimos anos que mudou nossa visão sobre o passado da Amazônia foi, primeiro, a antiguidade da presença indígena. Segundo, que a região foi um centro independente de domesticação e cultivo de plantas e abrigou mais de um centro independente de produção de cerâmica. Terceiro, que o povoamento transformou a paisagem e produziu abundância. Quarto, que o adensamento demográfico gerou diversidade cultural e urbanização. Sabemos, hoje, que havia cidades na Amazônia – em, pelo menos, três ou quatro contextos diferentes”, afirmou Neves.

Vestígios dessas cidades, escondidos pela floresta densa, vêm sendo escavados em campo por Neves e sua equipe. E também foram detectados recentemente por meio da tecnologia de sensoriamento remoto aerotransportada “Lidar” (acrônimo para a expressão em inglês light detection and ranging). Tal estudo, conduzido por Stéphen Rostain e colaboradores, foi matéria de capa da revista Science no início deste ano. No trabalho, os autores afirmam que a área central do sítio arqueológico de Kilamope, na Amazônia equatoriana, seria comparável em tamanho à do planalto de Gizé, no Egito, ou à da avenida principal de Teotihuacan, no México.

Manejo humano

A paisagem da Amazônia foi, em larga medida, modelada pela ação humana. Neves informou que os 390 bilhões de árvores da Amazônia são constituídos por 16 mil espécies diferentes. Mas que apenas 227 espécies, ou seja 1,4% do total, respondem por quase metade de todas as árvores. Essa hiperdominância é, claramente, fruto do manejo humano. “Das dez espécies mais hiperdominantes, seis são palmeiras. E a mais hiperdominante delas é o açaí”, falou.

O manejo fez da Amazônia um centro de agrobiodiversidade e um território de abundância, com a presença de vegetais como o milho, a mandioca, o amendoim, a castanha, a batata-doce, a pupunha, o cacau, o abacaxi, o tabaco, a coca, o guaraná, a pimenta murupi e muitos outros. “A única evidência de domesticação do arroz fora da Ásia e da África é encontrada na Amazônia”, destaca Neves.

Um aspecto importante analisado pelo pesquisador é que, nessa grande variedade de espécies, havia poucos cereais, além do milho e do arroz. “O cultivo dos cereais impõe um ritmo anual de atividade e uma necessidade de armazenagem dos grãos coletados. No caso de raízes e árvores, o ritmo é muito mais frouxo”, disse. E associou a não predominância do cultivo de cereais ao fato de o Estado não haver surgido na Amazônia.

Outro ponto ressaltado por Neves foi o fato de a Amazônia ter abrigado vários centros independentes de produção de cerâmica. “A mais antiga que conhecemos nas Américas vem do sítio de Taperinha, um sambaqui fluvial localizado perto de Santarém. A datação mostrou uma idade de mais ou menos 7 mil anos”, contou.

A conferência foi apresentada por Esther Império Hamburger, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da USP. E teve a moderação de Maria de Fátima Morethy Couto, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que leu um parágrafo do livro Sob os Tempos do Equinócio, escrito por Neves. A publicação desse livro já foi objeto de reportagem da Agência FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/39387).

A conferência “Há algo de novo no passado: o estado da arte da pesquisa arqueológica na Amazônia” pode ser assistida em: www.youtube.com/watch?v=AVch7yyWI8M&t=24s.

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