Obesidade em crianças dobra em bairros com comércio de alimentos não saudáveis e menos segurança
Crianças de famílias de baixa renda e que moram em regiões que não estimulam hábitos saudáveis como boa alimentação e prática de exercícios físicos têm o dobro de chance de desenvolver obesidade quando comparadas a crianças que não vivem nesses ambientes. A constatação é de estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicado nesta segunda (14) na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”.
O estudo realizou entrevistas com 717 alunos do quarto ano do ensino fundamental em escolas municipais de Belo Horizonte entre 2014 e 2015 para descobrir quais fatores podem influenciar o desenvolvimento de obesidade em crianças. Além das conversas individuais sobre hábitos alimentares, foram levantados dados de peso e altura para determinar o Índice de Massa Corpórea (IMC) dos estudantes, que é o indicativo mais utilizado para determinar sobrepeso e obesidade. Também foram apuradas informações sobre renda e sobre o ambiente que as crianças vivem, como número de espaços públicos para realizar atividades físicas na vizinhança e de comércio que vende alimentos saudáveis e ultraprocessados, além de índices de criminalidade e de acidentes de trânsito.
Na amostra estudada, cerca de 12% das crianças apresentaram obesidade e uma em cada três estava com excesso de peso. Morar perto de estabelecimentos que vendem alimentos ultraprocessados e em bairros com altas taxas de criminalidade e de acidentes de trânsito apareceram como fatores que estimulam a obesidade.
Segundo a pesquisadora Ariene Silva do Carmo, co-autora do estudo, a associação da obesidade com as características da região em que as crianças moram, como altas taxas de criminalidade e de acidentes de trânsito, só foi encontrada analisando dados de crianças de baixa renda. “Uma das explicações para isso é que famílias de baixa renda são mais dependentes do entorno e, consequentemente, sofrem maior influência dos ambientes obesogênicos, que são ambientes facilitadores de escolhas alimentares não saudáveis”, explica a pesquisadora do Grupo de Estudo, Pesquisa e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS) e do Núcleo de Estudos em Alimentação e Nutrição nos Ciclos da Vida (NEANC), ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As chances de obesidade diminuem quando as crianças moram em bairros com acesso a locais públicos para fazer atividade física, como uma praça ou um parque, mas isso acontece apenas em bairros seguros. “Não adianta ter os espaços se as crianças não frequentam por motivos de segurança”, aponta Carmo. Como a obesidade é um problema multifatorial, o local onde a pessoa vive não é totalmente determinante, mas pode ter grande influência, segundo a nutricionista. “O ambiente obesogênico é um fator muito importante, talvez seja o principal causador de obesidade nas últimas quatro décadas”, reflete.
Em seu grupo de pesquisa na UFMG, Carmo estuda os fatores ambientais da obesidade infantil. Para ela, além de desenvolver ações educativas e de conscientização com as crianças e suas famílias para a prevenção da doença, é preciso promover políticas públicas intersetoriais. “Os poucos países que conseguiram reduzir a obesidade infantil adotaram leis estruturantes e medidas regulatórias, como a tributação de alimentos não saudáveis”, diz a cientista. “Fica difícil ter escolhas saudáveis em um ambiente que não as facilite. É preciso políticas estruturantes para combater a criminalidade, mais espaços para atividade física, proibição de alimentos ultraprocessados nas escolas e políticas que tornem os alimentos saudáveis mais baratos e acessíveis”, afirma.