Observações do Telescópio Espacial Hubble apontam para a presença de cloreto de sódio na superfície da lua gelada Europa de Júpiter. Esta é uma evidência potencial de que a substância, também conhecida como sal de cozinha, está presente no oceano debaixo da superfície do satélite natural do planeta — mais uma indicação do potencial desta lua para dar condições para vida alienígena.
“A potencial habitabilidade do oceano subsuperficial de Europa depende da sua composição química, que pode ser refletida na superfície geologicamente jovem de Europa”, afirma um novo estudo publicado nesta quarta-feira (12) na Science Advances.
De fato, essa lua jupiteriana abriga um oceano de água líquida em escala global sob sua volátil crosta gelada. Portanto, é razoável imaginar se as coisas que vemos em sua superfície congelada também podem existir no oceano. O ambiente oculto é rico em substâncias químicas e oferece “um lugar animador para explorar a habitabilidade do sistema solar”, observam os autores no novo estudo, liderado pela cientista planetária Samantha Trumbo, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (também conhecido como Caltech).
Como a pesquisa sugere, uma dessas substâncias superficiais pode ser o cloreto de sódio (NaCl), também conhecido como sal de cozinha. Observações prévias feitas pelo Near-Infrared Mapping Spectrometer (Espectrômetro de Mapeamento de Infravermelho Próximo, em tradução livre) a bordo da espaçonave Galileo apontavam para sais de sulfato na superfície de Europa, mas não havia evidência de que esse sal tivesse origem no gigante oceano sob a superfície.
O que é diferente no novo estudo é que o cloreto de sódio foi detectado em áreas conhecidas como regiões de “caos”, onde a mistura de materiais de superfície e as águas abaixo são possíveis.
“Isso muda nossa imagem da Europa da seguinte maneira: que tipo de sais estão na superfície e, portanto, que tipo de sais estão no oceano”, Jonathan Lunine, cientista planetário da Cornell University que não teve participação no novo estudo, diz em um email ao Gizmodo. “Por muito tempo depois [das imagens] da Galileo, pensou-se que os sais de sulfato de magnésio poderiam ser os mais importantes. Mas, depois desse estudo, nosso entendimento mudou — pode ser sal de cozinha!”
O problema com o cloreto de sódio, e não estamos aqui falando de pressão alta e doenças cardíacas, é que ele é praticamente invisível para os astrônomos — ele não exibe características espectrais facilmente identificáveis em comprimentos de onda infravermelhos.
“O sal de cozinha é branco e não se destaca em um espectro visível”, explica Trumbo em um e-mail ao Gizmodo. “Mas, quando ele é bombardeado por partículas energéticas carregadas, como sabemos acontece na Europa, ele muda de cor e forma assinaturas espectrais únicas, que podemos ver com o Hubble.”
De fato, a Europa é atingida pela radiação tanto do Sol quanto, especialmente, de Júpiter. A assinatura espectral resultante do sal irradiado pode ser vista a uma absorção no comprimento de onda de 450 nanômetros (nm).
“Usamos o Telescópio Espacial Hubble para obter os primeiros espectros de comprimentos de onda visíveis espacialmente resolvidos [isto é, levando a distância em consideração] da superfície de Europa com o objetivo de procurar as assinaturas características dos sais de cloreto irradiados”, diz Trumbo. “Especificamente, usamos um instrumento chamado Space Telescope Imaging Spectrograph (STIS) [espectrógrafo de imagem telescópica espacial, em tradução livre]. Os espectros mostraram uma característica de absorção distinta na luz solar refletida na superfície de Europa, perto de um comprimento de onda de 450 nm, o que indica a presença de NaCl irradiado.”
Como esses dados foram resolvidos espacialmente, a equipe de Trumbo conseguiu mapear esses recursos de cloreto na superfície da Europa para determinar as regiões nas quais o sal está localizado. Crucialmente, a substância foi detectada próxima de jovens regiões do caos — características geológicas nas quais o gelo da superfície da lua é fortemente quebradiço e onde blocos de gelo podem ser vistos à deriva.
As regiões do caos provavelmente são causadas por materiais que sobem à superfície, causando a quebra do gelo. Como os materiais do oceano subterrâneo podem estar se derramando na superfície nesses pontos, “as regiões do caos podem ser as mais representativas da composição interna da Europa”, diz Trumbo.
É importante ressaltar que a equipe de Trumbo também conduziu experimentos no laboratório para ver como o cloreto de sódio adquire cor e, portanto, sua assinatura espectral detectável no ambiente de forte radiação em torno de Europa. Lunine diz que ficou “impressionado com o extenso trabalho de laboratório que os autores realizaram, que tornou possível interpretar os dados do Hubble em termos de cloreto de sódio”.
Mesmo levando tudo isso em consideração, só porque esse material salino foi encontrado na superfície não significa que ele realmente veio do oceano subsuperficial. Trumbo diz que sua equipe está “confiante de que este sal tem origem no oceano interior”, mas não pode “dizer com certeza que a presença de NaCl na superfície implica uma química oceânica dominada pelos cloretos”, e isso é “porque não sabemos como estão diretamente relacionadas as composições da superfície e do oceano, mesmo no terreno do caos”.
Fran Bagenal, professora de ciências astrofísicas e planetárias da Universidade do Colorado, gostou do novo estudo. Ele afirma que os autores “têm bons dados, dados que são abrangentes e honestos”. É “outro tijolo na parede de evidências de que o oceano de Europa poderia ser muito interessante — possivelmente de significado astrobiológico”, escreve ela ao Gizmodo em um e-mail.
Bagenal também ficou impressionada com o fato de os pesquisadores terem conseguido “extrair números de um sinal relativamente fraco”, acrescentando que “parece sal marinho na superfície de Europa — mas, como eles admitem, essa conclusão não é definitiva”.
Na mesma nota, Bagenal compartilhou alguns insights sobre onde vamos a partir daqui, particularmente o papel principal que será desempenhado pela Europa Clipper da NASA — uma nave espacial prevista para o lançamento na década de 2020.
“O próximo passo é a Europa Clipper, que vai voar sobre o satélite várias vezes e [fará] muitos tipos diferentes de medições: capturar das estruturas geológicas na superfície, buscar por assinaturas espectrais para identificar a ‘gosma marrom’ que parece estar saindo das rachaduras do oceano subsuperficial, medir as assinaturas magnéticas e de partículas das correntes elétricas que fluem no oceano sob o gelo — e usar o radar para estimar a espessura do gelo, se possível ”, disse ela. “Depois que a Clipper fizer essas medições — no final da década de 2020 e início da década de 2030 — saberemos o suficiente para enviar uma sonda capaz de ‘arranhar e cheirar’ a superfície.”
Em termos do potencial da Europa para hospedar a vida alienígena, essa ainda é uma questão em aberto — mas essa lua certamente parece um lugar interessante do ponto de vista astrobiológico.
“Esta descoberta não tem a ver diretamente sobre a potencial habitabilidade da Europa”, diz Trumbo. “No entanto, se o NaCl na superfície reflete a composição salina predominante do oceano abaixo da superfície, então essas águas podem ser quimicamente mais semelhantes aos oceanos da Terra do que se pensava anteriormente — o que pode ser bom para a habitabilidade”.
De fato, como essa nova pesquisa sugere, essa exótica lua congelada pode ter mais em comum com a Terra do que imaginávamos.