Opinião: o jornalismo precisa urgentemente de novas ideias – mas ninguém quer por dinheiro nelas

"Não se tenta nada novo porque não vai dar certo e as coisas que se tenta não dão certo porque não representam nada de novo"
Imagem: Absolute Vision/Unsplash

Este texto começou na minha cabeça como uma análise do Semafor, o novo projeto de Ben Smith, fundador do BuzzFeed. Sim, eu também acho que muitas vezes olho muito para o que acontece lá fora e pouco para o que acontece aqui, mas, como já justifiquei antes, bem, muito pouco acontece aqui em termos de mídia, infelizmente. A novidade desta vez é que parece que nada acontece lá fora também, e é esse o principal ponto sobre o Semafor: de tudo o que se sabe até aqui sobre o veículo, fica difícil de entender porque investidores e profissionais estão embarcando em mais um projeto igual a tantos outros que não deram retorno nem editorial nem financeiro.

Um pouco de contexto básico é: Ben Smith se juntou a um outro Smith cujo nome é irrelevante por isso eu não vou dar um “google” e que era executivo da Bloomberg Media para criar… algo. Com o tempo, anunciaram que seria um novo site, que também produziria newsletters, e com foco nas “200 milhões de pessoas que têm diploma universitário e lêem em inglês”. Sim, todo mundo e mais algumas pessoas já observaram que este é exatamente o público de 90% dos veículos que existem hoje, mas sinceramente se você fosse um cara com diploma universitário e que fala inglês o mais normal seria lançar o quê, certo? Estranho seriam os dos Smiths lançando um perfil de TikTok pra falar de funk brasileiro.

Entre os anúncios recentes do grupo, chamou a atenção o de que o Semafor teria uma redação “na África”, e que dois profissionais “africanos” já tinham sido contratados (um deles já foi anunciado). De novo, os Smiths não são africanos, mas eu também não sou. Me parece, entretanto, que “A África” é um conceito meio etéreo. Serão nigerianos? Egípcios? Angolanos? É possível pensar em uma cobertura “africana” em um contexto tão diverso e muitas vezes divergente? 

Se alguém tem credenciais pra criar algo novo em mídia, Ben Smith é um  desses caras. Você pode gostar ou não do Buzzfeed, mas não tem como não reconhecer a importância do site para a formação do que é o discurso na internet hoje. Em 2020, Smith deixou a empresa e virou colunista de mídia no New York Times –foi esta coluna dele que eu copiei quando comecei a minha no Giz. É pouco provável que não fosse muito bem remunerado, assim como é bem pouco provável que não tenha saído do Buzzfeed com um caminhão ou dois forrados de dólares. 

O ponto não é nem o velho “por que um cara larga tudo isso”, mas sim um “por que alguém larga tudo isso pra fazer a mesma coisa que todo mundo já fez antes”? A resposta fácil é: porque ele pode. Porque um grupo de tontos (que não inclui Michael Bloomberg, que “passou” a oportunidade) deu dinheiro pra ele fazer isso – note-se que se você leu sobre esse assunto na mídia brasileira é porque um dos “tontos” é o Lehmann. É como esses caras fazem dinheiro, diga-se de passagem, apostam em muitas coisas que têm um cheiro de que pode dar certo, acertam poucas e erram muitas, mas ganham muito nos acertos. O cheiro de que pode dar certo é Ben Smith. E se o cheiro é esse, não há nenhum motivo para que o projeto seja mais do mesmo um pouco mais bem feito.

Quando fechamos a revista Trivela, escrevi no editorial que “não é que não deu certo, certo deu, só não deu dinheiro”. No meu caso, não deu mesmo e eu ainda pus algum, mas o “não deu dinheiro” do mercado não funciona assim. O Buzzfeed é um ótimo exemplo disso. Mesmo depois de ter revolucionado a internet e a mídia, o site nunca deu dinheiro suficiente para continuar interessando esses caras que põem dinheiro nessas coisas. 

O problema aí é o modelo: se alguém investe em dez projetos esperando que dois ou três dêem certo para pagar todos os outros, os que dão certo têm que dar uma quantidade descomunal de dinheiro. Então os caras podem até ser bem sucedidos também financeiramente, mas no final nunca vão chegar onde os investidores queriam que eles estivessem. Aí o que é obviamente um estrondoso sucesso vira um investimento fracassado. E leva a decisões cada vez mais conservadoras. Noventa por cento vão simplesmente se negar a investir novamente no setor –o que explica a ausência de iniciativas de mídia independente no Brasil– , enquanto os outros 10% vão ter medo de apostar em qualquer coisa que fuja do arroz com feijão do setor. 

O que leva à repetição dos mesmos modelos, buscando o mesmo público, feito pelos mesmos caras. Um exemplo? Por que alguém gastaria mais de 200 milhões de reais para recuperar a Veja? Com 20 milhões qualquer um minimamente capaz faria uma Veja 2.0 Ultra Power Plus, mas ninguém investiria esses 20, e alguém investiu aqueles 200.  

De modo que entramos em um loop bastante magnético em que não se tenta nada novo porque não vai dar certo e as coisas que se tenta não dão certo porque não representam nada de novo. Nem ao menos o velho, mas buscando um público novo, temos. Estamos entrando em mais um período eleitoral e de novo vai ter gente gastando tempo e dinheiro com checagens que não importam e que ninguém lê, e com colunistas fazendo análises profundas e completas que ninguém vai ler. 

O que Ben Smith oferece para seus leitores e investidores é essa cobertura eleitoral baseada em “furos”, as notícias exclusivas que os jornalistas descobrem e que geram leitura e leitores. Quando fundou o Gawker, “pai” do site que deu origem a este Giz, Nick Denton dizia que queria contar ao leitor as conversas que os jornalistas tinham no bar depois que o jornal fechava. Deu bem certo, até o jurídico fechar a porra toda. Se é isso que Smith pretende, chegou um pouco tarde ao baile. Se os furos que ele pretende dar são os mesmos que o New York Times, o que faria com que ele pudesse chegar onde o Times, e todos os outros jornais e sites, não chegam?

Uma pista pode estar em um aspecto pouco comentado de suas entrevistas que parece ser bem interessante: ele diz que quer “colocar o nome do repórter do mesmo tamanho que a manchete”. Não é só a questão da vaidade ou da construção de marca, mas também a possibilidade de participar financeiramente dos resultados do próprio trabalho. Por que isto importa? Porque no final quem gera furo é o repórter, e para concorrer com o New York Times pelos melhores repórteres é preciso oferecer a eles algo a mais.

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O projeto dos Smiths que não são parentes pode até não ter nada de novo, mas o fato é que, como observou o Politico, o Times já publicou cinco matérias sobre ele desde que foi anunciado em janeiro, o Politico comentou estas notícias e aqui estou eu falando sobre o mesmo assunto. Outra característica do mundo da mídia hoje em dia é que também no jornalismo criou-se uma cultura das celebridades, nem sempre justificada –o repórter Ruben Berta, do UOL, por exemplo, tem colocado sua vida em risco para revelar podres do governo do Rio de Janeiro, e não me parece que esteja muito mais famoso do que era até pouco tempo atrás. É por aí que vai o Semafor? Trazer as “celebridades” do jornalismo e esperar que o resultado venha junto? Algum sentido faz: a maior parte destas celebridades chegou lá produzindo jornalismo da melhor qualidade. 

Pode funcionar para o Semafor, e se funcionar será excelente para quem realmente mete a mão na massa pra produzir os furos. Não muda, porém, o modelo. E isto é ruim.

Caio Maia

Caio Maia

Caio Maia é o publisher da F451 e do GizBr. Escreve a cada duas semanas sobre mídia, e quando os editores deixam escreve sobre outras coisas também. Passou pela Folha e depois fez Trivela, revistas ESPN e Sustenta! e uma lista longa de blogs, sites e podcasts.

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