A Opportunity provavelmente morreu em Marte, e estes cientistas quiseram dar seu adeus à sonda

Desde junho de 2018 sem contato com o rover, cientistas envolvidos na missão se despedem do veículo e analisam seu legado
NASA/JPL-Caltech

Uma brutal tempestade de poeira engoliu Marte no ano passado. A tempestade que afetou todo o planeta poupou a sonda Curiosity, movida a energia nuclear, mas a Opportunity, mais antiga e movida a energia solar, se desligou quando a poeira espessa bloqueou a luz do Sol. A Opportunity está em silêncio desde 10 de junho de 2018, apesar das centenas de tentativas da NASA de contatá-la. Quando uma temporada de ventos em Marte começou em novembro, os cientistas esperavam que as rajadas de vento pudessem limpar os detritos de seus painéis solares, mas essa esperança parece ter sido em vão. A NASA continua enviando comandos de recuperação, mas, infelizmente, parece que a missão Opportunity chegou ao fim.

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Ao mesmo tempo, 2019 representa um marco histórico para o rover, que atingiu oficialmente seu 15º ano em Marte no dia 25 de janeiro. Isso excede em muito a expectativa de vida inicial, de 90 dias. Junto com o rover Spirit, cujo fim veio em 2010, a missão Mars Exploration Rover (MER) marca um dos mais importantes programas científicos da era moderna, encontrando evidências de que Marte já esteve coberto de líquidos e enviando imagens icônicas da superfície do planeta.

Em homenagem ao 15º aniversário da Opportunity, e com o entendimento de que podemos nunca mais ouvir falar do rover novamente, pedimos a alguns cientistas da missão MER e de outros lugares para compartilhar seus pensamentos e memórias sobre a Opportunity, a Spirit e seu legado.

Steve Squyres, investigador principal da Mars Exploration Rover Mission (MER) e professor na Universidade Cornell:

Ainda não desisti. Temos uma lista de coisas para tentar e não terminaremos até tentar tudo. Mas estamos chegando ao fim da lista, então é um momento apropriado para começar a pensar sobre essas coisas. Quanto a como nos sentimos, nos sentimos bem… É uma morte honrosa. (Os rovers) Não são imortais. Você sabe que vai perdê-los mais cedo ou mais tarde. Para que uma missão de 90 dias dure 15 anos e então termine como consequência de uma das mais ferozes tempestades de poeira que atingiu Marte em muito tempo, podemos ir embora de cabeça erguida. A missão excedeu em muito o que eu poderia ter esperado.

O legado é sólido… O legado é o legado tanto da Spirit quanto da Opportunity, e o espírito e o legado da equipe que os construiu em primeiro lugar, a equipe de engenheiros, cientistas, gerentes, líderes e financeiros. O motivo do sucesso é o que eles fizeram há 15 anos. É a eles que o crédito pertence.

Sobre o legado científico, Marte acabou sendo um lugar muito mais interessante do que eu esperava. (A missão) Mudou a forma como os humanos olham para Marte. As três aterrissagens que precederam as nossas foram todas nessas terras planas e estéreis — de propósito — porque eram os lugares mais seguros para aterrissar. Era apenas o terreno conhecido. Foi isso que me deixou tão entusiasmado por fazer uma missão de rover. Temos esses pequenos rovers cênicos que escalaram montanhas e desceram em crateras. Marte se tornou um lugar realmente cênico, bonito e interessante, no sentido de que você pode imaginar estar lá e andar nas trilhas dos rovers e ver o que eles viram. Isso muda a nossa perspectiva.

A terceira parte do legado é o efeito que essas missões tiveram nas crianças. Um dos sonhos que cultivo com mais carinho, e eu sei que isso provavelmente aconteceu, é que uma criança de 8 anos tenha assistido à televisão em 2004 na noite em que aterrissamos e tenha pensado: “Nossa, eu acho isso legal, mas eu posso fazer melhor”. Vejo evidências de que a missão fez isso até certo ponto, inspirando jovens a seguir carreiras em ciência, engenharia e tecnologia com seus próprios sonhos.

Selfie mostra os painéis solares livres de poeira da Opportunity em dezembro de 2004. Imagem: NASA/JPL-Caltech/Cornell

Kirsten Siebach, geólogo planetário, Universidade Rice:

Aqueles rovers foram os pioneiros. Eles tiveram um impacto enorme. Ter a Opportunity em Marte significou que temos novas imagens da superfície de outro planeta desde que eu estive no ensino médio. Nossa compreensão de Marte se expandiu, e eu acho que isso sempre manteve um nível de excitação e interesse. Tem sido uma inspiração para aqueles de nós que trabalham com Marte, estudantes e qualquer pessoa no público que nos acompanhe. Torna Marte acessível e próximo…. Penso que o legado é importante para a ideia de exploração e para motivar uma geração a pensar que estamos tão perto de outro planeta e que continuamos a explorar o Sistema Solar e a aprender coisas novas todos os dias….

Todos falam da incrível engenharia que nos permite ter um robô andando em outro planeta sem um mecânico, em condições absurdas durante 15 anos. É um feito incrível. Mas, para mim e para as pessoas da equipe, tem todos esses 15 anos. Havia pessoas aqui na Terra em equipes de ciência e engenharia que se reuniam três a cinco vezes por semana, abordando o progresso do dia anterior e programando cuidadosamente o que o Opportunity faria no dia seguinte. Para essa equipe, é mais do que apenas um robô, e vamos sentir falta dele… Foi muito divertido trabalhar nisso, estamos felizes por ter sido tão bem-sucedido. E esse nível de poeira foi definitivamente uma morte honrosa se não tivermos notícias dele novamente.

Kevin Lewis, professor assistente na Universidade Johns Hopkins:

Espero que a Opportunity volte a funcionar! Eu estava na equipe MER durante a pós-graduação (2003-2009), o que é um testemunho de quanto tempo a missão durou — 15 anos é aproximadamente três PhDs concluídos! A Opportunity estava fazendo um grande trabalho científico até perder o contato, explorando novas unidades de rocha que nunca deveria ter sido capaz de alcançar por seus parâmetros originais de projeto. Tanto a Spirit quanto a Opportunity revolucionaram totalmente a forma como fazemos ciência em Marte, e é seguro dizer que não teríamos a Curiosity sem os esmagadores sucessos da missão MER. A Spirit e a Opportunity *figurativamente* prepararam o caminho para a Curiosity e para os futuros viajantes do Sistema Solar por meio das suas conquistas técnicas e científicas revolucionárias.

A Opportunity capturou imagens de nuvens marcianas passando por cima em 2 de outubro de 2006. GIF: NASA/JPL/Texas A&M/Cornell

Tanya Harrison, cientista planetária e diretora de pesquisa da Iniciativa de Ciência e Tecnologia Espacial da Universidade Estadual do Arizona e colaboradora da equipe científica da Mars Exploration Rover Opportunity:

A Opportunity superou todas as expectativas que tínhamos. Ela desvendou o mistério do sinal de hematita detectado por orbitadores antes dela, nos ensinou sobre as condições aquáticas e ventosas do passado em Marte e foi mais longe do que qualquer outro rover além da Terra. Não importa o que o Planeta Vermelho parecia jogar para ela, ela e sua inteligente equipe de engenheiros conseguiram encontrar uma maneira de contornar isso — até esta última tempestade de poeira global. Mas é justo que a coisa que finalmente foi capaz de tirar (de serviço) a Oppy tenha sido a tempestade de poeira mais forte que já observamos em Marte. Agora, ela pode descansar, sabendo que deixou a humanidade orgulhosa como nossa pequena emissária robótica.

Ashwin Vasavada, cientista de projeto do Mars Science Laboratory/Curiosity Rover no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA:

O rover Opportunity foi uma inspiração real para mim durante o desenvolvimento do rover Curiosity, porque mostrou como um geólogo de campo virtual poderia de fato montar a história de um ambiente antigo estudando o registro mantido nas rochas. Águas antigas fluindo pela superfície, lagos secos entre dunas, águas subterrâneas ensopando as rochas, coisas tão boas… Tudo isso me manteve ativo durante os dias mais difíceis de levar a Curiosity para Marte.

Imagens como esta, que mostram formações provavelmente criadas por líquidos em fluxo, forneceram aos cientistas pistas sobre o passado úmido de Marte. Capturada pelo Opportunity em 17 de julho de 2004. Imagem: NASA/JPL-Caltech/Cornell

Emily Lakdawalla, editor sênior de The Planetary Society:

A Spirit e a Opportunity realmente abriram um novo caminho para a comunicação pública sobre uma missão de ciência ativa quando Steve Squyres e Jim Bell tomaram a decisão de tornar todas as imagens disponíveis ao público quando chegaram à Terra. Eles queriam ter certeza de que os estudantes pudessem trabalhar com os dados e que eles não precisassem estar em algum servidor protegido por senha…. Jim e Steve disseram: “Não, queremos que o público aproveite a aventura da mesma forma que nós.” Essa decisão foi tão visionária. Ela criou essa enorme comunidade internacional de pessoas que foram capazes de seguir o sonho diário de explorar outro planeta por meio dos olhos da Spirit e da Opportunity. As pessoas faziam mosaicos e animações, discutiam as rochas que estavam vendo e o que a equipe científica estava fazendo. Em muitos casos, pessoas na Europa viam as imagens antes de a equipe americana acordar — Squyres gosta de checar esses fóruns porque era mais fácil de lidar (do que o servidor).

A equipe da Cassini não tinha planos de compartilhar suas imagens dessa forma. O Laboratório de Propulsão a Jato da NASA (JPL), tendo visto a missão Mars Exploration Rover, disse: ok, vamos compartilhar as imagens da Cassini também. Muitas outras missões seguiram seus passos — todas as missões aterrissadas em Marte, como Curiosity, Phoenix e InSight. Ela influenciou a Agência Espacial Europeia a ser mais aberta com os seus dados de imagem — sua estrutura é diferente da estrutura da NASA, uma vez que as instituições constroem e fornecem as câmeras —, mas foram capazes de começar a partilhar uma câmera chamada VMC, que compartilha imagens (de Marte) assim que elas chegam à Terra, e a Rosetta partilhou as suas imagens de NavCam muito rapidamente. (As missões) Juno e New Horizons compartilharam seus dados muito rapidamente…. Isso teve uma profunda influência na forma como as missões compartilhavam seus dados com o público.

Acho interessante que, quando a Opportunity inicialmente ficou em silêncio, muitas pessoas estavam prontas para descartá-la instantaneamente. Isso pode ter sido uma coisa mais pragmática de se fazer, mas não levava em conta o sentimento das pessoas que mantiveram essa nave espacial viva por tanto tempo. Acho que é necessário para a equipe esgotar todas as possibilidades para que eles possam sentir algum encerramento na missão. Com certeza, alguns deles não querem desistir… É preciso um grande investimento emocional para manter essas missões acontecendo. Acho que espero que a Opportunity nos surpreenda e volte. Suponho que provavelmente não vai acontecer e sinto muito pelos engenheiros por sua perda. As pessoas vão precisar de tempo para lamentar e perceber que é emocionalmente difícil.

Abby Fraeman, cientista adjunta de projeto do rover Opportunity no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA:

Sentirei falta, antes de mais nada, de interagir com a equipe regularmente. Essas pessoas estão trabalhando nessa missão há muito tempo, e, mesmo que pessoas tenham saído e outras tenham entrado, há uma sensação realmente maravilhosa de camaradagem. Consigo reconhecer todos pela voz. Sei que podemos confiar nas pessoas quando nos deparamos com desafios ou questões científicas difíceis. É muito divertido trabalhar com todos esses problemas com as pessoas envolvidas. Também vou sentir falta de acordar todas as manhãs e ver o que o rover enviou, quais são as fotos mais recentes. Todos os dias você pode ver algo que nenhum humano jamais viu antes.

Eu tenho uma história muito pessoal com o rover. Eu estava no ensino médio quando a Spirit e a Opportunity aterrissaram. Havia um programa dirigido pela The Planetary Society chamado Programa Astronauta Estudante, que levava estudantes do ensino médio para o JPL para estarem lá na noite em que o rover pousou. Eu estava lá na noite em que a Opportunity pousou, e foi uma experiência incrível que me inspirou a entrar na ciência planetária.

A maneira como tanto a Spirit quanto a Opportunity transformaram a ciência (em torno) de Marte foi muito profunda… Isso nos deu uma nova perspectiva sobre o planeta que não tínhamos no ano 2000. Os rovers foram enviados para seguir a água, e, antes de irmos para lá, não tínhamos nenhuma evidência definitiva de que tivesse havido água líquida em Marte no passado. Foram as primeiras imagens da Oppy, e mais tarde as da Spirit, que foram provas incontestáveis de que Marte teve um clima diferente que podia abrigar água líquida na superfície. Isso abriu um novo espaço de parâmetros para perguntas que poderíamos fazer sobre a evolução de Marte. Essas perguntas foram respondidas pelo rover Curiosity, um rover novo, maior, com instrumentos mais sofisticados, e algumas delas serão respondidas pelas missões de retorno de amostra; algumas perguntas precisarão de missões futuras para serem respondidas. Nem sequer sabíamos que perguntas fazer antes de termos os resultados da Spirit e da Opportunity.

Só estou feliz por ter durado tanto tempo quanto durou. É uma celebração pelo sucesso e pioneirismo dessa missão.

Sombra da Opportunity, 26 de novembro de 2014. Foto: NASA/JPL-Caltech

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