Os percevejos vêm atormentando a humanidade por milênios. Estima-se que sua jornada evolucionária como parasitas começou há dezenas de milhões de anos, quando se alimentavam de morcegos. Mas uma equipe internacional de pesquisadores encontrou evidências que indicam que a origem desses insetos vampíricos estende-se a muito mais tempo, entrando na era dos dinossauros.
Quando as pessoas pensam em percevejos, elas provavelmente imaginam o percevejo comum, também chamado de percevejo de cama, ou Cimex lectularius. Mas existem mais de 100 espécies de insetos desconhecidas que estão relacionadas a ele, integrando a família Cimicidae. Esses insetos, conhecidos como cimicidas, precisam se alimentar do sangue de um hospedeiro. A maioria das espécies consegue sobreviver se alimentando de uma única espécie de hospedeiro, mas alguns podem escolher entre uma lista de opções suculentas.
A principal teoria é que os primeiros percevejos da história colonizaram os antigos morcegos. Isso colocaria o início de seu ramo evolutivo, no máximo, em torno de 50 milhões a 60 milhões de anos atrás. Mas os autores do atual estudo, publicado na revista Current Biology, dizem que coletaram evidências suficientes que sugerem uma origem muito mais antiga.
“Em última análise, esta é uma história muito intrigante que subverte completamente a nossa compreensão da evolução desta linhagem”.
A pesquisa inclui uma análise genética das atuais espécies de percevejos que se alimentam de pássaros e morcegos de uma ampla variedade de subgrupos desse inseto, coletados ao longo de 15 anos de cavernas e museus, além de evidências fósseis de um inseto do tipo cimicida que foi preservado em âmbar há mais de 100 milhões de anos (sua descoberta foi documentada em 2002). Esse inseto fossilizado provavelmente não é o ancestral direto dos cimicidas atuais, mas sua relação genética próxima à família ajudou os autores a construírem uma linha do tempo para o inseto que daria origem ao percevejo.
Crédito: Mark Chappell/University of Cailfornia, Riverside
Com base nessas evidências, eles estimaram que esse inseto primitivo surgiu por volta de 122 milhões de anos atrás, com uma linhagem que levaria diretamente ao percevejo surgindo por volta de 100 milhões de anos atrás. Isso é muito anterior à origem estimada dos morcegos, e indica que eles já existiam no período Cretáceo.
Segundo Warren Booth, um ecologista molecular da University of Tulsa que estuda a evolução dos percevejos, mas não está afiliado a essa pesquisa, o caso dos pesquisadores é robusto. E, caso estejam certos, os percevejos seriam uma das maiores histórias de sucesso que esse planeta já viu.
“Para simplificar, o asteroide que atingiu a Terra levando à extinção em massa (conhecida como K-Pg) ocorreu cerca de 66 milhões de anos atrás. Então, os percevejos são mais antigos que isso e sobreviveram ao evento. Mas, voltando ainda mais no tempo, o T. rex surgiu por volta de 77 milhões de anos, ou seja, esses insetos já estavam aqui antes da evolução do T.rex”, afirmou Booth ao Gizmodo. “Para mim, essa é uma imagem marcante”.
Apesar de a ideia de um T.rex se contorcendo para coçar as picadas de percevejo ser engraçada, os dinossauros provavelmente nunca hospedaram esses insetos primitivos, observaram os autores. Mesmo se os dinossauros fossem endotérmicos (de sangue quente), assim como os hospedeiros do percevejo atual são, eles não teriam vivido ou dormido em um único lugar por muito tempo. Percevejos são horripilantes, claro, mas eles também se movem lentamente e precisam de um abrigo próximo às suas presas para sobreviverem.
Além de terem movido a linha de evolução do percevejo para um ponto inicial muito anterior, os autores afirmam que suas descobertas também podem derrubar outras suposições comuns sobre esse inseto.
Eles encontraram evidências, por exemplo, de que as espécies de percevejos raramente evoluíram de uma encarnação que infestou muitos tipos de animais para uma que se limita a um único hospedeiro. Falando em termos de evolução, imagina-se que parasitas tendem a trocar de uma variedade de hospedeiros para apenas um devido à maior eficiência de recursos. Mas isso não parece ser o caso dos percevejos. É mais comum que eles mudem de um hospedeiro para outro, como de pássaros para morcegos. Considerando que a maioria desses insetos hoje têm vítimas específicas, é improvável que isso tenha sido diferente no passado, afirmam os autores. Mas ainda não está claro qual animal teria sido se não eram morcegos.
“Há apenas especulações sobre qual poderia ter sido o hospedeiro, mas, na minha opinião, é algum tipo de pássaro arborícola (que vivem em árvores) primitivo, ou possivelmente um tipo de mamífero arborícola”, afirma Booth. “Será que algum dia saberemos qual era realmente esse hospedeiro ancestral? É provável que não, mas nós sabemos que é algo que viveu antes do T.rex, e isso é incrível”.
Os percevejos parasitas de humanos parecem ser uma exceção a essa regra geral, entretanto. De acordo com os autores, as três espécies que nos atacam evoluíram de percevejos que costumavam se alimentar de um único hospedeiro, mas hoje esses insetos ainda podem se alimentar do sangue de outros insetos (como morcegos) caso tenham uma oportunidade. Os resultados do estudo também contestam outra teoria sobre nossa história pessoal com os percevejos.
A espécie que se alimenta de sangue humano provavelmente se dividiu antes de os humanos modernos surgirem (algo em torno de 2 milhões de anos atrás). Em outras palavras, os insetos que hoje nos veem como jantar já existiam quando começamos a morar em cavernas e próximos a morcegos – eles apenas agarraram a oportunidade quando viram. Dito isso, embora esse percevejo de cama seja geneticamente similar a seus primos que ainda moram em cavernas ou sótãos e se alimentam principalmente de morcegos, e podem até serem cruzados em laboratório, os dois grupos estão lentamente se distanciando em seu processo de evolução.
“Em última análise, esta é uma história muito intrigante que subverte completamente a nossa compreensão da evolução desta linhagem”, afirmou ou Booth.
Mais do que qualquer coisa, as descobertas ressaltam o quão resiliente esses insetos têm sido. Mesmo a ingenuidade humana não foi capaz de acabar com o percevejo. Os pesticidas que desenvolvemos em meados do século 20 quase exterminaram eles, mas eles retornaram em escala global nas últimas décadas graças a mutações que os tornaram quase imunes a esses químicos.
Embora os autores digam que a pesquisa deve nos ajudar a aprender como gerenciar melhor essas pragas, é difícil imaginar que esses insetos não encontrarão uma maneira de se recuperar de qualquer coisa que jogarmos neles.
Afinal, se um asteroide que extinguiu dinossauros não foi capaz de parar seus ancestrais, que esperança nós temos?