Por trás do plano da Apple em acabar com o uso de minérios em seus produtos
Resumo: Há dois anos, a Apple informou que acabaria com o uso de minério em seus produtos. Consultamos, então, especialistas para mostrar as complexidades de se atingir este objetivo, o que a Apple tem feito e o que a empresa ainda precisa fazer para atingir tal marco.
Existem 118 elementos na tabela periódica. Um iPhone contém cerca de 75 deles.
Não temos um número exato porque a Apple não forneceria um, e é isso é o tema desta história. E enquanto alguns desses elementos, como o alumínio e o lítio, são conhecidos tanto no nome quanto na função, outros, como neodímio e gálio, são tão exóticos quanto as letras pequenas na parte inferior da lista de ingredientes de um jantar de microondas. A maravilha tecnológica dentro do seu bolso não existiria sem todos os ingredientes.
Mas a existência de dispositivos como o iPhone tem um preço. Todos os metais dentro de um iPhone – conhecido ou estranho, precioso ou comum – vêm de rochas que foram extraídas da Terra, muitas vezes, usando processos ambientalmente destrutivos e práticas trabalhistas eticamente duvidosas. Agora, a Apple espera mudar isso.
Dois anos atrás, a empresa anunciou que espera interromper a mineração da Terra “um dia”. Desde então, a Apple embarcou em uma guerra clandestina e multilateral contra o lixo, encontrando novas fontes de materiais em tudo, desde sobra de fabricação a dispositivos que pararam de funcionar. Apesar de anunciar periodicamente pequenos marcos — um robô que pode desmontar 200 iPhones por hora; um MacBook Air com uma cobertura de “100% de alumínio reciclado” –, a gigante de tecnologia lembra ao mundo que está progredindo em direção ao seu objetivo de um futuro livre de mineração.
Mas a verdade é que esse objetivo continua distante. Para uma empresa que vende mais de 200 milhões de smartphones por ano, junto com milhões de tablets e computadores, alcançar o que os especialistas em sustentabilidade chamam de “economia circular” representará uma reformulação completa de tudo, desde a maneira que os dispositivos da Apple são fabricados até o que fazemos com estes dispositivos no final de suas vidas. Isso exigirá que a Apple desenvolva ou facilite o desenvolvimento de novas tecnologias inovadoras de reciclagem. Talvez mais importante, a Apple terá que fazer escolhas de design e políticas que incentivem os consumidores a atualizar e consertar seus dispositivos antigos, em vez de jogá-los fora pelo modelo mais recente.
A questão é se esse é um futuro que a Apple realmente deseja – ou se os seus investidores permitirão.
Entendendo o problema
Josh Lepawsky, geógrafo da Universidade Memorial de Newfoundland, estuda a vida ambiental de nossos produtos eletrônicos. Ele descreve segurando um smartphone na mão como se estivesse segurando um mundo em miniatura.
Considere apenas alguns dos ingredientes de um iPhone e você começará a entender o porquê. O alumínio que as lendárias fresadoras da Apple entalham em invólucros cinzentos e robustos vem da bauxita, uma rocha sedimentar e enferrujada que penetra os solos através do cinturão tropical da Terra. O cobalto que serve como cátodo dentro da bateria de íon-lítio de um smartphone é extraído de pedras de xisto e arenito na economicamente empobrecida República Democrática do Congo, As terras raras – elementos com nomes que distorcem a língua e estranhos arranjos de elétrons que fazem as telas brilharem e dão força aos ímãs encontrados nos alto-falantes – vêm principalmente do interior da Mongólia e do sul da China. A lista continua: tungstênio, tântalo, cobre, estanho, ouro, prata, paládio e muito mais; uma verdadeira Nações Unidas de maravilhas geológicas que representam quase todos os continentes da Terra.
Antes que todos esses ingredientes possam ser unidos em um pequeno retângulo altamente funcional, eles devem ser extraídos de minérios usando mãos, pás e martelos, maquinaria pesada e explosivos. Esses minérios são então fundidos e refinados em metais com as propriedades desejáveis, antes de serem moldados, cortados, parafusados, colados e soldados em produtos que são colocados em embalagens e enviados para venda em todo o mundo. Cada passo neste processo de produção requer energia, e no nosso mundo movido a combustível fóssil, isso significa produzir dióxido de carbono que aquece o clima do ar. Posto isto, a Apple estima que 77% de sua pegada de carbono venha da fabricação. Isso não é incomum para a indústria.
Homem trabalhando em uma mina de Shinkolobwe, na República do Congo, em 2004. Crédito: AP Photo/Schalk van Zuydam
“A grande quantidade de resíduos de eletrônicos ocorre no processo de fabricação”, disse Lepawsky, observando que não são apenas as emissões de carbono que precisam ser consideradas, mas uma enorme quantidade de subprodutos tóxicos gerados durante a mineração e o refino dos metais.
Talvez não seja surpresa, portanto, que o esforço da Apple para acabar com a mineração tenha começado com o foco na redução de uma de suas maiores fontes de resíduos de fabricação – o alumínio. Minerar a bauxita e fundí-la para produzir o metal prateado é incrivelmente custoso energeticamente, e a Apple precisa de muito alumínio de alta qualidade para esculpir as coberturas “unibody” exclusivas que seus computadores usam. Outro problema é que o processo de fresagem que eles usam também gera muito dejeto.
Então, a Apple começou a coletar esse lixo, o derretendo e moldando novos pedaços de alumínio que podem ser usados para esculpir mais coberturas de gadgets.
Embora a Apple não diga exatamente quando começou a “reciclar” o alumínio dessa maneira, ele entrou nos relatórios ambientais da empresa em 2016. Em 2018, a Apple ficou boa o bastante em aproveitar sobras para criar linhas inteiras de produtos. O MacBook Air e o MacMini de 2018 são os primeiros produtos da Apple a serem produzidos com a cobertura de “100% de alumínio reciclado”, usando uma liga feita de “aparas de alumínio recapturadas que são retrabalhadas até o nível atômico”. O uso de menos alumínio em geral ajudou a reduzir a pegada de carbono dos dispositivos pela metade, segundo a Apple.
Os críticos são rápidos em apontar que a Apple está apresentando o que é essencialmente uma boa decisão de negócios como se fosse uma vitória para o meio ambiente.
“Sua abordagem de usinagem com máquinas de fresagem gasta quantidades incríveis de material, então eles precisariam reutilizar o metal ou não seria econômico”, disse Kyle Wiens, CEO da empresa de conserto de eletrônicos iFixit, em e-mail enviado ao Gizmodo, acrescentando que o alumínio foi o “alvo mais fácil” na promessa de 100% de reciclagem da Apple.
Wiens apontou que o derretimento de todas essas aparas de volta em novos tijolos de alumínio também requer energia; energia que talvez pudesse ser salva usando um processo de fabricação diferente para começo de conversa. A Apple disse ao Gizmodo que a energia usada para derreter e remoldar o alumínio da sucata é cerca de 5% do que é necessário para fundir o alumínio virgem.
Outros concordaram que a reciclagem de alumínio é dinheiro fácil. Christian Remy, pesquisador de interação humano-computador da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, chamou o metal de “o mais próximo possível do material reciclado perfeito”, acrescentando que, enquanto dependemos da energia dos combustíveis fósseis, a reciclagem “levanta outras preocupações”. Remy disse que a mudança para materiais alternativos pode causar um impacto muito maior nas emissões de carbono da Apple.
Vários especialistas do setor disseram que a Apple provavelmente já estava comprando alumínio reciclado no mercado antes de começar a fazer barulho sobre seus esforços de recuperação de sucata. Alex King, ex-diretor fundador do Critical Materials Institute (CMI), do Departamento de Energia dos EUA, disse ao Gizmodo que o alumínio produzido para venda nos EUA hoje é predominantemente sucata nova e velha. “É uma boa aposta se você comprar alumínio, uma grande quantidade [seja reciclado]”, disse ele. A Apple não quis comentar sobre essa afirmação.
Alguns entendidos do assunto tiveram uma visão mais otimista dos esforços da empresa para reduzir seus resíduos. Lepawsky disse que a Apple tentar tornar seu próprio processo de fabricação mais eficiente é “realmente significativo”.
“Isso significa que eles provavelmente estão trazendo de volta um volume de produção de material que é muito maior do que a reciclagem de pós-consumo”, disse ele. “Isso é bom”.
“Você quer começar onde você pode fazer alguma mudança efetiva”, Scott Vaughan, ex-presidente do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, afirmou ao Gizmodo. “Eu não veria isso como uma falha”.
Mas se você vê isso como um marketing inteligente, um verdadeiro impulso em direção à sustentabilidade, ou um pouco dos dois, uma coisa é clara: os restos do chão de fábrica não suportam as necessidades materiais da Apple. Para se aproximar de um futuro livre de mineração, a Apple precisa começar a trazer seus mortos de volta à vida.
Reciclagem complexa
Em uma fábrica em Austin, Texas, uma linha de braços robóticos de 9 metros de comprimento desmonta nove versões diferentes do iPhone. Daisy, o sistema de reciclagem de smartphones que a Apple anunciou ao mundo em abril passado, é sem dúvida a destilação perfeita do ambientalismo do Vale do Silício: uma inteligente resposta de engenharia para um problema muito complexo. Algo que é divertido de se ver, mas cujo valor ambiental é, aparentemente por definição, difícil de determinar. E no entanto, se a Apple leva a sério o fim da mineração, essa selva de braços robóticos e esteiras transportadoras parece uma parte central do plano da empresa.
Poucas pessoas fora da Apple viram Daisy de perto — a empresa tem uma segunda versão instalada na Holanda — mas a Apple diz que esses robôs podem desmontar 200 iPhones por hora. Enquanto os telefones são desmontados, seus componentes são direcionados para uma série de caixas, dependendo do material que a Apple espera recuperar.
A ideia é que cada uma dessas caixas represente um estoque de minério – capas ricas em alumínio; ímãs de terras raras; baterias de lítio-cobalto- que a Apple pode encontrar uma segunda vida, seja em um “loop curto”, onde o material volta direto à fabricação da empresa, ou em um “loop longo”, para um mercado de reciclagem.
Como exemplo de reciclagem de ciclo curto, a Apple disse ao Gizmodo que Daisy separa caixas de alumínio de outros metais e classifica o alumínio por grau, medidas que permitem que uma capa retorne diretamente à produção. Como uma prova de conceito do longo ciclo, a Apple envia placas lógicas de telefones coletados por Daisy para parceiros de reciclagem, que estão retirando o estanho – e em alguns casos, cobre e metais preciosos – e devolvendo ao mercado geral de reciclagem. A partir desse mercado, a Apple agora especifica 100% de estanho reciclado nas placas lógicas de vários modelos de iPhone e computadores.
Mas esse estanho representa uma pequena fração do material que Daisy coleta, e já existe um sistema de reciclagem estabelecido para a Apple seguir. O alumínio, como já foi dito, também é bastante reciclável. Porém, a questão do que acontece com alguns dos ingredientes mais incomuns em um iPhone permanece em aberto.
Pegue as terras raras. Hoje, menos de 1% desses metais são reciclados, devido ao duplo desafio de coletar produtos eletrônicos gastos o suficiente para fazer a reciclagem valer a pena – aparelhos individuais contêm quantidades extremamente pequenas deles – e a dificuldade de recuperar os metais.
Teoricamente, um robô de reciclagem que armazene rapidamente grandes quantidades de partes ricas em terras raras pode superar o primeiro desafio – se você sabe onde estão os ímãs de terras raras para recuperá-los, como Daisy pode fazer, você logo se encontrará sentado em uma pequena mina. A partir daí, uma opção é o ciclo curto: integrar partes ricas em terras raras diretamente em novos produtos. Mas a Apple está constantemente mexendo no design de seus produtos, o que pode exigir ajustes na receita do ímã da terra rara. Nesse caso, os metais podem ter que ser extraídos e passados através de um ciclo de reciclagem mais longo antes que possam ser reutilizados.
E quando se trata de extrair terras raras da tecnologia de uma forma que torna a reciclagem econômica, a química fundamental ainda precisa de muito trabalho, segundo o químico da Universidade da Pensilvânia Eric Schelter, cujo laboratório está focado nesse mesmo problema.
“A ciência e a engenharia não estão prontas para apoiar a Apple nesse objetivo sem ter um iPhone de US$ 5.000”, disse Schelter ao Gizmodo. Ele estava exagerando um pouco, mas o ponto é claro: um iPhone X novo atualmente custa entre US$ 450 e 700 nos EUA se você entregar um antigo na loja — no Brasil, a Apple não tem programas de troca.
Isso não quer dizer que a ciência não vai chegar lá. Vários consórcios de pesquisa estão trabalhando no desafio da reciclagem de terras raras, incluindo o Critical Materials Institute, que recentemente ganhou um prêmio R&D 100 por criar um método de recuperação que não envolve a produção de resíduos ácidos perigosos, algo que King chamou de uma “grande conquista”. (Também é um lembrete de que a reciclagem também pode ser um negócio sujo). Em seu último relatório ambiental, a Apple diz que está “investindo em novas tecnologias” para recuperar terras raras, mas se recusou a oferecer detalhes adicionais.
Há também o cobalto, um metal de alta prioridade para reciclagem, dado seu papel crítico nas baterias de íon de lítio. Sua demanda devem disparar à medida que o mercado de veículos elétricos e de energia limpa cresce. Assim como acontece com as terras raras, a reciclagem de baterias de íons de lítio está em sua infância, mas especialistas em metais raros vêem isso como uma área com muito potencial de crescimento. Novos esforços de reciclagem de baterias surgiram recentemente na Austrália, Estados Unidos e China, onde uma empresa de reciclagem já produz “mais cobalto do que as minas do país em um ano”, segundo um relatório recente do Fórum Econômico Mundial.
Semelhante ao alumínio, a Apple diz que está investigando a recuperação de sucata de bateria contendo cobalto, e que também está pensando sobre o que fazer com as baterias nos confins de suas vidas.
“Se eles [Apple] puderem encontrar uma maneira de reciclar baterias de uma maneira mais econômica, isso não ajudará a Apple, isso ajuda a todos”, disse David Abraham, membro sênior da New America ao Gizmodo, enfatizando que será necessário investir em ciência básica antes que se estabeleça uma infra-estrutura de reciclagem em escala industrial.
Jonathan Eckart, líder de projeto do Fórum Econômico Mundial, Global Battery Alliance lançado em 2017 para enfrentar os desafios de sustentabilidade em toda a indústria de baterias, destacou o simples ato de coletar dispositivos suficientes como um desafio importante para a reciclagem de baterias de smartphones. Assim como acontece com as terras raras, a Apple poderia potencialmente superar este desafio com iniciativas parecidas com Daisy – supondo que um número suficientemente grande de telefones mortos esteja chegando aos recicladores robóticos para a desmontagem.
O que leva à grande questão que está por trás de todos esses esquemas hipotéticos: quantos dispositivos a Daisy está realmente desmontando?
Nós simplesmente não sabemos. Enquanto a Apple tenha dito ao Gizmodo que as duas versões de Daisy estão “operando e desmontando telefones”, a empresa não informa quantos telefones os robôs processaram, nem quantos eles recebem de volta através de programas de troca de consumidores como o Apple GiveBack.
O que está claro é que os marcos de reciclagem que a Apple destaca tão intensamente representam apenas uma parte de seu consumo total de material, o que significa que tudo isso terá que ser ampliado enormemente para acabar com sua dependência de metais extraídos. O Popular Science relatou no ano passado que a Apple vai licenciar a tecnologia Daisy para outras pessoas. Quando isso acontecerá? A Apple estenderá o conceito de reciclagem robótica para outros tipos de dispositivos?
A Apple não revela. Quando perguntamos se tinha uma data em mente para fechar o ciclo em qualquer metal, a empresa simplesmente disse “o mais rápido possível”.
Será que as empresas querem mesmo mudar?
Em uma tarde fria de dezembro, Lisa Jackson, vice-presidente de Meio Ambiente, Política e Iniciativas Sociais da Apple, sentou-se frente um auditório lotado de cientistas ambientais e da Terra na AGU (American Geophysical Union) em Washington, DC. Ela tinha acabado de dar uma palestra sobre as iniciativas ambientais da empresa, e o então presidente da AGU, Eric Davidson, perguntava a ela sobre questões ambientais e de direitos humanos relacionadas à mineração.
Jackson elogiou o programa da Apple de auditoria da cadeia de suprimentos antes de dizer em voz alta o que quase nunca é comentado. “Uma das frustrações que temos é que você só pode fazer tanto para tentar descobrir a verdade se estiver trabalhando contra interesses monetários, como corrupção ou fraude, ou pressão política para o desenvolvimento econômico”, ela disse, antes de voltar a reciclagem como uma maneira de “interromper o sistema atual”.
A vice-presidente da Apple está certa ao dizer que pode ser impossível para uma empresa do tamanho deles acabar com todos os abusos em toda a cadeia de suprimentos. Mas a reciclagem não é uma solução perfeita. Extrair minério de eletroeletrônicos produz resíduos perigosos. Se feito sem supervisão adequada, pode expor os trabalhadores e suas famílias a uma série de substâncias tóxicas, de acordo com um relatório recente sobre lixo eletrônico. Esse relatório mostra que grande parte da reciclagem atual de lixo eletrônico é feita no mundo em desenvolvimento por trabalhadores “informais”, incluindo crianças.
Crédito: AP
“Só porque algo está sendo reciclado, não significa necessariamente que esteja automaticamente livre de conflitos”, disse Clare Church, pesquisadora do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, que está trabalhando em um documento que aborda possíveis abusos na cadeia de fornecimento da reciclagem.
Reciclar também requer energia, o que significa mais emissão de carbono que aquece o planeta, e hoje é basicamente impossível extrair todos os metais que vão na fabricação de um telefone. É com tudo isso em mente que os defensores da eletrônica sustentável descrevem a reciclagem como apenas o fim de um longo caminho. Os dispositivos devem ser construídos para durar o maior tempo possível antes de chegarem a esse ponto.
“A reciclagem é o último estágio de uma economia circular”, disse Laura Gerritsen, que trabalha na cadeia de valor da empresa social FairPhone, ao Gizmodo. “Antes disso, você tem o uso, a reutilização e reparo”.
A equipe ambiental da Apple está bem ciente disso, como os comentários de Jackson na AGU deixaram claro. “Também estamos realmente investido na ideia de que nossos produtos durar um longo tempo”, disse Jackson durante a palestra, acrescentando que upgrades gratuitos “podem fazer o seu iPhone atual parecer um modelo mais recente.”
E no entanto, de todas as frentes, o esforço da Apple em direção à eficiência do material é o que está menos alinhado com as palavras da empresa.
“Eles estão perdendo algumas maneiras óbvias de reduzir o consumo geral de recursos na maneira como projetam seus produtos”, disse Liz Jardim, ativista corporativa sênior do Greenpeace, ao Gizmodo.
A preferência da Apple por dispositivos elegantes e esguios cujas peças são soldadas e coladas antes de serem fixadas com parafusos patenteados transforma reparos básicos como trocar uma tela quebrada ou substituir uma bateria descarregada em uma dor de cabeça. Embora essas escolhas de design sejam impulsionadas em parte pelos consumidores – nossa demanda por telefones mais finos e resistentes à água levou a telefones que são mais difíceis de desmontar – a Apple não quer que mexamos no interior de seus produtos, como evidenciado pelo longo controle da empresa em não liberar o direito de reparar, o que permitiria que os consumidores levassem seus dispositivos para lojas independentes para atualizações e correções.
Essas mesmas escolhas de design também tornam difícil para qualquer pessoa que não tenha meia dúzia de braços robóticos, desmontar um iPhone quando ele finalmente atingir sua data de validade. Como o diretor executivo do Centro Nacional de Reciclagem de Eletrônicos, Jason Linnell, explicou ao Gizmodo, a maioria dos recicladores de lixo eletrônico dos EUA ainda está recebendo principalmente TVs monitores e outros dispositivos volumosos, anteriores aos smartphones. Muitos não são voltados para o trabalho de precisão necessário para desconstruir um telefone ou tablet, e dispositivos que são difíceis de desmontar pelo design – e que podem explodir durante o processo – podem simplesmente não valer a pena o tempo e o esforço.
Para a Apple, isso pode ser um recurso e não um erro: documentos obtidos pelo Motherboard em 2017 revelaram que a empresa exige que seus parceiros de reciclagem destruam iPhones e MacBooks para que seus componentes não possam ser reutilizados, reduzindo ainda mais o valor que os recicladores podem conseguir.
Quando questionada sobre essas políticas, a Apple nos indicou sites públicos detalhando seus serviços de reparo e o programa GiveBack. Questionada sobre como a empresa concilia suas escolhas de projeto e política em relação ao reparo com a necessidade de reduzir seu consumo geral de materiais para acabar com a mineração, a Apple nos enviou uma lista de declarações públicas de Jackson enfatizando o compromisso da empresa com produtos duradouros.
A Apple deu uma colher de chá para a comunidade de consertos nos últimos tempos. Seu MacBook Air 2018 inclui componentes mais modulares e fáceis de reparar, enquanto a RAM do MacMini é atualizável após a compra (com alguma dificuldade), ao contrário da versão de 2014 onde a RAM era soldada.
Mas mesmo pequenas concessões como essa podem ter um custo para a empresa, levantando a questão de até onde a Apple estará disposta a ir. Como o CEO Tim Cook revelou em uma carta aos investidores em janeiro, a decisão da Apple de cortar sua taxa de substituição de US$ 79 para US$ 29 em 2017 – um pedido de desculpas por estrangular os iPhones mais antigos – provavelmente contribuiu para bilhões de dólares de receita perdida da empresa no primeiro quarto de 2019. Em outras palavras, quando as pessoas mantêm seus dispositivos antigos por mais tempo, elas compram menos coisas novas.
E ainda isso é exatamente o tipo de coisa que precisa acontecer com mais frequência para que um futuro livre de mineração se materialize. “É difícil imaginar como uma empresa poderia atender às suas demandas de colocar novos produtos no mercado sem diminuir a produção total de seus produtos que chegam ao mercado”, disse Lepawsky.
Claro, a Apple é apenas uma peça de um quebra-cabeça muito maior. Nenhuma outra grande empresa de eletrônicos estabeleceu uma meta pública de acabar com a mineração, mesmo uma tão nebulosa quanto a da Apple. O Gizmodo contactou a HP, a Dell, a Lenovo, a Samsung e a Huawei para comentar se considerariam assumir esse compromisso. A partir da publicação, apenas a HP respondeu, com um link para o seu Relatório de Impacto Sustentável de 2017, que descreve suas iniciativas de reciclagem.
Em última análise, se a Apple pode, como Jackson diz, “atrapalhar” o atual sistema extrativista, dependerá se outros grandes jogadores da indústria eletrônica seguirem o exemplo. E isso pode depender da empresa que se consolida como uma líder do pensamento na eletrônica pessoal, demonstrar que o preço de seus produtos mais recentes não seja proibitivamente alto.
Remy, da Universidade de Aarhus (Dinamarca), está cautelosamente otimista. Ele disse que “absolutamente” acredita que está dentro do poder da Apple interromper a mineração se a empresa levar isso a sério. E não enxerga as metas de lucratividade e sustentabilidade como diametralmente opostas.
“Um telefone com uma bateria que dura mais tempo provavelmente venderia muito”, disse ele.