Em 2012, a artista Heather Dewey-Hagbord exibiu um trabalho que previa um futuro aterrorizante: ela extraiu o DNA de fios de cabelo descartados, chicletes e bitucas de cigarro e os usou para prever com o que estes desconhecidos anônimos se pareceriam. Os traços de nós mesmos que constantemente deixamos para traz, ela pensou, poderiam desencarregar uma era de vigilância biológica em que um mero fio de cabelo seria capaz de revelar a identidade e localização de alguém.
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Semana passada, a empresa de biotecnologia Human Longevity publicou um artigo afirmando já poder fazer isso. O trabalho iniciou uma guerra cientifica interna.
Human Longevity, liderada pelo renomado especialista em genômica J. Craig Venter, afirma poder criar um modelo muito próximo do seu rosto apenas observando o seu DNA. A Human Longevity trabalhou com exemplos de DNA que poderiam ser encontrados em uma bituca de cigarro – e usando técnicas de sequenciamento do genoma, fenotipagem e modelagem estatística, a empresa observou o DNA de 1.061 pessoas. Em 70% das vezes, o algoritmo da empresa pode identificar corretamente o dono do DNA em uma fileira de 20 fotografias de pessoas de etnias mixas.
Usando dados genômicos, o programa previu o formato do rosto, cor dos olhos, cor dos cabelos e até mesmo como a voz do indivíduo poderia soar. O artigo aponta as potenciais implicações legais e étnicas do trabalho. Se alguém pode realmente determinar sua aparência por uma amostra de DNA, isso significaria que nenhum teste de DNA seria completamente privado. Sem contar que a polícia poderia encontrar um suspeito com apenas uma gota de sangue.
As críticas sobre o artigo vieram de imediato. O cientista da Universidade Columbia e diretor executivo do site de genealogia MyHeritage.com, Yaniv Erlich, refutou o artigo, argumentando que o trabalho fez uso de métricas impróprias e que a técnica “não identifica ninguém de fato”. Erlich ainda replicou que a previsão do rosto dele, que Venter twettou anteriormente, mais se parecia com Bradley Cooper.
E muitos especialistas outros entraram na discussão. Céticos apontaram que o método dependia demais de traços como raça e sexo para criar rostos padrões, algo que já poderia ser feito com testes de DNA muito mais simples. Inclusive, quando o teste foi usado para prever a aparência de um homem branco europeu de uma seleção de 20 outros muito parecidos, ele acertava apenas 11% das vezes.
4/ For the record, I’m with @erlichya on this one. To show identification from DNA, you have to… you know, actually identify someone.
— Sten Linnarsson (@slinnarsson) September 12, 2017
O artigo de refutação inspirou uma refutação a refutação de Venter, que afirma não existirem “grandes falhas” em seu trabalho.
Vendo as imagens, é verdade que as previsões faciais lembram o rosto dos donos, mas elas não parecem precisas o bastante para saber distinguir alguém em um grupo de pessoas.
What my genome predicts I would look like in my 20s. Genetics and the face https://t.co/q7sQsQSU6O by me & @Ananyo @piper_jason @JCVenter pic.twitter.com/4JrMOdVNou
— Natasha Loder 🐋 (@natashaloder) September 7, 2017
Mas ainda assim, alguma empresas já aplicam ferramentas parecidas no mundo real. Uma companhia chamada Parabon Nano-Labs trabalha com a polícia há anos para ajudar a resolver casos prevendo a aparência física e ancestralidade de um individuo desconhecido por DNA. Essa tecnologia, no entanto, é mais ou menos como uma versão high-tech do retrato falado.
É provável que a visão de Venter seja inevitável. Algumas características observáveis, como a cor dos olhos, são chamadas de fenótipos, e fenótipos são em grande parte determinados por nosso DNA. O problema até o momento é que não sabemos muito bem como ler e interpretar toda essa informação. A ciência por traz dessa tecnologia precisa melhorar antes de poder identificar alguém no meio de um grupo apenas baseado em informações genéticas.
Então, ão vamos precisar nos preocupar com uma bituca de cigarro entregando o nosso disfarce, pelo menos por enquanto.