Jardineiros espaciais: as plantas e flores que cultivamos fora da Terra
A semana passada foi cheia de lições. Lição 1: nem sempre acredite nos astronautas. Lição 2: todo mundo ama flores. Lição 3: nós já cultivamos muitas plantas no espaço.
As primeiras zínias – flores na mesma família do girassol e da margarida – desabrocharam na semana passada dentro do experimento Veggie na Estação Espacial Internacional. Isso fez com que ficássemos fascinados com a beleza da flor, e deixou a internet em polvorosa sobre as possibilidades de criar jardins no espaço.
Mas cometemos um erro: confiamos no jardineiro espacial Scott Kelly quando ele disse que aquela era a primeira flor a crescer no espaço.
First ever flower grown in space makes its debut! #SpaceFlower #zinnia #YearInSpace pic.twitter.com/2uGYvwtLKr
— Scott Kelly (@StationCDRKelly) January 16, 2016
A impressionante imagem laranja acima foi a primeira flor cultivada por este astronauta, mas dificilmente foi a primeira a crescer no espaço. Nós, juntamente com Scott Kelly, ficamos bastante empolgados com a bela flor ter sobrevivido a condições tão adversas. Porém, não temos muita dó da NASA por ter autenticado o que o astronauta informou no Twitter.
2003: Flores cresceram no espaço uma década antes das zínias. Nem mesmo esta planta de ervilha foi a primeira! Crédito da imagem: NASA
Esta não foi a primeira flor a crescer no espaço, nem mesmo a primeira a desabrochar no programa espacial americano – foi a primeira zínia e o primeiro broto do experimento Veggie. Esta é uma boa desculpa para nos aprofundarmos na história das belas plantas que já foram cultivadas fora de nosso planeta.
Inverno de 1997: o ucraniano Leonid Kadenyuk com uma planta Brassica Rapa que cresceu durante 16 dias a bordo de um ônibus espacial. Crédito da imagem: NASA
Uma flor que fala
Há três anos, uma flor cresceu no espaço. O astronauta Don Pettit fez um experimento pessoal, com uma flor de abobrinha e um girassol. “Eu nasci neste mundo sem ninguém ter me consultado”, escreveu o astronauta da NASA, que fez um blog na perspectiva da zucchini (flor de abobrinha). “Eu sou utilitária, uma planta que consegue crescer em condições adversas. Eu sou zucchini — e estou no espaço.”
Fevereiro de 2012: flor de abobrinha espacial flutua durante missão. Crédito da imagem: NASA
No dia em que ela brotou, Pettit estava muito feliz com sua amiga botânica. Disse a flor de abobrinha na época:
“Um dos meus botões desabrochou. Surpreendentemente, ele não abriu de forma completa, e parece mais como uma guarda-chuva invertido que ficou preso no meio do caminho. Meus estames de formato esférico soltam uma essência irresistível. Meu jardineiro não disse isso aos seus companheiros e me mantém escondida.”
Pettit colocou a flor de abobrinha em frente à câmera durante uma chamada de vídeo para sua casa no Dia de São Valentim (Dia dos Namorados em vários países). Ele colocou a flor dentro de um mapa, e depois vedou o vegetal em um recipiente usando uma fita Kapton, com a promessa de trazê-la de volta.
Março de 2012: a flor de abobrinha espacial também desabrochou! Crédito da imagem: NASA
A flor de abobrinha proporcionou mais uma surpresa reservada para a tripulação, explicando por que ela seria inapropriada para um experimento de reprodução:
“Houve conversas muito animadas sobre meu florescimento hoje. Eles ficaram ansiosos em ver pequenas flores de abobrinha no espaço. Eu, infelizmente, não consegui dizer a eles um pequeno detalhe. Eu produzo dois tipos de flores: masculinas com estames, e femininas que produzem abobrinhas. Faço parte de uma tripulação com homens, e coincidiu de eu produzir apenas flores masculinas.”
2 – 4 de junho, 2012 – Girassol floresce em estação espacial. Crédito da imagem: NASA/Don Pettit
Como essas plantas faziam parte de um experimento pessoal, elas não foram esterilizadas. Isso fez que o girassol quase não florescesse, como foi especificado pelo blog da flor de abobrinha espacial:
“O girassol tem pétalas marrons. Suas folhas estão cobertas por manchas escuras e secas. Ele não está feliz. O jardineiro [Don Pettit] disse que parece um fungo. Tenho medo de que se não fizermos nada, nós vamos perder o girassol. O kit médico da tripulação é feito para animais, não plantas, então viver pode ser um sacrifício para vegetais.
O jardineiro está tratando o girassol com um lencinho umedecido com agente antibacteriano chamado BZK (cloreto de benzalcônio). Nós não sabemos se isso vai funcionar. Nossa nave é feita para animais, então a vida pode ser difícil para as plantas. Infelizmente, as respostas não são fáceis de se encontrar e, às vezes, você tem que se aventurar no desconhecido e improvisar.”
Junho de 2012: o astronauta Don Pettit cheira a flor de seu experimento pessoal em criar girassóis na estação espacial. Crédito da imagem: NASA
O tratamento funcionou, o que fez com que o astronauta postasse as primeiras fotos da flor no mês seguinte. Após um mês, ele relatou que o girassol estava em um novo estágio de vida:
O girassol começou a semear! As pétalas dele estão murchas e marrons com um pouco de sementes carregadas. Isso não é normal, mas como estamos vivendo perigosamente, as coisas são diferentes por aqui. Elas ainda não estão preparadas agora; fico me perguntando se elas estarão enquanto o jardineiro estiver por aqui.
21 de junho de 2012: o girassol cultivado pelo astronauta Don Pettit. Crédito da imagem: NASA/Don Pettit
Mas essa ainda não foi a primeira flor a crescer no espaço. Em setembro de 1993, jardineiros da NASA enviaram uma planta Arabidopsis thaliana germinada para órbita em um ônibus espacial, durante uma missão de dez dias (STS-51). As flores cresceram e desabrocharam, permitindo que os cientistas comparassem o tamanho delas durante a evolução, analisassem a viabilidade do pólen e mudanças em plantas mais maduras. Eles enviaram a mesma família de plantas novamente em 2001 fazendo um experimento completo de semeadura.
2001: Fim de vida de uma Arabidopsis thaliana. Como você pode ver, elas não eram exatamente bonitas. Crédito da imagem: University of Wisconsin-Madison
Os primeiros jardineiros espaciais
Mas aquelas pequenas ervas daninhas espigosas também não foram as primeiras flores espaciais. Como, geralmente, ocorre nessa área, a União Soviética liderou iniciativas nesse sentido.
Os cosmonautas soviéticos Viktor Patsayev e Vladislav Volkov ganharam o título de primeiros jardineiros espaciais por cuidar de plantas de linho em 1971 na Salyut 1, uma das primeiras estações espaciais.
Agosto de 2011: cosmonauta Sergei Volkov observa suas plantas na estação espacial. Crédito: NASA
A dupla foi a primeira a escrever sobre os benefícios psicológicos da jardinagem. Patsayev, inclusive, dizendo que elas eram como “nossos bichos de estimação”. Volkov se mostrou ainda mais apaixonado pela atividade, ao dizer que “elas [as plantas] eram nosso amor”.
Setembro de 1996: astronauta Shannon Lucid admira a plantação de trigo na MIR. Crédito da imagem: NASA
Tripulantes posteriores da Salyut 6 fizeram experimentos com diferentes plantas e com distintos sistemas de irrigação. Um dos membros ficou tão apaixonado pelas cebolas que cultivou no espaço que, repetidamente, perguntava a uma botânica na Terra se estava cuidando corretamente da pequena plantação. “Mantenha as quatro melhores cebolas para o experimento e use as outras como você quiser”, ela disse. O cosmonauta Alexander Ivanchenkov disse “obrigado, estou vendo isso” antes de comê-las. Ainda assim, eles não conseguiram com sucesso um processo de plantação completo – começar com uma semente, desenvolvê-la em planta e gerar mais sementes.
Março de 2003: como fazer uma planta crescer no espaço? Colocando um papel de parede com fotos de outras plantas para encoraja-las! Crédito da imagem: NASA
Não era culpa dos cosmonautas o problema de as plantas não crescerem – era um problema da estação espacial. A Salyut 6 não purificava o ar, o que impedia o florescimento. Na nova estação espacial Salyut 7, em 1982, eles instalaram três estufas, sendo uma com um filtro de ar antibacteriano. O cosmonauta Valentin Lebedev admitiu ter falhado nos mesmos hábitos de irrigação em excesso dos outros astronautas. “Eu as rego regularmente”, escreveu. “Eu as arruinei, sou muito generoso com água.”
Maio de 2010: astronauta T.J. Creamer verificando plantas na estação espacial. Crédito da imagem: NASA
Em agosto, o seu diário tinha registros felizes e que seus abusos valeram a pena. “Uhul! Apareceu uma muda: ela dividiu as sementes!”, celebrou. Ao conseguir fazer um grupo de Arabidopsis crescer e até produzir mudas em microgravidade, Lebedev se tornou o primeiro jardineiro em cultivar uma semente pelo processo de germinação que se transformou em uma planta que também produz sementes.
Ou seja, as primeiras plantas a florescerem no espaço foram cultivadas três décadas antes da declaração de Scott Kelly.
Março de 2003: semente de ervilha cresce na estação espacial. Crédito da imagem: NASA
Após essa vitória histórica, a onda de especialistas em jardinagem espacial da União Soviética levou um grande golpe, pois alguns módulos e vasos foram perdidos durante a volta. As estufas na estação espacial Mir foram um retrocesso na tecnologia. Mas foi aí que começou a colaboração internacional: astronautas americanos e cosmonautas da antiga União Soviética cultivaram plantas a partir de sementes, replantando-as para as primeiras culturas multigeracionais.
Astronauta Peggy Wilson verifica o crescimento de grãos de soja no espaço. Crédito da imagem: NASA
Rapidamente, eles passaram do trigo para verduras, com o objetivo de criar um jardim com hortaliças em vez de matéria-prima para fazer um pão. Os astronautas se tornaram mais qualificados na técnica, discutindo com botânicos na Terra sobre a melhor forma de cuidar das plantas.
Em pouco tempo, eles começaram a criar uma plantação de Brassica rapa (mostarda do campo). A NASA nunca esclareceu se a jardineira espacial Peggy Whitson as comeu. Porém, em uma fotografia é possível ver os cosmonautas aproveitando o fruto do trabalho deles.
Novembro de 2013: broto de girassol. Crédito da imagem: NASA
Os benefícios da botânica
É comum que os astronautas mostrem um forte elo com suas plantas. Passar tempo com elas no espaço não era um sacrifício, e sim algo recompensador. Voltando à flor de abobrinha, nós aprendemos que os astronautas estavam, inclusive, mais dispostos a fazer tarefas desagradáveis enquanto tinham uma plantinha para cuidar. “Eu me tornei popular”, escreveu a flor de abobrinha através de Pettit. “Ouvi um dos meus cuidadores dizer que ele limparia os filtros HEP para o meu jardineiro para ele ficar mais 5 minutos próximo de mim.”
Agosto de 2010: astronauta Kiell Lindgren mostra folhas de alface um pouco antes de comê-las com seus companheiros de tripulação. Crédito da imagem: NASA TV
Esses incentivos foram notados em cada pequeno indício de que algo estava germinando na microgravidade. Embora pesquisas anteriores tenham sido conduzidas por botânicos, os experimentos atuais servem também para investigar o impacto psicológico dos astronautas em cultivar um jardim. “Quanto mais distante e mais longe o humano for da Terra, maior a necessidade de ele criar plantas para comer, pois isso ajuda a ‘reciclar’ a atmosfera e pelos benefícios psicológicos”, disse Gioia Massa, chefe do time de ciência da Veggie, da NASA, em um comunicado à imprensa.
Junho de 2007: cosmonauta Fyodor Yurchikhin ficou feliz com sua pequena plantação de alho. Crédito da imagem: NASA
Se vamos mandar humanos para explorar o espaço profundo, indo além da Lua e de Marte, precisaremos treinar mais jardineiros espaciais. “Não vejo futuras equipes espaciais deixando a Terra por longo tempo sem ter a habilidade de cultivar sua própria comida”, explica o engenheiro Shane Topham em um comunicado da NASA. “O conhecimento que estamos adquirindo permite que a gente estenda nossa exploração e possibilite a futura colonização do espaço.”
Março de 2003: gotas d’água ficam intensas na microgravidade. Crédito da imagem: NASA
Bom, aqui estão a mostarda do campo, os girassóis, o alface, e sim, as zínias também. Que vocês cresçam fortes, pequenas plantas, e possam prosperar e florescer. Que se reproduzam e possam ser comidas por nossos astronautas. Preparem o caminho para que a gente possa explorar as estrelas.
Conceito artístico de sistema de horta de vegetais em Marte. Crédito da imagem: NASA
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Imagem do topo: as primeiras zínias. Crédito: NASA/Scott Kelly.