Entrevista: Renato Degiovani, o primeiro desenvolvedor brasileiro de jogos
por Thiago Simões
Provavelmente, se você trombasse na rua com um grisalho de mais de 50 anos, não diria que ele é um protagonista da história dos games no País.
Pois bem, Renato Degiovani, 58, nascido em Orlândia – SP, resolveu fazer seu primeiro jogo no início da década de 1980. Aventuras na Selva, do gênero adventure tem como pano de fundo nada mais, nada menos do que a selva amazônica. Foram meses de trabalho para que tudo ficasse perfeito.
“Durante os testes, as pessoas se perdiam com muita facilidade na mata, então, eu tive que ir colocando umas referências para que ficasse mais fácil a localização delas. O sistema de controle de aventuras, mais o jogo em si, demoraram uns oito meses para ficarem prontos”.
Atualmente, você encontra quase tudo na internet. Basta dar uma procurada e absorver todo o conhecimento. Imagine então na década de 1980, quando o grande presente para os futuros filhos era uma enciclopédia da Barsa. Imagine como era, então, produzir jogo, em um país latino-americano.
“O pior era a falta de informação, tanto sobre programação, quanto sobre os equipamentos. Não era fácil encontrar literatura técnica e apenas revistas como a Micro Sistemas publicavam matérias que ajudavam a compreender o funcionamento das máquinas”.
O jogo pirata
Com quase 35 anos no mercado, Renato Degiovani prestou também serviço para o jornalismo, quando trabalhava na revista Micro Sistemas, na década de 1980. Foi nela que aconteceu uma das histórias mais curiosas de sua vida profissional.
Degiovani publicou a carta de um leitor alegando que tinha comprado uma demo de um jogo dele e que era pirata. Depois da publicação, a empresa que vendeu o jogo ao garoto enviou um advogado para conversar com Degiovani.
“O advogado alegou que a pirataria, por vender mais barato do que o original, prestava um serviço de relevância pública para aqueles que não podiam pagar o preço cheio. No fim da conversa, ele até pediu desculpas por ter me procurado e disse que nem sabia que piratear software era uma coisa ilegal”.
Mercado brasileiro
Além de ser o primeiro desenvolvedor brasileiro, Renato possui opiniões contundentes frente à indústria de jogos do Brasil. Uma posição bem diferente da maioria dos outros desenvolvedores e do que muitos leitores possuem.
Segundo Degiovani, deveríamos explorar a riqueza existente na nossa cultura e, principalmente, em jogos voltados à língua portuguesa.
“Se você focar o mercado de língua portuguesa (que incluiria também Portugal) de uma forma eficiente, com certeza, poderia fazer apenas games no nosso idioma. Seria um mercado menor, evidentemente, então seria necessário um planejamento bem mais elaborado do que simplesmente copiar um modelo ou estilo”.
Degiovani vai mais longe: “não podemos ficar apenas na reprodução dos modelos mais aceitos ou modismos. Precisamos inovar em termos de narrativa, de estrutura funcional, de posicionamento no mercado e, principalmente, em mecânicas”.
O desenvolvedor também encontra outros problemas nos cursos de formação de profissionais e na postura do governo frente aos games. Segundo ele, “ainda falta a muitos deles (dos cursos) uma aproximação maior com o mercado. Eles servem para um iniciante ou para quem não tem formação alguma, mas o desenvolvimento pleno de games depende exclusivamente de o desenvolvedor ir buscar a informação que ele necessita, e não apenas esperar que encontre tudo num curso”.
Sobre o governo, ele é contundente. Acredita que o melhor, no momento, seria um afastamento dele nas ações existentes: “o governo ajudaria e muito o mercado se ficasse de fora, sem se meter nas questões críticas do setor de desenvolvimento. Se não fizer absolutamente nada, o governo já estará ajudando muito”.
Porém, Degiovani vê uma luz no fim do túnel. Disse que o momento de produção é muito favorável e que a qualidade dos jogos não para de crescer, com títulos como Toren, Ubermosh, Chroma Squad, Horizon Chase, Aritana e Cangaço. E ainda dá uma dica aos novos criadores: “eu me dedicaria a produzir apenas jogos para o mercado brasileiro, considerado o grande filão que não está sendo explorado hoje em dia”.
Viver de games
Fã assumido de Spider, Duke Nukem 3D, Combat Flight Simulator, Grand Prix e do nacional Ubermosh, Degiovani acredita que é possível viver de games no Brasil, mesmo diante da crise financeira que o País vive. Mas elucida um pensamento comum dos desenvolvedores: muitos deles acreditam que para ter a vida tranquila precisam criar uma superprodução.
“As últimas pesquisas indicam que existem, hoje, cerca de 200 empresas de games no Brasil, fora os grupos e autores independentes. Logo, a resposta para essa pergunta é sim (sobre viver de games no Brasil). O que a maioria das pessoas não percebe é que “viver” de jogos não implica unicamente ter um grande sucesso ou produzir um jogo AAA”.
Apesar de ter lançado seu primeiro game há quase 35 anos, Degiovani possui ao longo dos anos outras criações, como Serra Pelada, Angra-I e o Mensalão, jogo baseado no escândalo político. O programador possui um site, o TILT ONLINE, onde é possível encontrar o Projeto Zeus, uma ferramenta que permite a criação de adventures de forma comunitária.
E não pense que ele quer parar. Desde 2010, ele desenvolve um sistema para micro aventuras interativas e, em especial, para dispositivos móveis. “Considero esse modelo uma evolução natural dos tradicionais adventures de texto, que tanto sucesso fizeram nos anos 1980”.
Renato quer continuar fazendo jogos, pesquisar modelos inéditos e direcionados ao mercado brasileiro, como também torce para que as produções nacionais ganhem mais força.
“Minha grande preocupação é que não temos uma plataforma nacional que concentre a nata da produção brasileira e isso dilui muito as informações sobre os nossos jogos. Nos anos 1980 e 1990, as revistas de informática serviam para isso, mas, a internet pulverizou tanto essa informação que hoje o grande público consumidor nem sabe o que anda sendo feito por aqui”.
Thiago Simões é comentarista de futebol e hóquei no gelo na ESPN, e toda semana ele falará de games em sua coluna para o Gizmodo Brasil. Siga o Thiago no Twitter.