Não é só Snowden: jornalista que revelou espionagem americana sofre intimidação
As revelações sobre a espionagem dos EUA no mundo ocorreram graças a documentos vazados por Edward Snowden. Mas ele não é o único envolvido na história: a maioria das reportagens que expõem PRISM, Fairview e outros tiveram autoria ou coautoria do jornalista Glenn Greenwald.
Até então, o foco estava em Snowden e sua fuga das autoridades americanas. Mas agora, o jornalista também é alvo de intimidação: seu companheiro David Miranda ficou detido por nove horas em um aeroporto de Londres, com base em uma lei antiterrorismo. O motivo: a polícia quis questioná-lo sobre as reportagens de Greenwald que tratam de espionagem – elas também expõem o Reino Unido.
O americano Glenn Greenwald, 46, é um ex-advogado formado pela New York University, que desde 2005 atua no jornalismo. Ele trabalha atualmente para o jornal Guardian, onde revelou que a agência de espionagem britânica GCHQ (Escritório de Comunicações Governamental) monitora e-mails e chamadas telefônicas em escala global, interceptando cabos de fibra óptica e trabalhando com parceiros no mundo todo.
Ele também foi coautor de reportagens n’O Globo, onde revelou que o Brasil é alvo prioritário do órgão americano NSA (Agência de Segurança Nacional). O jornalista mora no Rio com o brasileiro David Miranda, 28.
Intimidação
Na semana passada, Miranda (acima) viajou para Berlim, onde ficou com a cineasta americana Laura Poitras. No início de junho, ela e Greenwald receberam de Edward Snowden seus documentos vazados. O brasileiro estava levando alguns deles para Laura, e trazia, em um arquivo criptografado, outras informações vazadas por Snowden. A viagem foi paga pelo Guardian.
Ao voltar para o Brasil, ele fez escala no aeroporto de Heathrow, em Londres. Aí começou a intimidação.
De acordo com Greenwald, ele foi detido pela manhã com base no Ato Antiterrorismo de 2000. A lei foi criada para conter movimentos separatistas na Irlanda do Norte, mas possui regras vagas que dão muito poder à polícia (inclusive de deter manifestantes!) mesmo quando não há suspeita de terrorismo. E não é fácil se desvencilhar da polícia:
O oficial de segurança me disse que eles tinham o direito de detê-lo por até 9 horas a fim de interrogá-lo, e depois poderiam ou prendê-lo e acusá-lo, ou pedir a um tribunal para estender o tempo de questionamento. O funcionário… disse que David não estava autorizado a ter um advogado presente, nem eles permitiriam a mim falar com ele.
Em geral, esses interrogatórios são raros: segundo o governo britânico, menos de 0,03% das pessoas que cruzam a fronteira do Reino Unido são examinadas; e quando isso acontece, quase sempre dura menos de uma hora. Então Miranda era, certamente, uma exceção.
Mas qual era a suspeita de terrorismo? Aparentemente, nenhuma. Greenwald diz que “eles passaram o tempo todo interrogando-o quanto às reportagens sobre a NSA que Laura Poitras, o Guardian e eu estamos fazendo”. Era, basicamente, uma tentativa de intimidação.
Miranda foi solto após 8 horas e 55 minutos de interrogação – o máximo permitido por lei são 9 horas – e teve alguns de seus bens confiscados, “incluindo seu laptop, celular, vários consoles de videogame, DVDs, pendrives USB e outros”. A polícia não disse quando (ou se) vai devolvê-los.
David Miranda voltou ao Brasil nesta segunda-feira de manhã.
Reação
O governo brasileiro foi rápido em seu posicionamento: na noite de ontem, o Ministério das Relações Exteriores divulgou nota condenando o ocorrido. Para o Itamaraty, a detenção foi “injustificável” e espera que isso não se repita:
O Governo brasileiro manifesta grave preocupação com o episódio ocorrido no dia de hoje em Londres, onde cidadão brasileiro foi retido e mantido incomunicável no aeroporto de Heathrow por período de 9 horas, em ação baseada na legislação britânica de combate ao terrorismo. Trata-se de medida injustificável por envolver indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso de referida legislação. O Governo brasileiro espera que incidentes como o registrado hoje com o cidadão brasileiro não se repitam.
Após as revelações de que o Brasil é alvo prioritário para a espionagem americana, o governo brasileiro cobrou explicações dos EUA e pressionou pela aprovação do Marco Civil da Internet. No entanto, o projeto de lei recebeu o ponto polêmico de obrigar empresas a instalar data centers no Brasil para armazenar dados pessoais dos usuários. Após diversos atrasos, o projeto deve ser votado ainda este mês.
A Anistia Internacional também condenou o ocorrido: “A detenção de David é ilegal e indesculpável. Ele foi detido sob uma lei que viola qualquer princípio de equidade e sua prisão mostra como a lei pode ser abusiva por razões mesquinhas e vingativas”.
O gabinete-sombra do Ministério do Interior, responsável por analisar as ações do governo britânico, também reagiu: “quaisquer sugestões de abuso nos poderes antiterrorismo devem ser investigadas e esclarecidas de forma urgente”, diz Yvette Cooper. O gabinete do primeiro-ministro, no entanto, disse que não iria comentar o caso por ser responsabilidade da polícia.
O governo britânico já cogita modificar o Terrorist Act 2000 para evitar abusos como o acontecido hoje. O conselheiro real David Anderson, responsável por revisar a legislação antiterrorismo, diz à BBC que é preciso adicionar mais salvaguardas à lei, para garantir que apenas suspeitos de terrorismo sejam detidos.
Glenn Greenwald, por sua vez, diz que “se os governos do Reino Unido e EUA acreditam que táticas como esta vão nos impedir ou intimidar de alguma forma… isto terá apenas o efeito oposto: nos encorajar ainda mais”. À Rede Globo, ele afirma que vai “publicar muito mais documentos do que antes”, principalmente sobre a Inglaterra: “acho que eles vão se arrepender do que fizeram”.
[Glenn Greenwald via BBC; Fantástico; Guardian]
Imagem: Reprodução/Globo