[Review] jOBS cria retrato fiel de Steve Jobs, mas não convence como filme

“Algo precisa mudar”. Durante as duas horas de “jOBS”, a cinebiografia do cofundador da Apple, Steve Jobs, o jovem empreendedor ouve isso duas vezes: a necessidade de mudança. Enquanto os interlocutores omitem o alvo – eles querem que quem mude é Steve, e consequentemente, o mercado da Apple – ele parece ouvir outra coisa: grandes […]

“Algo precisa mudar”. Durante as duas horas de “jOBS”, a cinebiografia do cofundador da Apple, Steve Jobs, o jovem empreendedor ouve isso duas vezes: a necessidade de mudança. Enquanto os interlocutores omitem o alvo – eles querem que quem mude é Steve, e consequentemente, o mercado da Apple – ele parece ouvir outra coisa: grandes mudanças precisam acontecer.

É nas mudanças e na construção do caráter de Steve Jobs que o filme se ancora. E nesse sentido, ele se sai muito bem: a juventude de Jobs é retratada da forma necessária para entender o tamanho de sua importância para os últimos 30 anos de evolução tecnológica. Ao misturar bem as viagens paralelas de Jobs – as aulas de caligrafia, a viagem à Índia e ao mundo do LSD, a descrença na universidade – o filme retrata bem o impacto que ele teve num Vale do Silício pronto para uma revolução tecnológica, mas extremamente centrado em seus engenheiros, micreiros e montadores de garagem que não conseguiam expandir seus horizontes.

A fase jovem de Jobs, inclusive, é a melhor parte do filme. Nela, Ashton Kutcher consegue desenvolver muito bem o difícil personagem, e desde o início é capaz de mostrar todos os seus adjetivos marcantes: obsessivo, intenso, desequilibrado em diversos momentos e com sérios desvios de caráter em outros. O desespero de Jobs com um programador preguiçoso em seus tempos de Atari faz um bom recorte do que seria o futuro de todos que trabalhassem ao lado dele. Assim como a passada de perna que ele dá em Steve Wozniak – que o ajuda a fazer um bico que valia US$ 5 mil e recebe apenas US$ 350 – desenha o personagem disposto a tomar qualquer tipo de atitude para bancar seus sonhos malucos, que beiravam o impossível. Pontos para o roteiro que não escolhe o caminho clássico e batido de louvar o biografado, escondendo suas falhas humanas – já que somos, assim, todos humanos.

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Jobs e Woz produzindo os primeiros computadores da Apple: apesar de grandes amigos, ambos eram como nêmesis na forma de pensar no futuro

A fase dos anos 70 da Apple é empolgante, e assim segue o filme. Mas com o início do uso das gravatas, das grandes salas e dos carros mais caros da época, os anos 80 da Apple são retratados de forma nada empolgante. O miolo do filme, que explica as brigas que Jobs começou a ter com os acionistas da Apple, é completamente insosso. Mesmo com tantas histórias interessantes, como a contratação de John Sculley, à época à frente da Pepsi, se tornam enfadonhas. A trilha sonora extremamente apelativa e com ares de Sessão da Tarde ajuda, e muito, para que o filme perca seu fio e não consiga mais costurar as boas histórias.

Paralelamente ao cansativo caos da Apple nos anos 80, o filme trata em algumas cenas pontuais a relação entre Jobs e a filha Lisa Brennan-Jobs, que ele relutou em reconhecer durante anos. Após a expulsão da Apple no fim dos anos 80, a personagem da filha surge como uma forma de mostrar que, ao ficar longe da Apple, Jobs teria passado a se preocupar mais com os humanos ao seu redor. Do adeus de Woz à ligação enfurecida para Bill Gates, o filme constrói e depois desmonta o Jobs furioso, desequilibrado e sem limites.

Com o desenho formado para mostrar o Jobs mais disposto a ouvir, ele retorna à empresa em 1997, mas ainda assim praticando suas vinganças pontuais com aqueles que o derrubaram no passado. O filme consegue fazer com que não tenhamos dó de nenhum momento em que Jobs é punido – mais do que achar que “ele merecia”, é fácil pensar que todas essas dores foram necessárias para ele chegar a algum lugar. Em seu retorno, o lado mais humano surge em sua relação com Jonhatan Ive, o jovem inglês que ainda acredita na Apple, mesmo a empresa não sendo mais o que era no passado. Ive é retratado como a figura sonhadora, o Jobs de outrora, e um dos motivos para que ele, enfim, retorne à empresa como CEO.

No início do filme, ao flertar com o budismo, um guru discursa sobre a inevitabilidade da morte e de como isso deve mudar nossa relação com o mundo. O Jobs retratado no filme, aquele que cansamos de ver em apresentações durante seus últimos anos, parecia levar esta premissa ao extremo: pouco importavam os empecilhos e reveses, desde que ele conseguisse, enfim, emplacar sua visão maior sobre suas obsessões – tecnologia, interação humana, música. Pouco importava não dar parte das ações da empresa a aqueles que o ajudaram a erguê-la, desde que o propósito disso fosse a conclusão de seus planos. Jobs foi assim e conseguiu, sim, completar grande parte de suas megalomanias. Mas ele é a prova de que a megalomania por si só não se sustenta – ela requer um projeto claro, bem estudado, obsessivamente desenvolvido e cuidado.

Apesar de conseguir passar esta imagem de um personagem tão complexo, é difícil afirmar que “jOBS” é um bom filme. Tratar com clareza o personagem não é o bastante para sustentar um filme. E a dificuldade em segurar o roteiro e a péssima trilha sonora fazem com que recomendemos o filme apenas como uma viagem histórica, cheia de personagens que vocês, leitores da casa, reconhecerão. Ir com este pensamento em mente ajudará na compreensão. “jOBS” tem estreia prevista para o dia 6 de setembro no Brasil.

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