São Paulo registra aumento significativo de saguis “vira-latas” em áreas metropolitanas

Número de animais se tornou 7 vezes maior nos últimos dez anos. Criação de saguis em casa e devolução à natureza pode criar animais híbridos, desequilibrando o ambiente
São Paulo registra aumento de saguis “vira-latas” em áreas metropolitanas
Imagem: Gabriela Rocco/SVMA/Reprodução

No último ano, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) registrou um aumento considerável da presença de saguis em áreas urbanas da cidade. O fenômeno foi notado pelo número de primatas recebidos na Divisão da Fauna Silvestre (DFS), que atua no resgate da vida selvagem. Só em 2022, foram 147 atendimentos. Em 2012, eram apenas 20.

O mais comum é que a população procure as autoridades para relatar o avistamento de animais acidentados, seja por choque elétrico, atropelamento, ataques de animais domésticos ou filhotes que caíram das mães e sofreram algum tipo de fratura, por exemplo. Mas não é só.

São Paulo registra aumento de saguis “vira-latas” em áreas metropolitanas

Apenas os saguis de espécie definida podem retornar para a natureza. Imagem: Gabriela Rocco/SVMA/Reprodução

“Há também muitos casos de animais que são abandonados ou criados de forma imprópria nas residências e são entregues debilitados ou com alterações na estrutura dos ossos”, explica Juliana Summa, diretora da Divisão da Fauna Silvestre da SVMA, em entrevista ao Giz Brasil.

Summa cita ainda os saguis que são adquiridos ilegalmente e apreendidos com moradores. Em ambos os casos, o animal costuma ser entregue pelo “ex-dono” ou pela GCM Ambiental, PM Ambiental, Polícia Civil, entre outras.

A DFS recebe com maior frequência animais de Santo Amaro, Chácara Santo Antônio e Morumbi. A bióloga não confirma o que leva a ter mais saguis nestas regiões, mas sugere o ambiente arborizado e a maior oferta de alimentos. 

Maior número de saguis

O aumento da população de saguis nas regiões metropolitanas pode ser explicado pela destruição dos habitats das espécies. Sem florestas, os primatas acabam são obrigados a tentar a sobrevivência nas cidades. 

Mônica Montenegro, analista ambiental do ICMBio e pesquisadora no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, explicou que os calitriquídeos (grupo ao qual pertencem os saguis) têm uma certa capacidade adaptativa devido ao seu porte, dieta mais generalista e comportamento reprodutivos.

Segundo a cientista, uma fêmea pode gerar até 4 filhotes (2 partos de gêmeos) por ano. Outros indivíduos do grupo auxiliam na criação dos recém-nascidos, o que permite o sucesso do animal. 

Essa, claro, não é a única explicação. A alimentação inadequada fornecida por pessoas, por exemplo, também proporciona a manutenção das espécies, além da criação de primatas como pets. Sua eventual devolução à natureza, no entanto, costuma ser problemática.

Indivíduos híbridos 

Como exemplifica Mônica, “é muito comum as pessoas soltarem os animais que criam quando eles começam a dar problemas (mordem alguém, ficam doentes, estragam coisas dentro de casa), ou porque simplesmente decidem que eles devem ‘retornar à natureza’”.

Isso tem consequências: a espécie originalmente encontrada em São Paulo é a Callithrix aurita (sagui-caveirinha). Porém, a destruição de florestas permitiu que a espécie Callithrix penicillata (sagui-de-tufos-pretos), originalmente presente no oeste do estado, avançasse sobre a área de seu primo. É o que cientistas chamam de “hibridização”.

Outras espécies oriundas do tráfico, como a Callithrix jacchus (sagui-do-nordeste), acabaram se juntando nesse balaio. Logo, todos estavam se reproduzindo e gerando indivíduos híbridos.  

“Em termos ecológicos, tanto o sagui-de-tufos-pretos quanto o sagui-do-nordeste são mais resilientes e ‘adaptáveis’ a novos ambientes que o sagui-caveirinha. Em relação à alimentação, por exemplo, essas duas espécies tem um alto percentual de uso de seiva ou goma (exsudatos) de árvores em sua dieta, enquanto o sagui-caveirinha é mais dependente de frutos e invertebrados, por exemplo”, diz Mônica.  

São Paulo registra aumento de saguis “vira-latas” em áreas metropolitanas

Saguis-de-tufos-pretos, comuns do oeste de São Paulo, interagem sobre galho. Imagem: SVMA/Reprodução

Além disso, o sagui-caveirinha prefere florestas de grandes altitudes, enquanto os outros dois vivem em uma diversidade maior de ambientes. Como resultado, as espécies consideradas “invasoras” têm mais chances de sobreviver, reproduzir e ocupar espaços que a espécie nativa. 

Os indivíduos híbridos acabam se reproduzindo e se tornando maioria. Diferente daqueles com espécie definida, os saguis “vira-latas” não podem ser devolvidos para a natureza e acabam sendo enviados para cativeiros.

“Eles permanecem no CeMaCAS (Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres) até surgir um cativeiro que os aceite (empreendimento autorizado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística – SEMIL e Ibama) ou até o fim da vida”, diz Juliana Summa.

Riscos do aumento de saguis

Vale deixar claro que a presença dos animais nos centros urbanos é pior para eles — sobretudo se considerarmos o fator doenças. O vírus da herpes humana, presente de forma inativa ou incubada em boa parte da população, é fatal para os saguis. 

O primata, por sua vez, pode transmitir o vírus da raiva para os humanos. Isso ocorre quando há contato com a saliva do animal infectado, através de mordidas ou divisão de comidas, por exemplo.

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As doenças não são o único problema. Ao alimentar os animais, as pessoas acabam deixando os saguis dependentes.

“Em vez de buscar [alimentos] nas matas, [os saguis] vão sempre visitar os pontos onde são alimentados, perdem o medo das pessoas e passam a invadir cozinhas residenciais ou de estabelecimentos, mesas de restaurantes e lanchonetes, supermercados e mesmo pegar comida diretamente das pessoas ou até restos em lixeiras. E nessas situações, caso se sintam ameaçados, podem morder ou arranhar”, cita Mônica Montenegro. 

A pesquisadora cita três regras que os humanos devem seguir: “não comprar saguis ou qualquer outro primata, não criá-los como pet e não alimentá-los”.

Em caso de avistamento de animais silvestres, ligue para a DFS pelos telefones 3885-6669 e (11) 95220-0219 (somente WhatsApp).

Carolina Fioratti

Carolina Fioratti

Repórter responsável pela cobertura de saúde e ciência, com passagem pela Revista Superinteressante. Entusiasta de temas e pautas sociais, está sempre pronta para novas discussões.

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