Constelações de satélites, como a Starlink da SpaceX, podem atrapalhar o trabalho de astrônomos

Membros da American Astronomical Society (Sociedade Americana de Astronomia, em tradução livre) estão falando sobre o potencial de grandes constelações de satélites, como a rede Starlink da SpaceX, interferirem nas observações científicas do espaço. Em um comunicado divulgado na segunda-feira (10), a AAS disse que precisamos repensar essa tecnologia antes que seja tarde demais. Em […]
Satélites da SpaceX em órbita capturados por astrônomo
Sequência de satélites Starlink vistos do céu da Holanda. Crédito: Marco Langbroek/Gizmodo

Membros da American Astronomical Society (Sociedade Americana de Astronomia, em tradução livre) estão falando sobre o potencial de grandes constelações de satélites, como a rede Starlink da SpaceX, interferirem nas observações científicas do espaço. Em um comunicado divulgado na segunda-feira (10), a AAS disse que precisamos repensar essa tecnologia antes que seja tarde demais.

Em 23 de maio, a SpaceX colocou 60 satélites Starlink para a órbita baixa da Terra (LEO, na sigla em inglês). E isso é só o começo. A empresa liderada pela Elon Musk gostaria de lançar de 800 a 1.000 satélites Starlink interconectados — e possivelmente até 12 mil — para completar a constelação.

Assim que a rede estiver operacional, a Starlink fornecerá internet de alta velocidade a clientes pagantes em todo o mundo, inclusive em regiões remotas do globo. Outras empresas planejam entrar nesse mercado também, incluindo a OneWeb, a Space Norway e a Telesat.

Um dia após o lançamento inaugural da Starlink, os observadores do céu avistaram um espetáculo incomum. Os 60 satélites, cada um pesando 227 kg, podiam ser vistos viajando pelo céu noturno como uma fileira de formigas brilhantes. Tão estranha era a visão que algumas pessoas confundiram com naves alienígenas.

A SpaceX disse que o acontecimento foi temporário, já que os satélites estão lentamente se afastando um do outro. Dada a quantidade de lançamentos exigidos para completar a constelação, no entanto, é justo dizer que esses “trenzinhos de satélites” se tornarão recorrentes, embora transitórios, do céu noturno.

Um grupo de galáxias fotografado por um telescópio no Observatório Lowell no Arizona em 25 de maio de 2019 — apenas dois dias após a SpaceX ter implantado 60 satélites Starlink. As linhas diagonais que atravessam a imagem são trilhas de luz refletida deixadas por mais de 25 dos satélites quando passam pelo campo de visão do telescópio. Felizmente, os satélites estão se afastando, mas cenas como essa podem se tornar o novo normal. Imagem: Victoria Girgis / Observatório Lowell

Mais problemático, porém, será o grande número de satélites à deriva na órbita baixa da Terra, incluindo aqueles pertencentes à SpaceX e a outras empresas. Existe agora a preocupação legítima de que as megaconstelações de satélites, como são chamadas, excedam o número de estrelas visíveis no céu noturno. Mas, além de contribuir para a poluição luminosa e obscurecer nossa visão natural do cosmos, esses satélites poderiam prejudicar importantes observações astronômicas.

Em um tuíte de 27 de maio, Elon Musk minimizou essas preocupações, dizendo que a Starlink terá “um impacto de 0% nos avanços na astronomia”. Em outro tweet, Musk disse que “enviou uma nota à equipe Starlink na semana passada especificamente sobre redução de albedo” para reduzir a refletividade dos satélites — albedo é a capacidade de reflexão da radiação solar de uma determinada superfície. O CEO da SpaceX acredita que “poder ajudar bilhões de pessoas economicamente desfavorecidas é um bem maior”.

A American Astronomical Society, cujos membros estão atualmente em sua 234ª reunião em St. Louis, Missouri, não está tão convencida disso. Eles temem que a Starlink e outras megaconstelações que estão sendo construídas possam causar muitos problemas. Em um comunicado divulgado nesta segunda-feira (10), seus curadores adotaram o seguinte posicionamento sobre o assunto:

A American Astronomical Society observa com preocupação a implantação iminente de grandes constelações de satélites na órbita da Terra. Prevê-se que o número de tais satélites aumente para dezenas de milhares nos próximos anos, criando o potencial para impactos adversos substanciais na astronomia terrestre e espacial. Esses impactos podem incluir perturbações significativas de observações óticas e infravermelhas próximas por meio da detecção direta de satélites na luz refletida e emitida; contaminação de observações radioastronômicas por radiação eletromagnética em bandas de comunicação por satélite; e colisão com observatórios espaciais.

A AAS reconhece que o espaço exterior é um recurso com disponibilidade cada vez maior e muitos usos possíveis. No entanto, o potencial de múltiplas constelações de satélites de grandes dimensões afetarem adversamente umas às outras e ao estudo do cosmos está se tornando cada vez mais aparente, tanto na órbita baixa da Terra quanto além dela.

A AAS está trabalhando ativamente para avaliar os impactos na astronomia de grandes constelações de satélites antes que seus números aumentem ainda mais. Somente com uma compreensão completa e quantitativa podemos avaliar adequadamente os riscos e identificar ações de mitigação apropriadas. A AAS deseja que este seja um esforço de colaboração entre seus membros, outras sociedades científicas e outras partes interessadas no espaço, incluindo empresas privadas. A AAS apoiará e facilitará o trabalho das partes relevantes para entender completamente e minimizar o impacto das grandes constelações de satélites na astronomia terrestre e espacial.

Como a AAS corretamente apontou, o próximo passo é descobrir como essas constelações podem afetar as observações astronômicas. Essas descobertas nos permitirão conceber as salvaguardas e mudanças de políticas necessárias.

Jessica West, diretora de programas do Project Ploughshares e editora-gerente do Space Security Index, acredita que a AAS está certa em levantar a questão.

“Mudar significativamente a visão do céu noturno — se é isso vai acontecer — se estende para além da ciência e afeta a todos na Terra”, disse West ao Gizmodo por e-mail. “Esta não é uma discussão que estamos tendo, e abrange muito mais coisas além desse único exemplo”.

A questão, disse ela, sempre parece ser “o que é permitido” no espaço, sem pensar muito em “a que custo” e “para quem”. Ao mesmo tempo, no entanto, ela disse que precisamos estar atentos para equilibrar os interesses de várias partes.

“Acho que essa situação leva a esse tipo de conversa, e a SpaceX parece estar pensando nisso”, disse ela. “É claro que há outras preocupações com constelações [de satélites] tão grandes, mais criticamente a criação de detritos e satélites fora de funcionamento, bem como o gerenciamento do tráfego espacial.”

Jonathan McDowell, astrônomo do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, disse que a resposta da AAS foi apropriada e na medida certa.

“Meus próprios cálculos preliminares indicam que diferentes tipos de astronomia serão afetados em diferentes graus por diferentes megaconstelações propostas”, disse McDowell em um e-mail ao Gizmodo. “Eu acho que [a AAS] vai descobrir que megaconstelações terão um efeito significativo sobre a astronomia, mas que será possível desenvolver diretrizes de design que não serão muito restritivas para garantir que o efeito não seja desastroso.”

Dito isto, se uma futura megaconstelação não levar em conta essas preocupações, “eventualmente haverá uma delas com efeitos desastrosos na astronomia e no céu noturno”, disse ele. “A Starlink foi um alerta nesse sentido.”

Novas tecnologias tendem a estar um passo à frente de regulamentações, diretrizes, restrições e afins. Agora temos a oportunidade de criar regras eficazes antes que as coisas saiam do controle. O posicionamento feito pelo AAS é um passo positivo nessa direção.

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