Tipo sanguíneo aumenta o risco de contrair COVID-19? Não é bem assim

Estudo vê relação entre tipo sanguíneo e casos mais graves de COVID-19, no entanto, só esta informação não é o suficiente cientificamente.
Amostras de sangue em dois tubos. Crédito: Getty Images
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Um estudo intrigante publicado na semana passada encontrou uma ligação entre a gravidade de COVID-19 e o sangue tipo A; o sangue tipo O, por outro lado, estava associado a uma menor chance de doença grave. Mas é improvável que qualquer conexão potencial entre COVID-19 e o tipo sanguíneo seja muito relevante para a pessoa comum.

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O estudo, publicado no NEJM (New England Journal of Medicine), envolveu quase 2.000 pacientes graves de COVID-19 na Espanha e na Itália. Os pesquisadores analisaram o código genético dessas pessoas, no que é conhecido como estudo de associação genômica ou GWAS. Eles compararam sua genética à genética de um grupo de controle semelhante, procurando diferenças que pudessem influenciar plausivelmente o risco de alguém pegar a infecção ou ter um caso mais sério.

Eles finalmente encontraram duas regiões possíveis de genes e muitas variações genéticas associadas ao COVID-19. Uma região parece desempenhar um papel importante na nossa resposta imune à infecção e também está conectada à proteína da enzima conversora de angiotensina 2 (ACES2), produzida pela superfície de muitas células. Isso faz muito sentido, uma vez que o coronavírus infecta nossas células através dos receptores da ACES2.

Os pesquisadores também encontraram uma associação entre COVID-19 e uma região de genes que influencia nosso tipo sanguíneo. E quando eles olharam para os próprios pacientes, encontraram uma ligação clara também. Verificou-se que pessoas com sangue tipo A tinha um risco 45% maior de contrair COVID-19 grave em comparação com pacientes não-tipo A, enquanto pessoas com sangue tipo O pareciam ter um risco 35% menor de infecção grave com não-tipo O. Embora essas porcentagens possam parecer enormes, continua sendo verdade que a maioria das pessoas que contrai o coronavírus não fica doente o suficiente para precisar de hospitalização, independentemente do tipo sanguíneo.

Por que este estudo deve ser visto com cuidado

As descobertas não são implausíveis, pois já se suspeita que o tipo sanguíneo e a genética afetam nosso risco de sofrer todos os tipos de condições médicas. Os pesquisadores expuseram várias hipóteses sobre como o tipo sanguíneo poderia afetar nossa vulnerabilidade à infecção, incluindo seus efeitos nas proteínas que ajudam a regular a coagulação (COVID-19 grave é conhecido por causar forte coagulação no sangue).

Mas existem algumas limitações importantes aqui, de acordo com Eric Gehrie, professor assistente de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, que também é diretor médico do banco de sangue do Hospital Johns Hopkins.

Logo de cara, é que nenhuma das conclusões de um estudo deve ser tomada como a palavra final sobre um assunto. Esta parece ser a primeira grande pesquisa publicada sobre estudo de associação genômica, e estudos semelhantes em diferentes grupos de pessoas teriam que confirmar as ligações genéticas encontradas aqui.

Gehrie observou que os autores não foram capazes de explicar outros fatores que podem explicar a ligação entre o tipo sanguíneo e a gravidade de COVID-19, como eles admitem prontamente.

“Se descobrisse que mais pessoas do tipo A no estudo tinham algum outro fator de risco para o coronavírus, como se fossem imunocomprometidas, essa metodologia não seria capaz de extrair essa informação”, disse Gehrie ao Gizmodo. “E não estou criticando o estudo — eles fizeram um excelente trabalho na coleta de todos esses dados em tão pouco tempo. Mas a natureza desse tipo de pesquisa não é definitiva; ela gera hipóteses”.

Há também o histórico de pesquisas médicas envolvendo tipos sanguíneos a serem consideradas, disse Gehrie. Estudos associaram certos tipos sanguíneos a um risco maior de desenvolver dezenas de doenças e condições médicas, que vão desde as mais graves, como ataques cardíacos, até as mundanas, como picadas de mosquito. Mas quando você olha mais profundamente para essas conexões, elas não importam muito no grande esquema de outras coisas que tornam alguém propenso a ficar doente.

“Todo mundo sabe que, independentemente do seu tipo sanguíneo, qualquer pessoa pode desenvolver doença arterial coronariana. E, independentemente do seu tipo sanguíneo, qualquer pessoas pode ser picada por um mosquito”, disse Gehrie. “Agora temos essas informações dizendo que, com base no seu tipo sanguíneo, você pode ter uma diferença no risco de coronavírus. Diria apenas para ir com calma com este tipo de afirmação”.

No momento, nós não sabemos quanto o tipo sanguíneo de uma pessoa contribui para o risco de doenças graves causadas por coronavírus. Outros fatores de risco conhecidos, como idade e problemas de saúde pré-existentes, como diabetes tipo 2, provavelmente, continuarão a ser muito mais importantes que o tipo sanguíneo, inclusive para médicos que tratam esses pacientes.

“É uma manchete ótima, mas cientificamente, se um dos meus colegas da sala de emergência me telefonasse e dissesse: ‘Ei, estávamos preste a entubar alguém, mas depois percebemos que o grupo sanguíneo era O. Deveríamos continuar?’, eu responderia, ‘Você está louco’”, disse Gehrie.

A mesma lógica se aplica aos achados genéticos na nova pesquisa. O risco genético de uma pessoa para qualquer doença é absolutamente importante para se estudar, mas, na maioria das vezes, ele reduz em comparação com outros fatores de risco não genéticos. Por exemplo, algumas pessoas são mais geneticamente predispostas a desenvolver diabetes, mas o componente genético de seu risco é pequeno se comparado a coisas como dieta e exercício. No caso de COVID-19, ser geneticamente “sortudo” provavelmente importará muito menos do que simplesmente evitar espaços lotados, se você espera evitar uma infecção grave.

Os autores deste novo estudo não parecem incluir estimativas de risco absolutas. Mas as conclusões preliminares de um estudo no início deste ano, usando dados da 23andMe, oferecem algum contexto relacionado. Dentro da amostra, 1,3% das pessoas com sangue tipo O apresentaram resultado positivo para COVID-19 — uma mera diferença de 0,2% em relação às pessoas com sangue tipo B ou AB. Das pessoas sangue tipo A, 1,4% tiveram resultado positivo, o que parece entrar em conflito com os dados do estudo publicado no NEJM, mas também pode não significar nada.

Nada disso significa que o tipo sanguíneo ou a genética não serão áreas importantes da pesquisa de COVID-19. Significa apenas que você não deve se considerar amaldiçoado porque possui o sangue tipo A e definitivamente não deve pensar que nunca pegará o novo coronavírus por ter sangue tipo O.

Por sua parte, Gehrie deseja que as pessoas estejam mais preocupadas com um problema urgente real envolvendo tipos de sangue que foi agravado pela pandemia: a doação de sangue.

“O maior problema que temos com os tipos sanguíneos agora é que estamos com falta de sangue e estamos literalmente raspando o fundo do barril em termos de estoque”, disse ele. “Então, espero que as pessoas qualificadas considerem doar, porque câncer, doença falciforme, transplante de medula óssea, etc — essas coisas não se importam com o que está acontecendo com o novo coronavírus. E as pessoas que têm essas doenças ainda as têm”.

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