U-Boats, espiões e magia branca: a invenção da criptografia sem fio

Como uma estação de rádio que unia os EUA e a Alemanha no começo do século XX foi o cenário de descobertas importantes para a criptografia.

A estação de telegrafia sem fio em Sayville, Nova York, era uma das mais poderosas do mundo. Construída em 1912 pela companhia alemã Telefunken, ela funcionava como um ponto de retransmissão transatlântico para as mensagens diplomáticas e comunicações comerciais. E era um farol para o mar de entusiastas amadores da tecnologia sem fio de todos os Estados Unidos, pois eles podiam ajustar seus aparelhos caseiros e receber as notícias noturnas da estação. Tudo isso mudou quando um desses amadores descobriu o real propósito da estação.

A Marinha tomou a estação em 1915, sob suspeita de retransmitir ordens secretas do Império Alemão para U-Boats (submarinos alemães) no Oceano Atlântico, e um projeto de lei foi introduzido para tirar do ar todas as atividades de tecnologia sem fio realizadas por amadores. Os trechos inseridos na história que contaremos a seguir são excertos da série de romances The Scientific Adventures of Baron Münchausen, de Hugo Gernsback. A série era publicada na revista Electrical Experimenter quando foram descobertas as notícias sobre o escândalo da criptografia sem fio.


A estática sempre se tornava um problema com a chegada do calor do verão.

Em um terreno de cem acres localizado ao longo da costa de Long Island e “jogada em um campo infestado de mosquitos”, em maio de 1915 a instalação sem fio de Sayville começou a sofrer a interferência sazonal que vinha junto com os dias mais longos e o tempo mais quente. Àquele ponto, um pouco mais velha que o próprio século XX, a telegrafia sem fio (percursora do rádio) não era uma mídia totalmente confiável. Os engenhoqueiros e esquisitões da primitiva comunidade da tecnologia sem fio logo começaram a debater a causa exata dessa estática sazonal. Alguns diziam que as ondas de rádio sofriam mais interferência conforme se propagavam através de um ar mais denso e mais úmido (nessa época, ainda se falava na existência de um éter luminífero). Outros especulavam que, como as mensagens ficavam mais claras à noite, o calor do sol de verão afetava a capacidade de transmissão das antenas da estação.

Ao final do verão, os operadores da Sayville anunciaram que a interferência das chamadas tempestades equinociais estava forçando-os a restringir as mensagens apenas a comunicações oficiais do governo. Alguns comentaristas brincaram que os aficcionados pela tecnologia sem fio estavam misturando causa e efeito: “eles disseram que os efeitos elétricos [da estação] absorveram toda a umidade e deixaram Sayville seca que nem uma batata Saratoga”, referindo-se à batata chip inventada nos anos 1850 em Saratoga Springs, Nova York. Mas talvez a própria estação estivesse alterando as condições atmosféricas de seus arredores.


Quando alguém contempla as maravilhas do som esculpido em um gravador grafofônico, e percebe que do frio vórtice de fios pode desabrochar a melodia cadenciada e dourada da voz mais bonita que o mundo já ouviu, então vem a nós a convicção de que estamos vivendo os dias da magia branca.


Ao custo de um dólar por palavra, tanto civis quanto oficiais do governo podiam enviar mensagens de Sayville para sua estação-irmã em Nauen, na Alemanha. Além de comunicações comerciais e diplomáticas, Sayville transmitia notícias todos os dias às nove da noite, que amadores de todo o país sintonizavam em seus rádios de galena feitos à mão. Receber transmissões da estação de Sayville era o padrão de excelência tanto para os rádios quanto para seus donos (que se referiam a eles mesmos como muckers), e fabricantes de eletrônicos costumavam prometer, nas propagandas de seus produtos, uma recepção fácil das transmissões da Sayville. A estática que vinha com o clima do verão não era nenhuma novidade para esses profissionais e amadores da tecnologia sem fio. Alterações sazonais eram simplesmente parte do ritmo natural de uma nova mídia.

Rádio de galena alojado em mogno, projetado por Harry Shoemaker em 1907. History San José, Perham Collection.

Rádio de galena alojado em mogno, projetado por Harry Shoemaker em 1907. History San José, Perham Collection.

Mas a Telefunken, companhia alemã dona da estação, parecia completamente determinada a não permitir que qualquer distúrbio atmosférico ou climático interferisse nas transmissões das mensagens entre Sayville e Nauen naquele verão. Em junho, para a surpresa da comunidade da tecnologia sem fio, a estação de Sayville podia ser ouvida claramente a distâncias muito maiores. Observadores locais reportaram que o sistema de antenas no topo da estação ganharam torres de mais de 150 metros de altura. Essas novas antenas trouxeram um aumento de 35 a 100 kWh no poder de transmissão, efetivamente triplicando as habilidades da estação “para garantir comunicação absoluta, sob todas as condições e através da pesada estática obtida durante o verão, em particular”. A Electrical Experimenter reportou que a Telefunken importou o equipamento de Roterdã, cidade portuária holandesa lutando para se manter neutra entre a Alemanha, a leste, e a Bélgica ocupada, a oeste.


A eclosão da grande guerra de 1914 me encontrou no meio do estudo de muitas novas invenções que eu estava tentando aperfeiçoar. Mas eu dei boas-vindas à guerra, contudo, com o coração agradecido. Ali estava a chance que eu há muito esperava de acertar as contas com a Prússia, contra quem eu nutri um crescente ódio durante os últimos anos. Minha ‘révanche’ estava a meu alcance.

‘Sim, Monsieur le Président’, eu respondi com fervor, ‘foi meu azar ter nascido na Prússia, mas eu garanto que, hoje, na França não há francês mais ardente e patriótico do que eu. Abaixo à Prússia tirana!’


A estação recentemente expandida introduziu algumas inovações revolucionárias projetadas pela Telefunken, incluindo um novo teclado com letras, que produzia uma fita de papel perfurado das mensagens em código Morse transliteradas, prontas para serem introduzidas em um transmissor automático. Era possível escrever em letras alfabéticas, assim como você faria em um teclado QWERTY, e o que saía é uma fita grossa de código Morse, que a máquina era capaz de ler. Agora, as mensagens poderiam ser enviadas a até 150 palavras por minuto, uma velocidade que teria sido impossível para qualquer operador manual de uma única tecla de código Morse.

Já na recepção, “uma forma de amplificador microfônico especialmente sintonizado” permitia que as mensagens ressoassem alto através da estação. Antes, operadores especialmente treinados tinham que ouvir em fones de ouvido, com cuidado, procurando por sinais, frequentemente estáticos, repetidos várias e várias vezes, por uma questão de clareza. O ato humano da transdução foi substituído por um mecanismo mais sensível.

A capa da edição de agosto de 1915 da The Electrical Experimenter, com uma ilustração da estação Sayville. Magazineart.org

A capa da edição de agosto de 1915 da The Electrical Experimenter, com uma ilustração da estação Sayville. Magazineart.org

Mais importante que isso, as novas antenas de mais de 150 metros “[garantiam] uma descarga fluente e consistente de ondas de rádio no ar”, tão poderosa que só precisava ser enviada uma vez. Antes do upgrade da Sayville, distúrbios atmosféricos causariam falhas nos sinais transatlânticos. Para garantir a recepção da mensagem completa, transmissões eram enviadas diversas vezes, para que pudessem ser cruzados e comparados do outro lado. De acordo com Dr. Karl G. Frank, gerente da Sayville, a repetição das mensagens despertava temores de espionagem. “Pessoas suspeitas”, ele reclamou, “estavam prontas para traduzir o processo de repetição em uma série de comunicações com submarinos alemães”. Sua esperança era que tais preocupações fossem amenizadas com transmissões mais poderosas, feitas uma vez só.

Com registros tangíveis em rolos de papel, transmitidos apenas uma vez e tocando alto na estação para todos ouvirem, a estação alemã parecia estar operando de forma mais transparente do que nunca, em uma época em que as relações da Alemanha com os EUA estavam estremecidas. Ainda assim, logo ficaria claro que as operações não estavam claras de forma alguma. A aspiração da Telefunken pela assim chamada “comunicação absoluta” entre Sayville e Nauen na verdade permitia formas então inéditas de fraude criptográfica.


Nós testamos meticulosamente a estação e depois de estarmos seguros de que ela funcionaria por pelo menos trezentos dias, eu abri o circuito do telegrafone e comecei a registrar esta mensagem a você. Ela vai ser a última que você vai receber nos próximos trinta dias, ou mais. Vai nos levar de cinco a dez dias para construir uma estação de transmissão em Marte, você não deve esperar ouvir notícias nossas por 35 ou 40 dias. Você deve, no entanto, ‘ouvir’, começando do trigésimo quinto dia a partir de hoje. Nenhuma mensagem jamais pode se repetir, porque os eletroímãs ‘de limpeza’ acabam com o impulso magnético do fio de aço assim que ele passa pelos ímãs de transmissão. Você também não poderá transmitir uma mensagem para mim, porque não foi criada nenhuma forma de transmitir suas mensagens para nós enquanto estivermos em Marte.


Em sete de julho, aparentemente sem aviso, o governo americano revogou a licença de operação de Sayville. Naquela noite, uma equipe de engenheiros e fuzileiros navais tomou o controle da estação em Tuckerton, Nova Jersey, que transmitia regularmente a Hanover. O New York Times descobriu que a decisão de assumir o controle das estações de transmissão sem fio foi tomada após uma série de conferências entre os membros do gabinete do presidente Woodrow Wilson.

Mas o que os levou a essa decisão? A declaração oficial da Atlantic Communication Company, que operava a estação, falhou em dar respostas, e a especulação correu solta. Em um editorial para a edição de agosto da Electrical Experimenter, Hugo Gernsback argumentou que assumir o controle daquela estação poderosa foi realmente necessário uma vez que não havia como dizer quem recebia suas mensagens ou como eram lidas. Explicando por que, além das estações sem fio, o governo não confiscava também estações de cabo telegráfico transatlântico, ele escreveu:

Uma mensagem via cabo continua no cabo enquanto é despachada. Ela tem apenas um destino, ninguém pode dar uma “bicada” na mensagem sem graves dificuldades. Com o “sem fio” não é bem assim. Suas ondas são propagadas em todas as direções, mil estações, ou mais, se estiverem equipadas de modo apropriado, podem capturar a mensagem de qualquer lugar dentro do raio de recepção da estação emissora.

Gernsback estava certo. Os alemães tinham antecipado a possibilidade de uma guerra com a Inglaterra e, com ela, o risco de que linhas telegráficas fossem cortadas. Sayville era a resposta. Então, quando a Inglaterra cortou mesmo os cabos germânicos em agosto de 1914, a Alemanha manteve suas ligações com o resto do mundo. Graças à tecnologia sem fio de Sayville, o tráfego telegráfico entre os EUA e Alemanha continuou o mesmo de antes, com a diferença que as mensagens agora passavam direto sobre as cabeças dos inimigos da Alemanha.

Elmo "Isolador" de Hugo Gernsback, conforme apareceu na edição de julho de 1925 da Science and Invention. Laughing Squid.

Elmo “Isolador” de Hugo Gernsback, conforme apareceu na edição de julho de 1925 da Science and Invention. Laughing Squid.


Eu poderia acrescentar, entretanto, que todas as conversas entre o barão Münchausen e eu, que eu devo publicar futuramente, são exatamente como o relatado, tiradas dos relatórios estenográficos de meu irmão. As notas originais estão disponíveis para qualquer um que duvide de sua veracidade.


Mas veicular essas mensagens codificadas de forma efetiva trazia problemas únicos, que demandavam uma nova abordagem para a criptografia. Agora que o calor do verão não mais atrapalhava a estação de Sayville, os debates na comunidade da transmissão sem fio se focavam no quanto o sinal poderia ser disfarçado sem causar perdas. Em uma proposta, instruções escondidas eram intercaladas com mensagens normais, que parecessem comuns, ao alongar ligeiramente os espaços entre pontos e traços (veja abaixo). Perfeitamente ininterruptos, sinais fortes significavam que as lacunas em uma mensagem poderiam na verdade significar algo além do fruto do ruído ou da estática.

Outro esquema proposto envolvia adicionar pontos extras ao final de caracteres Morse normais. Graças à recente automação no teclado na sinalização Morse da estação, era possível que esse código extra pudesse ser mecanizado através do que a Electrical Experimenter chamou de “uma pequena ligação de natureza elétrica, talvez, que pudesse ser encaixada secretamente em um dos perfuradores de fita de papel automáticos ou em um dos mecanismos de transmissão de tecla magnética”. Desde a invenção da telegrafia, no começo do século XIX, a cadência ou o ritmo característico do toque remetente de cada operador telegráfico era conhecido como seu “punho”. Operadores eram reconhecíveis por seu punho, e criptoanalistas usavam esses ritmos únicos para traçar padrões e encontrar as mensagens e seus mensageiros. Um remetente automático não apenas poderia plantar mensagens ocultas nos sinais sem fio, como também poderia torná-las completamente anônimas.

Electrical Experimenter, hospedada em archive.org

Electrical Experimenter, hospedada em archive.org

A Marinha aplicou regras estritas de fiscalização sobre Sayville, mas deixou passar vários furos evidentes. Visto que apenas quatro das dezoito pessoas que trabalhavam na Sayville foram funcionários da Telefunken, nunca houve um momento em que as transmissões de saída e de entrada não passaram pelo escrutínio do governo. “Todas as mensagens são censuradas antes de serem enviadas”, explicava um artigo na edição de setembro de 1916 da Electrical Experimenter. Um oficial do governo senta lá com um lápis azul e, se ele suspeita que a mensagem tem outro significado além do evidente, ele a retorna para o remetente; ou ele pode parafrasear seu significado, dizendo a mesma coisa com palavras diferentes”. A ideia era que reformular a mensagem atrapalharia qualquer código escondido naquela formulação específica, caso houvesse algum.

O que o governo deixou passar é que mensagens ocultas poderiam ser escondidas não no conteúdo de uma mensagem qualquer, mas antes na sinalização em si. Se fossem verdadeiras as especulações sobre um mecanismo de transcodificação automática estar escondido no aparato remetente da Sayville, um empregado do governo poderia enviar uma mensagem com instruções escondidas para os submarinos germânicos sem nem perceber. Mas sem um registro das transmissões em si, só uma fita de papel perfurado em código Morse ou uma transcrição do texto inicial, os censores do governo não podiam analisar as mensagens diretamente.

Foi quando um pesquisador amador chamado Charles E. Apgar entrou na história.


O primeiro confronto com os alemães foi espetacular. Nós partimos pra cima deles de manhã cedo, mas em vez de nossa artilharia usar projéteis explosivos comuns, nós usamos meus cilindros de gás do riso comprimido. Eles foram construídos de uma forma que abririam assim que atingissem o chão. Os soldados rasos receberam um aparelho similar que, em vez de atirar balas, atirava cilindros de gás do riso comprimido.

Nosso primeiro ataque se provou um grande assombro tanto para nós quanto para o inimigo. Quando nós começamos a atirar o gás do riso nos alemães de ar feroz, as expressões deles subitamente mudaram para sorrisos abomináveis.

Há muito eu havia descoberto que o avanço germânico não poderia ser parado por meios ordinários, então eu adotei medidas extraordinárias.


Charles Apgar era um amador novo na cena da transmissão sem fio que, em 1913, discretamente concebeu as primeiras formas de gravar um sinal sem fio em um cilindro fonográfico. Em algum momento o serviço secreto dos EUA percebeu o engenhoso trabalho de Apgar e imediatamente entendeu seu potencial. Louis R. Krumm, inspetor de rádio chefe do Departamento do Comércio abordou Apgar com uma proposta para que ele checasse Sayville. Em um perfil do seu trabalho para o serviço secreto, Apgar escreveu:

Eu fui chamado para cuidar disso e mandaram que eu ‘me ocupasse’. O trabalho de produzir os registros começava toda noite às 11 em ponto e continuava por duas ou três horas, dependendo do acúmulo de mensagens na estação de Sayville. Na manhã seguinte era feita a tradução dos registros e uma cópia dela era enviada para o [chefe do serviço secreto William J.] Flynn, que autorizava a comparação imediata com os registros das mensagens censuradas recebidas por outros departamentos do governo.

Karl G. Frank, da Telefunken, ficou abalado com essa nova possibilidade. Ao ouvir sobre os registros de Apgar, Frank enviou imediatamente um comunicado de imprensa: “A declaração de que Sr. Apgar pode gravar em um cilindro fonográfico as mensagens enviadas por transmissão sem fio dificilmente merece ser discutida. Isso é fisicamente impossível. Eu nunca ouvi falar que isso pudesse ser feito. Se o Sr. Apgar conseguiu isso ele deveria patentear a ideia e talvez nós a comprássemos”.

Um cilindro da Columbia Phonograph, circa 1905, similar aos que Apgar usou para fazer suas gravações. Futuremuseum.co.uk

Um cilindro da Columbia Phonograph, circa 1905, similar aos que Apgar usou para fazer suas gravações. Futuremuseum.co.uk

Os registros de Apgar permitiram que o governo comparasse as mensagens que eram submetidas à aprovação dos censores com os sinais que realmente deixavam as antenas de Sayville. Descobriram que mensagens que pareciam conter pouco mais que inocentes transações comerciais e escondiam instruções para submarinos alemães Atlântico afora. Com o simples acréscimo de uma palavra, um espaço, uma repetição menor (que não estavam presentes nem no texto submetido aos censores nem na fita perfurada produzida pela máquina) encobriam comunicações que poderiam ser enviadas sob os narizes de todo mundo. Além disso, os registros de Apgar capturaram mensagens não assinadas lançadas de Nauen até Sayville, transações que não foram apropriadamente registradas. Os cilindros fonográficos de Apgar permitiam que um registro audível do que estava sendo realmente enviado e recebido pela estação fosse descoberto e decriptado pelo serviço secreto.


Se os defensores tivessem descoberto, durante nosso avanço sobre Berlim, que nós não éramos seus compatriotas, eles não teriam qualquer poder, já que seus números eram de dar dó quando comparados com os imensos exércitos dos Aliados. No entanto, eles nunca suspeitaram de nós. Conforme nós naturalmente tomávamos o comando de todas as linhas telegráficas e telefônicas após termos emergido de nossas florestas, enviamos, é claro, falsos relatórios de guerra para Berlim durante todo o dia, fingindo que vinham do front. A decepção não poderia ter sido maior. Assim, você pode ver que todas as “notícias” que a estação sem fio de Nauen transmitia todos os dias para o mundo todo durante o mês de março não foram nada além de uma farsa, fabricada exclusivamente para ela pelo nosso próprio pessoal militar!


Quando a Electrical Experimenter tornou público que Apgar era o responsável por descobrir as ações ocultas da estação, ele se tornou um herói dentre os amadores. Na edição do mês seguinte foi publicada uma propaganda dos headphones usados por Apgar para escutar as transmissões de Sayville e ouvir algo de fato extraordinário.

Electrical Experimenter, hospedada em archive.org

Electrical Experimenter, hospedada em archive.org

Enquanto isso, toda a decepção de Karl Frank foi exposta à imprensa. As atividades de Frank como espião alemão iam muito além da operação em Sayville. Em agosto, The Providence Journal enviou uma denúncia formal para a secretaria da Marinha, incluindo a acusação de que Dr. Frank era um dos principais agentes secretos nos EUA. O jornal o acusou de tentar, entre outras coisas, obter informações sobre o sistema de controle de fogo usado pela Marinha dos EUA e para ganhar acesso a um encouraçado no estaleiro New York Navy Yard. Dois anos depois, o New York Times reportou que Dr. Frank foi preso em sua casa em Millburn, Nova Jersey e levado para a Ilha Ellis, presumivelmente para ser deportado.


Através dos vidros das vigias no fundo da máquina nós podíamos ver os cabos de Marconium brilhando em sua cor verde característico. Imediatamente nós fomos erguidos na direção da lua, em uma velocidade tremenda. Em menos de noventa segundos podíamos ver todo o continente americano e, em mais alguns segundos, a Terra em sua verdadeira forma, como um imenso globo recortado contra o negro do céu.


Uma vez que se tornou conhecida toda a extensão da corrente de espionagem sem fio de Sayville, a atenção pública inevitavelmente retornou para o naufrágio do navio Lusitania no começo daquele mesmo verão, em maio de 1915. Abundavam especulações e teorias da conspiração sobre o papel da Sayville no afundamento do navio por um submarino alemão. As instruções para o ataque foram enviadas por Sayville? Como o governo pôde deixar os alemães triplicarem o poder da estação um mês depois do naufrágio?

Uma história famosa do serviço secreto alemão publicada na reta final da guerra impulsionou a teoria de que, quando o Almirantado britânico recebeu um pedido de proteção de William Thomas Turner, capitão da Lusitania, conforme o navio se aproximava da costa inglesa, Sayville respondeu antes de todo mundo, enviando mensagens ambíguas. Os autores desse livro alegavam que Sayville era capaz de “enviar uma resposta falsa com o caráter perfeito do Almirantado britânico. (…) O Almirantado britânico também recebeu o pedido do Capitão Turner, tal qual o operador de Sayville que a tinha tomado do ar, e despachou uma resposta: ordens de que a Lusitania fosse para um ponto a 70 ou 80 milhas ao sul do cabo de Old Head Kinsale, para encontrar sua escolta. Capitão Turner nunca recebeu aquela mensagem. O governo britânico sabia o motivo de a mensagem não ter sido entregue, apesar de não tê-lo tornado público até hoje”.

Propaganda da Primeira Guerra Mundial mostrando Kaiser Wilhelm II como uma aranha no centro de uma teia invisível, c. 1918. Library of Congress.

Propaganda da Primeira Guerra Mundial mostrando Kaiser Wilhelm II como uma aranha no centro de uma teia invisível, c. 1918. Library of Congress.

A comunidade de amadores recebeu com grande entusiasmo a decisiva contribuição de Apgar para os esforços de guerra, mantendo-o como um exemplo do que um grupo antes fechado e estranho de engenhoqueiros amadores poderia oferecer ao grande público. Mas foi a descoberta de Apgar da insegurança inerente das ondas de rádio que levou muitos congressistas americanos a preparar a legislação que baniria todas as atividades de rádio amador. Citando preocupações com a segurança, a Marinha tomou controle das ondas de rádio pelo resto da Grande Guerra. Uma vez que ela acabou, eles não queriam devolver o controle, iniciando uma das primeiras batalhas entre interesses públicos e privados na regulamentação de radiodifusão. A lei Alexander Wireless, mesmo que nunca tenha passado, é até hoje uma lembrança das fortes conexões entre segredos de estado e espionagem amadora.

Hoje, a palavra “cable” (cabo) se tornou sinônimo de comunicações diplomáticas encriptadas, como aquelas incluídas nos famosos documentos do Wikileaks, a despeito do fato de essas mensagens, agora, sejam enviadas por e-mail. A história de Sayville serve como lembrança de que a tecnologia sem fio, desde seu início, envolveu uma delicada negociação entre segurança de estado, sigilo e vigilância sobre o cidadão.


Mas eu notei, pelo meu cronômetro, que o tempo havia acabado e em alguns segundos o fio do telegrafone do meu radiotomático na Lua estaria em sua total capacidade. Então, eu deveria ser rápido. Au revoir, querido menino, tenha bons sonhos… Um ritmo baixo zumbiu por alguns segundos e, em seguida, clique, clique em clique, clique-clique-clique, clique, um estalo e o éter entre a Lua e a velha Mãe Terra estava imperturbável novamente.


Grant Wythoff ensina literatura e mídia na Universidade Columbia. Atualmente ele está escrevendo um livro sobre a história cultural do gadget. Você pode seguir o Grant no Twitter aqui.

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