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Por que a vacina da gripe nem sempre funciona?

O processo de fabricação da vacina da gripe é antigo e lento, e por timing errado às vezes as vacinas de um ano não são tão eficientes. Entenda.

Em 2015, a gripe será brutal nos EUA. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças do país já nota mais casos que o habitual e ainda nem chegamos ao pico da temporada de gripes. Para piorar as coisas, a vacina desse ano é menos efetiva que o de costume, graças a decisões que foram tomadas há quase um ano. Fabricar a vacina da gripe é meio como adivinhar o futuro, e isso é bem difícil.

A produção da vacina da gripe é um processo lento e antiquado que consiste em cultivá-la em ovos de galinha. Ele não mudou muito desde os anos 1940. É por isso que as vacinas da gripe precisam ser formuladas com meses de antecedência e o motivo das desse ano serem menos efetivas. Ainda vale a pena tomar a picada, especialmente se você for jovem, idoso ou tiver a imunidade baixa por qualquer motivo. A dose desse ano protege contra três das quatro cepas (“versões” do vírus incluídas na vacina) que procura combater. Mas não há garantias, motivo pelo qual vemos esta situação:

Relatório de vigilância da influenza nos EUA na semana que terminou em 20 de dezembro.

No Brasil, a maior parte das vacinas são importadas dos EUA, o que representa um problema: a cada ano, as vacinas são preparadas misturando subtipos de vírus que estejam provocando surtos de gripe pelo mundo. No entanto, esses são os tipos de gripe que estão causando surtos no começo do ano; aqui no Brasil, as campanhas de vacinação só começarão entre junho e agosto, e nesse meio tempo os subtipos de gripe que causam os surtos já podem ter mudado.

Mas esse ano teremos acesso à primeira vacina tetravalente. Ela foi aprovada no final do ano passado pela Anvisa e estará disponível, apenas na rede privada,  agora no começo de 2015. Infelizmente ainda não há previsão de quando ela será disponibilizada na rede pública.

Voltando aos EUA, a razão da gripe estar tão atuante esse ano se deve à complexidade em se obter a vacina contra o vírus corretamente. Ela envolve milhões de ovos de galinha e uma pitada de sorte.

O prognóstico da gripe

Mês que vem, quando a maioria dos norte-americanos estarão recebendo a vacina dessa estação, a fabricação da vacina para o ano que vem começará. Todo mês de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde identifica três ou quatro cepas para incluir na vacina para o ataque do ano seguinte.

A vacina sempre inclui uma cepa para cada uma das três categorias (H1N1, H3N2, influenza B) e, às vezes, uma quarta de bônus. (A maioria das vacinas contra o vírus influenza protege contra os três primeiros vírus; algumas, como a nova brasileira, contra todos os quatro.) Neste ano, a OMS recomendou a proteção contra esses quatro vírus:

Uma rede de laboratórios que trabalha ao redor do mundo está sempre de olho em novos e emergentes vírus o ano todo. Esses vírus são, então, testados contra soro de sangue humano; os que provocam a menor resposta imunológica são os mais recentes e perigosos à população.

O vírus da gripe passa por mutações naturalmente, o que explica por que temos que formular uma nova vacina todo ano. Neste, o vírus H3N2 transformou-se mais rápido que o normal, então a vacina que temos é menos efetiva contra a variação do H3N2 que está circulando por aí. O novo H3N2 foi detectado em março de 2014 e começou a se alastrar em setembro. Agora, é tarde demais para acrescentá-lo à vacina deste ano, graças ao processo antigo que ainda usamos para criar as vacinas.

100 milhões de ovos por ano

Interior de uma fábrica de vacinas chinesa. Foto: Greg Baker/AP Photo.

Ovos são baratos, disponíveis e cheios de proteína. Tais características fazem deles um bom alimento e um ótimo recipiente para produzir vacinas.

O processo é bem simples: um vírus é injetado em um ovo fertilizado, onde ele se reproduz várias vezes. Depois de dois ou três dias, cada ovo contém milhões de vírus da gripe vivos. Os vírus são então purificados do ovo e mortos com químicos. Cada dose exige de um a dois ovos, então as fabricantes precisam de cerca de 150 milhões de ovos para as 100 milhões de doses de vacinas da gripe só para os EUA. No fim, o que sobra são partículas de proteína viral que servem como o núcleo das vacinas da gripe. Nosso sistema imunológico aprende a reconhecer essas proteínas virais de modo que quando um vírus vivo surge, ele saiba o que fazer.

Tudo isso não parece muito complicado. Na realidade, não parece nem ser algo que demande muito tempo para ser feito. Mas fazer 150 milhões de doses de vacina é como comandar um navio gigantesco: não é fácil mudar seu curso. Estamos lidando com coisas como escala e garantia de segurança, então é necessário que os produtores se certifiquem de que está tudo certo quando tivermos que lidar com vírus da gripe vivo.

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Dois exemplos do motivo de demorar tanto. Primeiro, os vírus são injetados em ovos não são apenas os vírus que você encontra nas ruas. Uma vez que a OMS tenha identificado as cepas do ano, ela pega cada uma e a cruza com uma cepa de laboratório especialmente desenvolvida para crescer bem dentro de ovos de galinha. O vírus híbrido acaba com: 1) as propriedades da cepa laboratorial que o faz se reproduzir corretamente dentro dos ovos; e 2) os antígenos (um tipo de proteína) para identificá-lo a partir dessa cepa em particular. A fabricação e os testes desse vírus híbrido levam cerca de seis semanas.

Segundo, a OMS também cria reagentes de referência, que é uma forma pomposa de se referir a um kit para garantir que cada vacina venha com a dose correta. Sem entrar em detalhes técnicos, os reagentes de referência são feitos de anticorpos, moléculas criadas pelos sistemas imunológicos em resposta ao antígeno de um vírus. Como conseguimos anticorpos? Infectando ovelhas com o vírus e extraindo-os de seu sangue. A OMS nota que isso costuma ser um gargalo na produção de vacinas que demora no mínimo três meses.

Para além dos ovos

O complexo industrial da produção de vacinas em ovos é enorme e bem estabelecido, mas não é, obviamente, livre de falhas. Já existem algumas técnicas alternativas que são um pouquinho mais rápidas. Por exemplo, vírus da gripe também podem crescer em células de mamíferos em placas de Petri ou serem recombinados com diferentes tipos de vírus para crescer dentro de células de insetos. Essas vacinas são feitas em blocos relativamente menores, geralmente para pessoas alérgicas a ovos.

Alguns cientistas estão testando ideias ainda mais diferentes, como criar partículas de vírus em plantas de tabaco ou usando um processo de produção de DNA. Todos esses processos podem ser mais rápidos e flexíveis por não dependerem de um suprimento de ovos de galinha fertilizados. Eles, claro, dependem de suas próprias cadeias de suprimentos e necessários controles de qualidade.

Com a ameaça constante de novas epidemias de gripe aviária e suína, as autoridades da saúde pública estão preocupadas com o tempo que demora a produção de novas vacinas. Para esse ano, nos EUA, as consequências desse sistema estão sendo sentidas na pele. E na febre, na dor pelo corpo e nos outros sintomas da gripe…

Imagem por Jim Cooke

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