As discussões sobre vacinas têm se tornado cada vez mais intensas e frequentes, principalmente do último semestre de 2020 para cá. Há muitos motivos para se comemorar o desenvolvimento de um imunizante em tempo recorde para uma pandemia que ainda parece longe de estar controlada, mas a distribuição dele é um pouco mais complexa e levanta uma série de outras questões.
Por parte dos governos, há muita política envolvida e eles ainda precisam encontrar uma maneira de proteger a saúde da população muitas vezes com recursos limitados. Enquanto Reino Unido e União Europeia brigam pelas doses da vacina contra Covid-19, os países mais pobres correm o risco de serem negligenciados. Por outro lado, o movimento antivacina segue persistente, tentando atacar a credibilidade dos imunizantes. Apesar de todo esse debate ser recente, o fato é que as vacinas não são. E um estudo publicado esta semana no The Lancet mostra que elas já salvaram 37 milhões de crianças entre 2000 e 2019.
A análise, conduzida por pesquisadores da Imperial College London, no Reino Unido, foi feita com base em dados de vacinas contra dez patógenos em 98 países cuja renda é considerada baixa e média, cobrindo o período de 2000 a 2030. O trabalho ainda envolveu 16 grupos de pesquisa independentes, que, juntos, forneceram estimativas para diferentes cenários de vacinação para as seguintes doenças: hepatite B, Haemophilus influenzae tipo B, papilomavírus humano (HPV), encefalite japonesa, sarampo, meningite meningocócica tipo A, infecções pneumocócicas, rotavírus, rubéola e febre amarela.
Por meio de modelos matemáticos, os pesquisadores apresentaram cenários de vacinação relatado e projetado. Ou seja, o que os registros indicam sobre os impactos de imunizantes e como seria caso eles não existissem. O resultado foi que de 2000 a 2030, as vacinas contra os dez patógenos do estudo poderão ter evitado 69 milhões de mortes, sendo que 37 milhões delas já foram evitadas entre 2000 e 2019. Conforme aponta a pesquisa, esse último número representa uma redução de 45% nas mortes em comparação ao cenário sem vacinação, sendo que a principal consequência foi a queda na mortalidade entre crianças com menos de 5 anos, principalmente no caso do sarampo.
No caso, o foco do estudo foi a vacinação infantil. Mas, considerando que muitos imunizantes são aplicados na infância para evitar infecções na vida adulta, os números acima não refletem o total de vidas que podem ser salvas. Segundo os autores, ao levar em conta essa questão da idade, a quantidade de mortes que podem ser evitadas por vacinação, entre 2000 e 2030, sobe para 120 milhões, sendo 58 milhões graças à vacina contra sarampo e 38 milhões graças ao imunizante contra hepatite B.
Por mais impressionante que sejam esses números, uma análise feita por pesquisadores do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e que também foi publicada no The Lancet sugere que o impacto pode ser ainda maior. Segundo eles, cerca de 31% da população mundial vive em países que não foram incluídos na pesquisa do Reino Unido. Além disso, foram analisadas vacinas contra dez patógenos apenas, excluindo algumas importantes como a da gripe sazonal e ebola. O estudo também se limitou a calcular a redução na mortalidade, sem considerar outros impactos indiretos, como prevenção a infecções secundárias e maior resistência antimicrobiana.
Outra ressalva feita pelos pesquisadores do CDC é que o monitoramento de vacinação nem sempre é capaz de mostrar os números reais. Segundo eles, esse acompanhamento é limitado por falhas na vigilância, confirmações de laboratórios e capacidade de análise de dados, principalmente nos países analisados na pesquisa do Reino Unido. No caso de países em que o setor privado exerce um papel importante na distribuição de vacinas, também pode ser um desafio dar conta de acompanhar o número de vacinados.
Por fim, eles alertam que a pandemia de Covid-19 pode representar uma ameaça às estimativas de mortes evitadas até 2030. Afinal, com os sistemas de saúde sobrecarregados em diversas partes do mundo, os serviços de vacinação contra outras doenças acabaram ficando em segundo plano. Aliada a essa cobertura reduzida dos imunizantes, o movimento antivacina também vem ganhando força, o que pode prejudicar as conquistas dos últimos anos.
Por outro lado, os pesquisadores do CDC afirmam que a vacina contra Covid-19, assim como outros imunizantes futuros, poderão aumentar o número de vidas salvas caso os líderes e a comunidade globais continuem com os esforços para garantir que as vacinas cheguem a todos. Resta saber como os países vão tratar questões de saúde no futuro e se estarão dispostos, de fato, a abrir mão de conflitos políticos para priorizar a vida da população.
[The Lancet 1, 2]