Vai ter harmonia? Usuários buscam no Threads um Twitter com “astral” do Instagram

Nesta reportagem especial do Giz Brasil, conversamos com especialistas sobre o futuro do Threads.Com diferentes perfis de usuários em um mesmo espaço, será que essa conta vai fechar?
Vai ter harmonia? Usuários buscam no Threads um Twitter com "astral" do Instagram
Imagem: Freepik/Reprodução

Há muitos anos, uma única plataforma é a grande rainha quando se fala em rede social de texto: o Twitter. O app do pássaro azul, lançado em 2006, tem quase 400 milhões de usuários ativos. E o Brasil é um dos países com maior número de “tuiteiros” no mundo.

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Porém, com o recente surgimento do Threads, essa liderança foi abalada. Em somente duas horas o novo aplicativo da Meta alcançou 1 milhão de usuários. Os 100 milhões foram conquistados logo na primeira semana.

Somado a isso, temos o fato de que muitas pessoas estão deixando de usar o Twitter. A frequência média de usuários da rede diminuiu após Elon Musk ter comprado a plataforma, segundo uma pesquisa do Pew Research Center.

De acordo com especialistas entrevistados pelo Giz Brasil, o Threads está aproveitando essa lacuna e fazendo muitas pessoas migrarem do Twitter para lá.

Porém, talvez o app não seja tão promissor assim, por uma série de fatores. De fato, muitos ficaram incomodados com mudanças recentes na plataforma antiga e foram atrás da novidade da Meta. Mas as redes sociais não são iguais. Embora os apps sejam parecidos, o Threads tem uma proposta diferente, conforme seus donos.

O app da Meta é basicamente o universo do Twitter, mas com muitas pessoas migradas automaticamente do Instagram. Além disso, o Threads é uma locomotiva sem destino definido.

Ainda não se sabe bem os rumos da plataforma e qual público vai atrair. Com tantos perfis diferentes de pessoas em um mesmo espaço, será que essa conta vai fechar?

Threads flopa ou vinga?

O Threads vai vingar ou “flopar”, como diversos outros apps que tiveram fama pouco duradoura? O Giz Brasil ouviu alguns pesquisadores para entender este potencial conflito psicológico e as perspectivas sobre o futuro do novo produto da empresa de Mark Zuckerberg.

Formato do app pode dar pistas sobre o futuro

Para Mariana Valente, diretora associada do InternetLab, ainda é cedo para dizer se o Threads vai vingar e se realmente será “menos tóxico” que o Twitter, no sentido de fomentar menos conflitos e discursos problemáticos. Em entrevista ao Giz Brasil, ela explica que precisamos entender como as pessoas vão se apropriar da nova rede social.

“Pode haver um grande entusiasmo inicial e depois a rede não pegar. Ou pode ser que estejamos diante de uma situação em que esse efeito de se aproveitar da base de usuários seja algo cada vez mais central na criação de novas plataformas”, diz a pesquisadora, que também é professora de direito na Universidade de Saint Gallen, na Suíça.

Ela se refere ao fato de que boa parte dos usuários do Instagram foram automaticamente direcionados para o Threads. Por isso, há tantas pessoas com caráter menos “tuiteiro” na plataforma, e mais “good vibes”. Ou seja, pessoas pouco interessadas em debates acalorados sobre política e atualidades, possivelmente. Mas para Valente, não temos como prever como as pessoas vão se apropriar de uma tecnologia, e esse desdobramento é importante.

Interface sociotécnica

A pesquisadora cita o exemplo do WhatsApp, que passou a ser usado para as mais diversas funcionalidades, como para fins comerciais e políticos, o que não fazia parte dos planos da empresa, inicialmente. O que podemos observar agora é a arquitetura da rede social e a chamada interface sociotécnica. Segundo a pesquisadora, trata-se da maneira como a plataforma influencia nas interações e diálogos.

“A interface sociotécnica é direcionada e limitada pelas arquiteturas. As restrições, funcionalidades, configurações e recursos do aplicativo podem favorecer ou não a interação entre pessoas desconhecidas, por exemplo. Isso influencia muito no comportamento das pessoas online”, explica a professora.

Ao mesmo tempo, há um grande poder de definição sobre isso controlado por poucos atores. “Essas questões arquitetônicas são fundamentais. Mas a concentração das plataformas nas mãos de algumas poucas empresas lhes garante poder de decisão muito grande sobre isso”, acrescenta Valente.

O Threads tem aparência semelhante ao Twitter, além de ser um app baseado em texto, mas com algumas limitações. Não há opção de enviar mensagens diretas, por exemplo, e não existem as hashtags. A ferramenta de busca também é bastante restrita – você só pode pesquisar usuários já existentes, não dá para buscar por termos ou frases aleatórias, como na maioria das redes.

A ausência de um feed cronológico que mostre tudo o que foi postado pelas pessoas que você escolheu seguir também o torna mais parecido com o Facebook e o Instagram. Ou seja, com um caráter muito menos factual que o Twitter.

Psicanalista aponta confrontos

Mas uma coisa é exatamente igual: o fato de haver limite máximo de caracteres nos posts. Assim como no Twitter, não existe “textão” no Threads. Para o psicanalista e escritor Leonardo Goldberg, que pesquisa sobre a relação das pessoas com as redes sociais, esse fator é determinante para alimentar possíveis confrontos e discursos mais violentos.

“Uma das características fundamentais do Twitter é a redução da linguagem ao máximo, a textos muito curtos, reduzindo as palavras à ordem da imagem, praticamente. Essa estrutura tende a produzir discursos mais diretos e potencialmente mais violentos. Os conteúdos não são contemporizados e reflexivos, isso não existe no Twitter. Por isso, causam efeitos mais intensos”, destaca.

Goldberg é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e também estuda questões éticas. Ele acredita que o novo app tem mais apelo para pessoas que buscam a lógica do Twitter, ou seja, que gostam dessa estrutura de “poucas palavras” e que se interessam por política e notícias. “Parece mais uma competição entre duas redes do que uma inovação”, diz ele.

Segundo Mariana Valente, estudos recentes do InternetLab indicaram que, no Twitter, um dos grandes problemas que motiva o discurso de ódio contra candidatas e candidatos são as interações entre pessoas que não se conhecem.

Antes, a plataforma só mostrava tuítes de usuários que a pessoa seguia. Agora, com a nova aba “Para você”, as interações entre desconhecidos é potencializada.

“Isso favorece que pessoas que não se conhecem se sigam. Mas as interações costumam ser mais tóxicas”, diz a pesquisadora. O InternetLab é um centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia, sobretudo no campo da internet.

Threads quer ser mais “paz e amor”

Fora a integração com o Instagram, que pode ser prática para alguns, o Threads não tem muitos elementos novos, de fato. A rede é nova, mas ela aproveita uma lógica já existente. Por outro lado, os planos da Meta são grandes. Segundo uma publicação de Adam Mosseri, CEO do Instagram, embora notícias e política sejam inevitáveis no Threads, é algo que a Meta “não incentivará”.

Ele também afirmou que o objetivo da nova rede social não é substituir o Twitter, mas sim fomentar o desenvolvimento de uma praça pública com discursos “menos inflamados”. O que a companhia vai fazer para garantir isso ainda é uma incógnita, segundo Lucio Uberdan, que é analista de redes sociais. Para o profissional de marketing, o Threads ainda não mostrou a que veio.

Ele lembra que a Meta tentou frear problemas em outras redes sociais e falhou. “O Facebook é negligente com o impulsionamento de discursos políticos de extrema direita, e o Instagram com os casos de depressão de jovens, por exemplo. Talvez o Threads possa ser mais proativo nesse sentido mas, na prática, isso ainda não foi bem explicado”, destaca.

Uberdan diz que o Threads ainda deve passar por muitas mudanças e melhorias nos próximos meses, o que dificulta as previsões neste primeiro momento. Ele acredita que a rede provavelmente foi lançada às pressas, de modo a competir com o Twitter no momento de fragilidade, além de outros rivais menores, como Bluesky e Mastodon.

“A maior força do Threads é a conversão direta de usuários do Instagram. Por isso, virou uma rede gigante. Mas, na verdade, ele não é inovador. É fácil sair do Instagram e ir para o Threads, mas não sabemos se ele é bom o suficiente para o usuário sair do Twitter”, argumenta o analista.

O que diz a Meta

Em resposta ao contato do Giz Brasil, a assessoria de imprensa da Meta enviou uma nota com informações sobre o Threads e sua proposta. “O objetivo do Threads é criar um espaço público aberto e agradável para conversas. Esperamos trazer o que o Instagram faz de melhor e criar uma nova experiência em torno de texto, ideias e discussão sobre tudo o que você pensa”, diz o material.

O conteúdo também traz dicas de funcionalidades do app, algumas delas herdadas do Instagram. Um exemplo é a opção de adicionar palavras ocultas para filtrar as respostas às suas postagens que contenham palavras específicas.

Sobre possíveis conflitos no Threads, a nota diz o seguinte: “Como manter um clima positivo nos Threads? Além de trazer muitas ferramentas boas do Instagram, como as detalhadas anteriormente, acreditamos que a melhor maneira de se expressar é quando as pessoas se manifestam da mesma maneira que desejam ver os outros fazendo”.

Segundo a postagem de Mosseri, “o objetivo é criar uma praça pública para as comunidades no Instagram que nunca abraçaram o Twitter e para as comunidades no Twitter (e em outras plataformas) que estão interessadas em um lugar menos raivoso para as conversas, mas não todo o Twitter”.

Estratégia comercial

O comunicado também dá indícios de que há razões comerciais por trás da estratégia. “Política e notícias duras são importantes, não quero insinuar o contrário. Mas minha opinião é que, do ponto de vista de uma plataforma, qualquer envolvimento ou receita incremental que eles possam gerar não vale a pena o escrutínio, a negatividade (vamos ser honestos) ou os riscos de integridade que os acompanham”, escreve Mosseri.

De acordo com o executivo, esportes, música, moda, beleza e entretenimento são exemplos de comunidades que são “mais do que suficiente” para garantir uma rede social atrativa aos usuários, sem a necessidade de entrar em “política ou notícias difíceis”.

Mas será que realmente podemos deixar esses temas mais “duros” de fora? Para Goldberg, mesmo no TikTok e no Instagram, o que mais gera curtidas e compartilhamentos são postagens mais polêmicas e “cancelamentos”, como fofoca sobre celebridades e políticos. “É essa amplificação da dimensão do privado, expor quem está traindo quem, por exemplo. A estrutura fomenta isso. Se não ela flopa, cai no esquecimento”, opina o pesquisador.

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