Ex-engenheira do Uber denuncia cultura de assédio sexual dentro da empresa
O Uber já não é conhecido por tratar seus motoristas particularmente bem, mas a coisa piora: de acordo com alegações da ex-engenheira da empresa Susan J. Fowler, o aplicativo de corridas compartilhadas tem uma cultura de misoginia e ameaçou demiti-la após ela relatar um caso de assédio sexual. O CEO do Uber, Travis Kalanick, já respondeu às alegações, dizendo ao Gizmodo, em um comunicado, que “o que ela descreve é abominável e vai contra tudo aquilo pelo qual o Uber se posiciona e em que a empresa acredita”.
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Em um post de blog intitulado “Refletindo sobre um ano muito, muito estranho no Uber”, Fowler alega que, quando começou como Engenheira de Confiabilidade, no fim de 2015, seu chefe a solicitou para fazer sexo. Em suas próprias palavras:
Em meu primeiro dia oficial na rotação da equipe, meu novo gerente me enviou uma série de mensagens pelo chat da empresa. Ele estava em um relacionamento aberto, me disse, e sua namorada estava tendo facilidade em encontrar novos parceiros, mas ele, não. Ele estava tentando se manter longe de confusão no trabalho, mas não conseguia evitar, porque estava procurando por mulheres com quem transar. Era claro que ele estava tentando transar comigo, e saiu tão claramente de controle que eu imediatamente tirei screenshots dessas mensagens e relatei o caso para o RH.
Na primeira vez em que Fowler se encontrou com o RH, ela conta que eles lhe disseram que “embora isso tenha sido claramente assédio sexual e ele estivesse me propondo, essa era a primeira infração deste homem… ele tinha um desempenho muito alto no trabalho”, o que significava que a gerência superior não iria puni-lo com algo além de “um aviso e uma conversa séria”. Ela mudou de equipe. Quando mais tarde ficou amigas de outras mulheres no Uber, ela conta que muitas tiveram experiências similares à sua. Fowler alega que lhe contaram “história sobre relatar exatamente o mesmo gerente que ela havia relatado e que também haviam relatado interações inapropriadas com ele”.
Após isso, alega Fowler, ela e outras mulheres engenheiras do Uber marcaram novas reuniões com o RH “para insistir que algo precisava ser feito”. Ela descreve assim sua reunião:
O representante com quem conversei me disse que ele nunca havia sido relatado antes, que só havia cometido uma infração (nas conversas comigo) e que nenhuma outra mulher com quem se encontraram tinha algo ruim a dizer sobre ele, então nenhuma ação poderia ou seria tomada. Foi uma mentira tão descarada que não havia nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que alguma de nós pudesse fazer. Todas desistimos do RH do Uber e de nossos chefes após aquilo.
Em comunicado enviado ao Gizmodo, o CEO do Uber, Travis Kalanick, prometeu investigar as alegações de Fowler e demitir “qualquer um que se comportasse dessa maneira (denunciada por ela) ou que achasse isso OK”. Abaixo, a declaração de Kalanick:
Acabo de ler o blog da Susan Fowler. O que ela descreve é abominável e vai contra tudo aquilo que o Uber defende e em que a empresa acredita. É a primeira vez que isso vem à minha atenção, então instruí Liane Hornsey, nossa nova chefe de RH, a conduzir uma investigação urgente sobre essas alegações. Procuramos tornar o Uber um ambiente de trabalho justo, e não pode haver espaço algum para esse tipo de comportamento na empresa — e qualquer um que se comporte dessa maneira ou ache isso OK será demitido.
As alegações de Fowler sobre o caos de trabalhar no Uber vai além de denúncias de assédio sexual ignoradas. Ela escreve:
Havia uma guerra política “no estilo Game of Thrones” dentro das fileiras da gerência superior, dentro da infraestrutura de engenharia da organização. Parecia que todo gerente estava lutando contra seus colegas e tentando minar seu supervisor direto para que pudessem tomar seu emprego… As ramificações desses jogos políticos eram significativas: projetos eram abandonados a torto e a direito.
Não apenas isso, mas ela também diz que, após receber uma ótima avaliação de desempenho, pediu novamente para ser transferida de equipe. Seus superiores então teriam lhe dito que “sua avaliação de desempenho e sua pontuação haviam sido mudadas após as availações oficiais terem sido calibradas”, e que agora sua pontuação era negativa, o que significava que ela precisaria permanecer onde estava. Embora o Uber não tenha especificado quais foram os problemas de avaliação que Fowler tinha — ela alega que “completou todos os OKRs dentro do prazo e nunca atrasou uma entrega, mesmo dentro do caos organizacional insano —, a empresa lhe disse para não se preocupar porque não havia consequências na vida real.
Mas é claro que teve, além do impacto em seu salário e na bonificação. Fowler diz que havia sido matriculada em um programa de graduação da Stanford CS, patrocinado pelo Uber, para empregados de alto desempenho, algo para o qual não se qualificava mais, graças à sua nova avaliação ruim. Então, ela descobriu por que isso havia mudado:
Acontece que me manter na minha equipe repercutiu bem para o meu gerente, e o ouvi dizendo ao restante do time que, embora o restante das equipes estivessem perdendo mulheres engenheiras a torto e a direito, ele ainda tinha algumas em seu time.
Após registrar vários outros relatórios de RH por causa desse tipo de tratamento, Fowler diz que seu gerente ameaçou demiti-la porque ela estava se expressando. Quando ela lhe disse que isso era ilegal e reportou o acontecimento ao diretor técnico e, novamente, ao RH, “nenhum deles fez nada”.
“Eu tinha uma oferta de um novo emprego em mãos em menos de uma semana”, ela escreve. Atualmente, Fowler trabalha como engenheira para a Stripe. O Gizmodo entrou em contato com Fowler para perguntar-lhe mais sobre seu período no Uber, mas não recebeu uma resposta imediata.
As novas alegações são mais notícias ruins para o Uber, que não tem tido um grande ano. Após a extremamente bem-sucedida campanha #DeleteUber, que protestou contra a resposta fraca de Kalanick à proibição islâmica e sobre seu envolvimento no conselho consultivo de negócios de Trump, a empresa perdeu 200 mil clientes. Após isso, o CEO cortou laços com o presidente norte-americano, em uma tentativa de recuperar os usuários, mas a empresa aparentemente não está conseguindo evitar escândalos.
A companhia também foi acusada de práticas anti-sindicais, teve que pagar US$ 20 milhões a a funcionários após prometer salários “exagerados” a motoristas, perdeu US$ 2,2 bilhões em 2016, teve um problema de assassinato e nem sempre faz um bom trabalho na condução de denúncias de assédio sexual de seus consumidores.
Em resposta às alegações de Fowler, Kalanick disse: “Procuramos tornar o Uber um ambiente de trabalho justo, e não pode haver espaço algum para esse tipo de comportamento na empresa”. Mesmo se o Uber, de alguma maneira, consertar sua cultura interna de assédio sexual e misoginia, como a empresa pode ser verdadeiramente um ambiente de trabalho “justo” se continua a se negar a tratar seus motoristas como empregados?
Imagem do topo: Getty