Ferramentas para monitorar trabalhadores em home office deveriam ser simplesmente banidas

Com mais gente trabalhando de casa, empresas têm implementado sistemas de vigilância para tentar monitorar e medir produtividade de funcionários.
Escritório de trabalho. Crédito: Getty Images
Crédito: Getty Images

Com a chegada da epidemia global, era óbvio que as pessoas com o privilégio de trabalhar de casa iriam fazê-lo. Mas a capacidade de trabalhar remotamente também veio com um aumento de programas de vigilância no local de trabalho – uma tendência perigosa que deve ser banida antes que seja tarde demais.

A premissa por trás dos programas de vigilância no local de trabalho é simples. Depois que você tirar os funcionários do escritórios, eles vão se descuidar do “tempo de trabalho”. Este tempo “desperdiçado” é igual aos lucros perdidos pela empresa. Portanto, como CEO ou chefe do departamento financeiro, a tentação é usar a tecnologia para garantir que seus funcionários estejam trabalhando. Isso significa instalar programas como Hubstaff, Prodoscore, Time Doctor ou até mesmo um chamado Staff Cop.

Nomes sinistros à parte, o escopo do que esses programas pode rastrear é muito amplo. A maioria pode coletar capturas de tela do laptop, acompanhar quais sites você está visitando, quanto tempo gasta em vários aplicativos e até mesmo os movimentos do mouse.

Alguns vão além, tirando fotos da sua webcam para garantir que você esteja na sua mesa ou até rastreando você via GPS do seu telefone. Essas “métricas” são compiladas em uma “pontuação” que deve informar aos seus empregados o quão produtivo você é — e as implicações subjacentes disso são perturbadoras.

Esses programas não são novos. Estão aí disponíveis há anos, mas desde que começaram os pedidos para as pessoas trabalharem de casa, começou a pintar a ideia de que o trabalho remoto talvez seja a nova norma. De acordo com um relatório do Gartner de abril, quase três em cada quatro diretores financeiros planejam manter alguns trabalhadores afastados permanentemente.

O Facebook disse recentemente que espera que quase metade de sua força de trabalho permaneça remota indefinidamente, enquanto o Google disse que a maioria de seus funcionários trabalhará de casa até 2021. Apenas um em cada quatro americanos pode trabalhar de casa, mas, mesmo assim, esse é um grande número de pessoas.

Em uma reportagem da CNBC, o CEO da Prodoscore — um dos programas de monitoramento de trabalhadores remotos mencionados anteriormente — disse que o novo coronavírus levou a um aumento de 600% no crescimento da empresa. Nesse mesmo artigo, a Hubstaff disse que o número de empresas que testam seus produtos cresceu duas ou três vezes.

Prodoscore compara pontuação de produtividade (à direita) com pontuação de crédito (à esquerda). Crédito: ProdoscoreProdoscore compara pontuação de produtividade (à direita) com pontuação de crédito (à esquerda). Crédito: Prodoscore

Esses programas não são apenas intrusivos, eles sinalizam que os empregadores se preocupam mais com os resultados de que com o bem-estar de seus funcionários. Outro post do Gartner de março observou que, em uma enquete rápida, 76% de todos os líderes de RH disseram que a principal reclamação eram “preocupações dos gerentes sobre a produtividade e o envolvimento de suas equipes quando remotas”, embora observassem que essas preocupações “costumam ser exageradas”.

Porque, honestamente, com a taxa de desemprego atingindo os níveis mais altos em várias partes do mundo, é raro encontrar alguém que não esteja ansioso, preocupados que seus empregos possam desaparecer repentinamente. A ideia de que as pessoas — muitas das quais querem apenas manter um salário fixo no momento – precisa do equivalente tecnológico de seu chefe olhando por cima do ombro para realizar o trabalho é absurda.

Este é o tipo de linha que essas empresas de software esperam que os empregadores paranóicos cruzem para contratar tais soluções. Foi assim que Tommy Weir, CEO da Enaible, descreveu a missão de sua startup de inteligência artificial na revista MIT Review: “Imagine que você está gerenciando alguém e pode ficar parado assistindo-o o dia todo e dando recomendações sobre como fazer melhor seu trabalho. É isso que estamos tentando fazer. Foi isso que construímos”.

A Prodoscore também respondeu dizendo ao Gizmodo que “a empresa é completamente agnóstica, então não tem como saber se um usuário é homem, mulher, velho, jovem, etc”, e eles também esclareceram que “esforços não quantificáveis não são integrados à pontuação, então a ferramenta está capturando atividade nas ferramentas de produtividade, não capacidades pessoais”.

Exceto na avaliação das pessoas sem alma, as pontuações quantificadas são uma maneira fácil de dar às empresas uma falsa sensação de objetividade quando se trata de demissões e promoções, enquanto apaga a responsabilidade.

Quem está validando esses algoritmos para verificar se eles avaliam com precisão a qualidade do trabalho de um funcionário? Quem os revisa regularmente para ver se os vieses inconscientes foram filtrados? Quanto eles são responsáveis por forças não quantificáveis, como habilidades interpessoais, criatividade e solução de problemas?

O Gizmodo entrou em contato com várias empresas de software de monitoramento de funcionários para perguntar como elas garantem que esse programas sejam isentos de preconceitos e como elas respondem por habilidades intangíveis em suas pontuações. A maioria respondeu imediatamente, embora a Time Doctor tenha respondido posteriormente.

“O software da Time Doctor não inclui nenhuma métrica específica de produtividade fora das medidas diretas (por quanto tempo você trabalhou e o que fez enquanto estava trabalhando) e deixamos isso para a empresa interpretar os dados”, disse Liam Martin, cofundador da Time Doctor, ao Gizmodo por e-mail.

Quanto as habilidades intangíveis, Martim diz: “Isso é algo em que procuramos investir mais tempo e recursos, mas até o momento, deixamos as métricas para a empresa, pois a definição de produtividade muda entre as companhias e qualquer definição singular de produtividade sempre apresenta vieses”.

É um caso clássico de comprar gato por lebre. Estes programas prometem “pontuações objetivas” que levarão a “custo-efetividade” e “economia de tempo” — termos que são frequentemente usados como eufemismos para demissões e/ou substituição de trabalhadores humanos por alternativas automatizadas mais baratas. É também uma forma de roubo de salário.

Em 2018, trabalhadores da American Airlines e da Kroger entraram com ações federais e estaduais alegando que seus empregadores estava usando injustamente o software de controle de tempo para deduzir milhares de dólares de seus pagamentos. Enquanto isso, a tecnologia de vigilância de funcionários implementada nos centros de atendimento da Amazon contribuiu diretamente para condições de trabalho notoriamente ruins.

Também é preciso lembrar que espremer trabalhadores para obter cada centavo é sempre desumano, ainda mais nesses tempos. Trabalhadores não são máquinas. Eles têm todo o direito de serem impactados pelo estresse de estarem em uma pandemia global, além de serem vítimas das piores condições econômicas desde a Grande Depressão e pelo trauma emocional de testemunhar a violência policial contra americanos negros e pardos.

Se as pessoas estão lutando para serem “produtivas” agora, não é sem razão ou porque são preguiçosas. Alguém poderia pensar que a comunicação competente e a promoção de um local de trabalho construído com base na confiança seriam vitais durante esses tempos difíceis para manter as pessoas produtivas. Afinal, é algo que já foi dito inúmeras vezes nas publicações de negócio que os CEOs gostam de fingir que leem.

Contanto que você faça seu trabalho, não há absolutamente nenhuma razão além da ganância dos patrões de impor tecnologia de vigilância a seus funcionários. E, se um funcionário não estiver trabalhando, é uma conversa que os chefes devem ter com esse funcionário para descobrir as razões subjacentes e chegar a uma solução, como os humanos costumam fazer.

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