Ciência

Brasileira inicia pesquisa em telescópio da ESO e dá dicas para carreira na astronomia

Para celebrar o Dia da Astronomia, comemorado mundialmente neste 2 de dezembro, o Giz Brasil conversou com Camila Esperança sobre a carreira na astrofísica extragaláctica
Imagem: Camila Esperança/ Twitter/ Reprodução

Era apenas fevereiro de 2023 e Camila Esperança já sabia onde estaria em 2024. Foi nesse mês que a astrônoma recebeu a aprovação para um programa de pesquisa do ESO (European Southern Observatory) no Chile, onde vai trabalhar com o VLT (Very Large Telescope), buscando entender como as galáxias evoluíram até aqui — em uma área da astronomia chamada de astrofísica extragaláctica.

Até então, ela já tinha passado pela graduação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pelo mestrado na mesma instituição, realizado no Observatório de Valongo, e estava quase no fim do doutorado, no instituto ESO de Garching, na Alemanha.

“Minha pesquisa é olhar as galáxias hoje e entender como elas chegaram até aqui, em específico quando certas estruturas se formaram”, explicou a astrônoma ao Giz Brasil. A estrutura mencionada é a barra galáctica, aquela forma alongada e diagonal feita por estrelas que formam a imagem característica de uma galáxia.

“Uma analogia que eu gosto de fazer é:  você vê uma mulher ou um homem com a cabeça branca. Mas você tem que tentar entender quando foi que o primeiro cabelo branco apareceu, porque esse fio marca um momento de maturidade. Então esse foi o meu doutorado: a gente desenvolveu uma metodologia que, pela primeira vez, conseguimos fazer essa medição”.

Camila Esperança

Apesar de não ter astrônomos e pesquisadores como influência na sua família, Camila se interessou pela área observando o céu limpo das fazendas que frequentava na infância, quando morava em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro.

Posteriormente, durante a adolescência, o gosto por matérias como física e matemática fizeram com que confirmasse a vontade de cursar astronomia. Agora, a jovem está às vésperas de sua mudança para o Chile, onde vai trabalhar em um dos telescópios ópticos mais avançados do mundo.

Para enaltecer o Dia da Astronomia, comemorado mundialmente neste dia 2 de dezembro, o Giz Brasil conversou com Camila sobre carreira na área astronômica — e na ciência, em geral. Confira!

Giz Brasil – Como foi buscar uma faculdade para fazer astronomia? 

Camila Esperança – No segundo ano do ensino médio, eu fui procurar onde tinha curso de Astronomia no Brasil. Isso foi em 2012 e, nessa época, a informação na internet era horrível. Tinham duas universidades: UFRJ e USP. [Hoje, a Universidade Federal de Sergipe também oferece o curso de astronomia]

Na época, minha família inteira foi pro Rio visitar o campus da astronomia, o Observatório do Valongo. Não tinha falado com ninguém da UFRJ e a gente foi super bem recebido, mostraram tudo do lugar, falaram sobre o curso e falaram sobre a carreira. Deram muita atenção.

Acabou que eu entrei na graduação da UFRJ, ainda sem saber muito bem se eu queria. Porque gente que não tem família com carreira acadêmica, não sabe o que é, né? É uma grande nuvem o “fazer pesquisa”. Mas eu gostei e decidi fazer até o doutorado.

Giz Brasil – A graduação em astronomia é o único caminho para seguir na área?

Camila Esperança – Na verdade, para seguir carreira em astronomia, não precisa fazer a graduação em astronomia. Migrar na pós-graduação é super rápido. Por exemplo, na federal do Rio Grande do Sul tem física com ênfase em astrofísica e eu acho também no Ceará

Por isso, tem que olhar bem a grade. A UFRJ tem o curso de astronomia mais antigo do Brasil e a grade dele é composta por física e astronomia. A gente tem até uma facilidade para tirar um duplo diploma, se quiser. Eu acho que são seis matérias de diferença entre um curso e outro, então em um semestre você pode tirar o duplo diploma. 

Quando você vê as graduações em física com ênfase em astrofísica, muitas vezes é um curso similar ao de astronomia. E o curso de física já é o suficiente para você fazer um mestrado em astronomia, também.

 

Giz Brasil – Você se encontrou no curso de astronomia desde o começo?

Camila Esperança – Muita gente entra na faculdade achando que nunca mais vai fazer matérias que não gosta. O que é uma noção muito errada, né? Mas eu já tinha irmãs na faculdade e elas já me traziam um pouco mais a realidade de que os primeiros anos não são exatamente o resto da sua vida. Então eu acho que fui muito paciente.

Quando eu entrei, só conhecia o caminho de pesquisa. Então eu pensei: vou fazer pesquisa e, para isso, tenho que fazer graduação, mestrado e doutorado. Eu sabia que os dois primeiros anos não seriam exatamente uma boa representação da minha carreira. Eu estava ali, estava estudando e passando nas matérias. Quando eu comecei a fazer pesquisa, que foi no terceiro ano, aí eu gostei. Aí eu falei: tá, eu gosto disso aqui. Comecei a ir em conferências, comecei a ver um pouco mais dessa parte mais profissional da astronomia como pesquisadora.

 

Giz Brasil – Quais as possibilidades de atuação profissional de um astrônomo?

Camila Esperança – Após a graduação, você está apto para trabalhar em um planetário, por exemplo na parte de recebimento do público ou na direção. Mas não existem muitos planetários, muita oferta nessa área. Outra possibilidade é trabalhar com empresas de satélites, que contratam muitos astrônomos por noção de dinâmica newtoniana. Também é possível fazer divulgação científica de forma autônoma. 

E tem gente que faz o curso, mas sai da área de astronomia depois da graduação para ser cientista de dados. No Brasil, a gente não tem uma formação de cientista de dados, e os astrônomos trabalham muito com isso, então a gente tem habilidades que são boas para esse mercado.

 

Giz Brasil – E na área de pesquisa? Como você chegou na Alemanha e, agora, no Chile?

Camila Esperança – Na graduação eu já comecei a fazer pesquisa, fiz vários estudos dirigidos em diferentes áreas. E já gostei mais da astrofísica extragaláctica. Geralmente, na carreira acadêmica, durante a graduação e o mestrado o seu orientador tem um projeto no qual você trabalha. E aí você se familiariza com o projeto, aprende sobre a área e aí chega um momento que você aprende o suficiente para fazer perguntas você mesmo. Você tem que estar bem assim a par da que tá acontecendo hoje para você começar realmente a contribuir.

No doutorado, seu orientador pode propor um projeto e, dependendo da sua maturidade científica acadêmica, você também pode propor algo. No meu caso foi um mix dos dois,  porque eu entrei com outro projeto que o meu orientador já tinha proposto e, com o caminhar do doutorado, a gente foi mais para essa área da minha pesquisa.

Eu me apliquei para vários lugares e um deles foi a ESO, que é o maior Observatório terrestre do mundo. Então ela não tem satélites, é uma agência intergovernamental financiada por vários governos europeus.

Ela é um instituto, não uma universidade. E para conferir grau de doutora, eu preciso também me associar a uma universidade. Então a universidade que eu tenho a minha graduação de doutorado é a LMU (Ludwig Maximilian University of Munich), que tem um acordo com a ESO.

Então tem um edital que abre uma vez por ano, se eu não me engano, que você manda o seu currículo, comprovante proficiência em inglês e dissertação de mestrado. E aí eles selecionam uma lista de candidatos para entrevista, que você apresenta sua experiência se pesquisa e mostra por que é um bom candidato. Também tem entrevistas individuais com quem você gostaria de trabalhar, o orientador. E foi isso.

Eu fiz o doutorado na Alemanha, sem vínculo com o governo brasileiro. Acho que isso é uma dúvida que muitas pessoas têm: não é igual ao doutorado sanduíche, que você pode ir, mas o governo brasileiro que tá financiando. Mas depende não só do país mas do instituto.

O pós-doc é um pouco diferente, porque você é contratada para trabalhar sozinha [sem orientador] em um projeto, que pode já existir ou pode ser uma proposta sua. Então você tem que demonstrar que você sabe como investigar isso, quais dados você precisa é que você tem uma base boa para contribuir nessa pesquisa. Esse foi o meu caso.

Para a ESO Chile, eu propus três projetos para o período de quatro anos de pesquisa. E tenho flexibilidade. Vou morar em Santiago e o telescópio que eu vou trabalhar, o VLT, fica em Cerro Paranal.

 

Giz Brasil – Depois do VLT, no Chile, quais os próximos passos?

Camila Esperança – Olha, nesse momento, eu não tô pensando em muita coisa. Eu tô expandindo as minhas pesquisas, tô expandindo as pessoas com quem eu trabalho, porque eu tô entrando em várias colaborações internacionais e eu tô muito contente onde eu tô agora. É um fellowship que eu sempre quis, eu adoro observar, adoro ir para o telescópio. Mas o processo de aplicar para pós-doutorado é tão incerto que eu já entendi que não adianta ter um plano muito sólido. Por isso, meu plano agora é ficar os quatro anos em Santiago.

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Além da carreira de pesquisadora, Camila também busca divulgar informações em duas frentes. No podcast Astronomia em Meia Hora, ela fala sobre o universo astronômico — e tem episódio sobre dicas para quem se interessa pela áreaEla também está disponível no Instagram, pelos perfis @astronomacamila e @astronomiaemmeiahora.

Bárbara Giovani

Bárbara Giovani

Jornalista de ciência que também ama música e cinema. Já publicou na Agência Bori e participa do podcast Prato de Ciência.

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