Censura à liberdade de expressão? Google e governo duelam na PL das fake news

Entenda quais são os pontos de vista do Google e Meta e apoiadores da PL da Fake News, proposta que entra em votação na Câmara nesta terça-feira (2)
Censura à liberdade de expressão? Google e governo duelam na PL das fake news
Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado/Reprodução

Plataformas digitais, como Google e Meta, estão em campanha contra o projeto de lei 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. Nesta terça-feira (2), dia em que a proposta entra em votação na Câmara dos Deputados, a página inicial do Google exibiu uma tarja que dizia como o texto “pode aumentar a confusão no Brasil”. 

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Em carta aberta, o Google afirma que o PL protege quem produz desinformação e “coloca em risco o acesso e distribuição gratuita de conteúdo na internet”. A companhia tirou o aviso da página inicial depois que a Senacom (Secretaria Nacional do Consumidor) ameaçou multá-la em R$ 1 milhão por hora. 

Na internet, criadores de conteúdo relataram que o YouTube Studio lançou alertas sobre os “riscos” do PL. Em resposta, o MPF (Ministério Público Federal) de São Paulo determinou que o Google explique as ações contrárias ao projeto em até 10 dias. 

O órgão também pediu que a Meta esclareça como funciona a difusão de publicidade em suas plataformas (Facebook e Instagram). A companhia de Mark Zuckerberg também é contrária à aprovação ao argumentar que o projeto torna o ambiente digital “confuso” e “insustentável”. 

No final da tarde desta terça, a Superintendência Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instaurou um procedimento preliminar de inquérito contra o Google e Meta por “abuso de posição dominante”. O órgão vai apurar a postura das empresas ante o PL.

Google e Meta não são os únicos contrários ao PL. Um levantamento do Núcleo Jornalismo mostrou que o TikTok passou a recomendar vídeos que desinformam sobre o projeto, mesmo os com poucas visualizações, que dificilmente apareceriam nas recomendações da plataforma. 

As redes estão ao lado dos que classificam a proposta como “PL da Censura” e afirmam que pode comprometer a liberdade de expressão no país. Na prática, o projeto cria regras para criminalizar a divulgação de conteúdo falso e responsabilizar as redes pelo conteúdo de terceiros veiculados nas plataformas – o que afeta essas empresas diretamente. 

O que diz o PL das Fake News 

Em tramitação desde 2020, a proposta foi criada por Alessandro Vieira (PSDB-SE) para conter notícias falsas durante a pandemia. Mas ganhou outros contornos e, se aprovada na íntegra, terá poder para regular as big techs no Brasil. 

A última versão do projeto, entregue pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) na semana passada, exige reparação de danos causados a usuários de redes sociais em casos específicos. São eles: 

  • quando o dano é causado por conteúdo criado por terceiros, mas impulsionado na plataforma via publicidade paga;
  • quando conteúdos criados por terceiros são criminosos e as empresas não cumprem a obrigação de identificá-los e excluí-los de forma proativa 

Essa é uma resposta à violência propagada por grupos extremistas nas redes sociais, que incentivam ataques a escolas e/ou atos que fragilizam as instituições democráticas, como a invasão aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, em Brasília. 

Outra exigência do PL é que as plataformas identifiquem, analisem e prestem contas sobre seus algoritmos e serviços de forma constante, em um esforço de transparência sobre a atuação no país.

“Pouco se sabe como se dá a operação das plataformas digitais”, disse Silva, ao Fantástico. “Mas a internet não pode viver no mundo das sombras. É necessário que haja transparência porque se há monetização, deve haver também responsabilidade de quem ganha dinheiro com isso”. 

Manifestações 

Antes da votação do PL das Fake News na Câmara, grupos dissonantes sobre a proposta se manifestaram em Brasília. A organização Avaaz enfileirou 35 mochilas vazias em frente ao Congresso, em homenagem aos 35 jovens mortos em ataques a escolas brasileiras desde 2012. 

Enquanto isso, um grupo foi ao Aeroporto de Brasília pedir pela rejeição do que chamam de “PL da Censura”. Em um vídeo, os manifestantes afirmam que apenas países autoritários tomariam a mesma decisão. 

Censura? 

Apesar da campanha contrária argumentar que o PL reforça a “censura”, o projeto deixa claro que a liberdade de expressão e o acesso à informação são direitos dos usuários online. 

O texto também afirma que nenhuma das medidas geram restrição ao “livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”. 

Além disso, políticos em cargos eletivos, como presidente e parlamentares, não poderão restringir a visualização de suas publicações. Se aprovado, eles também ganham “imunidade parlamentar” nas redes – o que é um dos pontos mais polêmicos da proposta. 

O motivo: pesquisas mostram que os próprios políticos podem promover desinformação. Quando isso acontece, há uma “amplificação” das fake news. O trecho não está claro, mas se sabe que Arthur Lira (PP-AL) é um dos principais defensores do artigo. 

Outra razão para que pessoas contrárias ao PL relacionem o texto com “censura” é a criação de um novo tipo penal: a promoção ou financiamento de mensagens falsas que possam comprometer o processo eleitoral ou causar dano à integridade física. 

Em outras palavras, se comprovado que alguma mensagem impulsionada causou um incidente do tipo, o responsável pelo pagamento e/ou promoção pode ficar preso por 1 a 3 anos e pagar multa. A questão deve render horas de discussão no plenário nesta terça-feira (2). 

O que diz o Google

Além da carta aberta, o Google emitiu um comunicado à imprensa na tarde desta terça-feira (2). O texto lança preocupações sobre o PL e sua urgência em entrar em votação. Leia na íntegra.

“Apoiamos discussões sobre medidas para combater o fenômeno da desinformação. Todos os brasileiros têm o direito de fazer parte dessa conversa e, por isso, estamos empenhados em comunicar as nossas preocupações sobre o Projeto de Lei 2630 de forma pública e transparente. Destacamos essas preocupações em campanhas de marketing em mídia tradicional e digital, incluindo em nossas plataformas.

Também reforçamos este posicionamento no blog oficial do Google e na página inicial da Busca, por meio de uma mensagem com link sobre o PL 2630. São recursos que já utilizamos em diversas ocasiões, incluindo para estimular a vacinação durante a pandemia e o voto informado nas eleições.

É importante ressaltar que nunca alteramos manualmente as listas de resultados para favorecer a posição de uma página de web específica. Não ampliamos o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis. Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google.

Acreditamos que o projeto de lei e seus impactos devem ser debatidos de forma mais ampla com toda sociedade. Assim como diversos grupos e associações que se manifestaram a favor do adiamento da votação, entendemos que é preciso mais tempo para que o texto seja aprimorado e seguimos à disposição de parlamentares e autoridades públicas para esclarecer quaisquer dúvidas sobre como nossos produtos funcionam”.

– Google, por e-mail. 

Julia Possa

Julia Possa

Jornalista e mestre em Linguística. Antes trabalhei no Poder360, A Referência e em jornais e emissoras de TV no interior do RS. Curiosa, gosto de falar sobre o lado político das coisas - em especial da tecnologia e cultura. Me acompanhe no Twitter: @juliamzps

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