Cientistas revivem micróbios que estavam em sedimentos de 100 milhões de anos no fundo do mar

Os cientistas reviveram micróbios encontrados no fundo do mar, mais especificamente no Giro Pacífico do Sul, em sedimentos de 100 milhões de anos.
Imagem de micróbios de 101,5 milhões de anos que foram "resuscitados" pelos cientistas. Crédito: JAMSTEC
Imagem de micróbios de 101,5 milhões de anos que foram "resuscitados" pelos cientistas. Crédito: JAMSTEC

Cientistas reviveram micróbios encontrados no fundo do mar em sedimentos de 100 milhões de anos, expandindo dramaticamente nossa visão de onde vida na Terra pode chegar e há quanto tempo ela existe.

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Uma equipe internacional de cientistas liderada pelo geomicrobiologista Yuki Morono, da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia Terra-Marinha, reviveu micróbios extraídos de sedimentos do fundo do mar, onde há pouca energia, datados de 101,5 milhões de anos atrás.

Sob condições de laboratório, esses micróbios voltaram à vida, recebendo alimentação e se multiplicando. Depois de suportar condições de baixa energia por milhões de anos, esses micróbios — um tipo de bactéria — ainda conseguiam “reter seu potencial metabólico”, de acordo com a nova pesquisa, publicada nesta terça-feira (28) na Nature Communications.

“Mais uma vez, este novo estudo amplia nossa visão da biosfera habitável da Terra e a capacidade de os micróbios sobreviverem em condições abaixo do ideal”, afirmou Virginia Edcomb em um e-mail. Edcomb é geóloga da Instituição Oceanográfica de Woods Hole e não participou do novo estudo. “Ele também amplia nossa visão de onde a vida microbiana viável contribui para a troca de carbono e outros nutrientes na biosfera profunda.”

Anteriormente, os cientistas disseram que haviam recuperado e revivido esporos bacterianos de cristais de sal de 250 milhões de anos encontrados na Formação Salado, da idade Permiana, no Novo México (EUA). Alguns especialistas discordam desta conclusão, dizendo que as amostras foram contaminadas, entre outras questões. Em 1995, os cientistas reviveram um esporo bacteriano de uma abelha preservada em âmbar datada entre 25 milhões e 40 milhões de anos.

Expedição de cientistas no Giro do Pacífico Sul. Crédito: IODP JRSOExpedição de cientistas no Giro do Pacífico Sul. Crédito: IODP JRSO

Os micróbios revividos no novo estudo são das amostras de sedimentos marinhos mais antigas já estudadas, explicou Morono em um e-mail. Além disso, os pesquisadores “viram diretamente o renascimento microbiano através da incorporação de nutrientes adicionados”, e uma grande fração dos micróbios “não eram formadores de esporos”, acrescentou. Nesse caso, os micróbios despertados imediatamente seguiram suas atividades microbianas, consumindo alimentos e participando da divisão celular. Esporos bacterianos, por outro lado, precisam voltar ao estado reprodutivo.

As amostra de sedimentos contendo os micróbios foram extraídas há 10 anos na planície abissal do Giro do Pacífico Sul. Essas amostras foram retiradas de profundezas que atingiam 75 metros abaixo do fundo do mar e datavam de 13 milhões a 101,5 milhões de anos. Foi detectado algum oxigênio nessas camadas profundas, mas praticamente nenhum material orgânico como o carbono (isto é, alimento para os micróbios).

Mapa mostrando os locais de expedição. Crédito: : Y. Morono et al., 2020
Mapa mostrando os locais de expedição. Crédito: Y. Morono et al., 2020

Essa parte do oceano contém algumas das águas mais claras do mundo, devido a baixas concentrações de fitoplâncton na superfície do mar, que normalmente afundam e fornecem alimentos para micróbios do fundo do mar. Como a neve marinha, como é chamada, é muito leve nesta região, a formação do sedimento do fundo do mar é excepcionalmente lenta, a uma taxa insignificante de cerca de 1 a 2 metros a cada milhão de anos. O principal objetivo do novo estudo era verificar se a vida poderia resistir em um ambiente sem nutrientes e, em caso afirmativo, por quanto tempo esses micróbios poderiam sobreviver com praticamente nenhum alimento.

De volta ao laboratório, esses micróbios foram incubados e receberam uma dieta constante de substratos marcados com isótopos, compostos de carbono e nitrogênio. Um aspecto extremamente importante do estudo foi rastrear o consumo microbiano desses alimentos adicionados, daí os substratos estáveis marcados com isótopos.

Uma da amostras obtidas pelos cientistas no Giro Pacífico do Sul. Crédito: JAMSTECUma da amostras obtidas pelos cientistas no Giro Pacífico do Sul. Crédito: JAMSTEC

Dentro desse ambiente acolhedor de laboratório, os micróbios, incluindo os extraídos das amostras mais antigas de sedimentos, responderam quase imediatamente. Ao longo de 68 dias, os pesquisadores observaram espantados as populações aumentarem de tamanho em mais de quatro ordens de magnitude. Mais de 99% dos micróbios encontrados nas amostras voltaram à vida, resultado que até chocou os cientistas.

Nas profundezas do fundo do mar, “os nutrientes são muito limitados”, de modo que os micróbios estavam “quase no estado de ‘jejum’”, disse Morono. “Portanto, é surpreendente e biologicamente desafiador que uma grande fração de micróbios possa ser revivida de um período muito longo enterrados ou presos em condições extremamente baixas de nutrientes/energia.”

Usando o perfil de DNA e RNA, os pesquisadores identificaram os micróbios como bactérias aeróbicas, que adoram o oxigênio. Os autores também descartaram a possibilidade de contaminação, dizendo que praticamente não há permeabilidade entre as espessas camadas do fundo do mar.

Jennifer Biddle, professora associada da Escola de Ciências e Políticas Marinhas da Universidade de Delaware, não viu problemas de contaminação. “Se eu recebesse uma amostra preciosa de material marciano com o qual pudesse provar conclusivamente que há evidências de vida em outro planeta, daria a Yuki Morono”, disse Biddle, que não esteve envolvida nesta nova pesquisa.

Estes micróbios “provavelmente foram enterrados” nos sedimentos no Giro do Pacífico do Sul, e “eles ou seus descendentes persistem lá desde então”, disse Edgcomb. Esses micróbios estavam em um estado de animação suspensa ou as “células originais conseguiram se dividir ocasionalmente desde que foram enterradas, e estão olhando para a enésima geração [indeterminada] das células originais”, disse ela. Edgcomb disse que permanecem questões em aberto sobre “por quanto tempo diferentes tipos de microrganismos podem sobreviver em um estado de dormência sem se dividir”.

Reviver micróbios antigos parece um pouco assustador, dado o que não sabemos sobre germes antigos. Quando perguntado sobre os riscos e quaisquer precauções de segurança adotadas para o experimento, Morono disse que “o sedimento no subsolo é considerado de baixo risco para a saúde, já que nenhum hospedeiro infectante, como um humano, existe neste ambiente”. No entanto, “temos lidado com os micróbios o tempo todo na sala limpa” e todas as amostras foram mantidas em laboratórios — um ambiente de nível 1 de biossegurança — o tempo todo.

Edgcomb não viu problemas com a segurança, dizendo: “Como ecologista microbiano marinho, não vejo nenhum problema de segurança nas experiências que eles realizaram”.

Sobre como esses micróbios foram capazes de permanecer em estado de hibernação por tanto tempo, Morono disse que não tem certeza, mas espera que as novas descobertas “estimulem discussões sobre esse assunto” e, finalmente, uma identificação dos mecanismos de sobrevivência necessários para os micróbios permanecerem dormentes em vastas escalas de tempo geológicas.

“O que é realmente surpreendente neste estudo é que esse sedimento contém oxigênio. Como todos nós que nos esforçamos para ter dietas cheias de antioxidantes, sabemos que o oxigênio é um agente de degradação, por isso é impressionante a sobrevivência a longo prazo”, disse Biddle. “No entanto, não sabemos o que a célula está realmente vendo no sedimento; pode haver pequenas gaiolas de habitat com pouco oxigênio que melhoram a sobrevivência.”

O novo estudo também reforça a importância do carbono orgânico como fonte de alimento para os micróbios que vivem no fundo do mar — uma descoberta lamentável na avaliação de Biddle.

“É um pouco decepcionante, considerando que estamos descobrindo de novo e de novo que o subsolo depende da superfície para sua alimentação”, disse Biddle. “Ainda aguardo um micróbio sedimentar subsuperficial que seja autossuficiente!”

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