Cineasta russo expõe feridas internas da Rússia na guerra e pede anonimato

Em carta ao site Deadline, profissional ressaltou o papel da indústria do cinema russo na resistência ao autoritarismo do Kremlin. Aqui estão os principais pontos
Rússia

Para além do enorme impacto humanitário da invasão russa na Ucrânia, as consequências do conflito já reverberam também na indústria cultural. Um exemplo são os principais estúdios de Hollywood, que interromperam seus lançamentos nos cinemas russos, além da Netflix e outros streamings, que deixaram de oferecer seus serviços e cancelaram estreias no país.

Bailarinos brasileiros deixaram o balé russo por conta da guerra, e os Festivais de Cinema de Cannes, Veneza e Berlim anunciaram que não vão receber delegações russas. À medida que as grandes empresas de entretenimento impõe sanções à Rússia, o país enfrenta um período de isolamento que há muito não se via. 

Pensando em analisar esse cenário, o site Deadline convidou um cineasta russo para escrever uma coluna discutindo sua perspectiva sobre o atual momento. A pedido do veículo, nomes (inclusive o do autor) foram omitidos, por medo de represálias do governo de Putin — que tem agido firme contra críticas e opositores.

Segundo a coluna, a situação “não é absolutamente nada se comparada ao mundo em colapso de nossos vizinhos e amigos na Ucrânia, onde muitos de nós temos familiares e entes queridos, que estão sendo bombardeados enquanto falamos. Não chega nem perto”. 

O cineasta completa dizendo que a sensação é avassaladora, e que a guerra está sendo travada em duas frentes. “Uma no território da Ucrânia, cuja unidade e perseverança durante esses tempos sombrios causa inveja nos russos que discordam das ações de seu governo. E depois há a outra guerra, aquela travada pelo governo da Rússia contra seu próprio povo, contra aqueles que não são as vítimas cotidianas da máquina de propaganda dominante e em rápido crescimento”, explicou. 

Outro ponto diz respeito ao impacto que a guerra pode ter na relação entre o cinema russo e outras indústrias fortes do resto do mundo. Tudo o que toda uma geração conquistou nos últimos 10 anos, as pontes construídas com colegas nos EUA e na Europa, foram todos no interesse de criar laços e alianças de longo prazo, mas também no interesse de viver em um ambiente melhor. A Rússia realmente se tornou parte de uma indústria cinematográfica global”. 

E claro, também explicou sobre o boicote da indústria cultural contra a Rússia. “O mundo está chamando para boicotar e cancelar a Rússia e a cultura russa junto com ela, em sua totalidade. Mesmo contra aqueles que, durante anos, escolheram a arte como meio de protesto contra o regime de Putin, na esperança de criar unidade entre pessoas mais parecidas e ampliar horizontes”. 

“Por um breve momento, fizemos exatamente isso, e o cinema autoral e de oposição da Rússia foi recebido de braços abertos e em todo o mundo. Aqueles que realmente se importavam com a direção em que o país estava se movendo e fizeram tudo o que podiam sobre isso, agora também estão sendo boicotados. Não teremos escolha a não ser enfrentar o regime totalitário em que agora nos encontramos vivendo; nosso ponto de vista é rejeitado em ambos os lados do espectro”, completou. 

Não tenho vergonha de ser da Rússia e me recuso a ser. É um país com uma grande história e uma grande cultura. Mas tenho vergonha de que eles – os agressores e as pessoas que tomam essas decisões em nome de seu povo – sejam russos. Eles não merecem ser.

O cineasta também destacou a influência da cultura russa no cinema moderno, relembrou alguns nomes russos que fizeram história na indústria — apontando que, sem essa participação, tudo teria sido dramaticamente diferente. 

“Não é a primeira vez em sua história que a Rússia está entrando em uma nova era de propaganda pró-governo no cinema e uma indústria inteiramente controlada pelo Estado. Mas essas vozes ainda dispostas a falar e dispostas a assumir riscos reais de dentro desse sistema devem ser apoiadas […] na comunidade cinematográfica, que sempre foi conhecida por defender a liberdade. Cineastas precisam ter a chance de apresentar seus filmes para um público internacional, pois talvez não possam mais lançá-los em casa. Não se trata de andar em tapetes vermelhos. É sobre passar a mensagem”, explicou. 

E para fechar, fez um pedido de ajuda, um apelo, ao restante do mundo. “A arte continua poderosa e impactante, não importa quão sombrios sejam os tempos. Agora é a hora de nos unirmos — aqueles que ainda podem — e jogarmos tudo o que temos neles. Porque, se nosso cinema, teatro e música podem convencer pelo menos uma pessoa de que ela não está sozinha e que ainda existe uma resistência, então, estamos um passo mais perto de recuperar nosso país, ou pelo menos nossa sensação de liberdade. Não podemos fazer isso sozinhos, sem a ajuda do resto do mundo”, finalizou a coluna. 

Rayane Moura

Rayane Moura

Rayane Moura, 26 anos, jornalista que escreve sobre cultura e temas relacionados. Fã da Marvel, já passou pela KondZilla, além de ter textos publicados em vários veículos, como Folha de São Paulo, UOL, Revista AzMina, Ponte Jornalismo, entre outros. Gosta também de falar sobre questões sociais, e dar voz para aqueles que não tem

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