Ciência

Como funciona a cirurgia bariátrica em crianças no Brasil; é aconselhável?

O Giz Brasil conversou com especialista da Abeso sobre o tema; no país, a orientação de cirurgia bariátrica é para crianças e adolescentes com mais de 16 anos
Imagem: i yunmai/ Unsplash/ Reprodução

O Brasil pode ter até metade das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2024. O número é resultado de um aumento contínuo da incidência da condição entre os jovens no país, que será de 1,8% entre 2020 e 2035, de acordo com os dados.

É um crescimento alto, considerando que o atlas de 2020 contabilizou 34% da população de crianças e adolescentes afetadas pelo IMC (Índice de Massa Corporal) elevado. 

Para a endocrinologista infantil do departamento de Pediatria da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), Louise Cominato, os dados são reflexo de uma mudança no estilo de vida dos brasileiros. Por isso, os tratamentos indicados devem, inicialmente, tocar neste aspecto.

“Comer menos comida processada e mais comida natural. Tentar desembalar menos e descascar mais, e fazer mais atividade física”, explica a médica. Além disso, há também tratamentos medicamentosos que auxiliam no processo de perda de peso das crianças e adolescentes.

Como é a cirurgia bariátrica em crianças

Mas, em último caso, quando os tratamentos clínicos não oferecem o resultado esperado, a cirurgia bariátrica é uma opção. Conhecida também como cirurgia de redução do estômago, ela altera o formato do órgão, reduzindo sua capacidade de um litro a 1,5 litro de alimentos para algo em torno de 25 a 200 mililitros.

Além disso, algumas maneiras de realizar o processo podem interferir também no intestino. Em geral, além de diminuir a quantidade de comida que uma pessoa consegue ingerir, também afeta a produção do hormônio da saciedade.

Como o procedimento é invasivo, há diversos critérios que precisam ser preenchidos antes que um paciente adulto se torne elegível para a cirurgia bariátrica – e para crianças acontece o mesmo, com a idade sendo um fator crucial.

E no Brasil?

No Brasil, os critérios de indicação da cirurgia bariátrica para esse público são mais rígidos que para adultos. De acordo com a Abeso, um adolescentes deve ter IMC acima 50 kg/m2 independente de comorbidades ou acima de 40 kg/m2 caso tenha alguma comorbidade.

Em relação a idade, a resolução 2.131/ de 2015 do CFM (Conselho Federal de Medicina) permite a cirurgia para adolescentes entre 16 e 18 anos, mas recomenda a avaliação individual de cada caso.

O procedimento só acontece nesse contexto quando o jovem já teve a consolidação das cartilagens nas epífises de crescimento dos punhos, sob autorização dos pais ou responsáveis e com a presença de um pediatra na equipe multidisciplinar de médicos que acompanha e realiza a preparação e a cirurgia.

Além disso, há várias opções de técnicas para a cirurgia. Mas como a Gastrectomia Vertical não tem desvio intestinal. Por isso, causa menos prejuízos à absorção de nutrientes do paciente. Assim, é a mais recomendada pela literatura científica internacional e tem sido realizada com mais frequência para adolescentes.

Exceções

Há ainda exceções às orientações. De acordo com a dra. Louise Cominato, em casos especiais a cirurgia bariátrica pode ser feita antes dos 16 anos. Contudo, é necessário uma equipe multidisciplinar e um centro médico de excelência para que exista essa possibilidade.

“Eu coordeno o Instituto da Criança do Hospital das Clínicas e aqui nós temos algumas crianças que foram pra cirurgia bariátrica antes dos 16 anos. Mas todas elas com indicação: com obesidade grave, comorbidades importantes e todas elas já estavam no final do desenvolvimento”, conta Cominato.

Este é um fator importante para a elegibilidade de um adolescente. Como estão passando pelo período de crescimento e pela puberdade, realizar um procedimento invasivo e com implicações para o resto da vida pode afetar esse processo. “É diferente uma criança de 14 anos, por exemplo, que ainda está em fase de crescimento”, explica Cominato. 

Nos EUA

No início de 2024, o Children’s Hospital Los Angeles, nos EUA, anunciou a abertura de um programa de cirurgia bariátrica para crianças e adolescentes que estão dentro dos critérios em que o procedimento é indicado.

No comunicado, o hospital afirmou que “a cirurgia pode ser uma opção para jovens com idade tão baixa quanto 10-12 anos que atendam a certos critérios de IMC e outros fatores”. Contudo, para Cominato, isso é impensável no Brasil.

Ao Giz Brasil, ela conta que o último consenso da Academia Americana deixa em aberto a idade, mas dá a entender que a bariátrica pode ser feita a partir de 13 anos.

“[Fazer a cirurgia com] 13 já é discutível, seria em casos muito particulares. Por exemplo, uma menina de 13 anos pode ser que já tenha menstruado e esteja no final do crescimento. Mas um menino de 13 anos em geral está no pico da velocidade de crescimento”, explica a especialista.

Por isso, ela reitera que a posição da Abeso é de que a cirurgia bariátrica seja feita a partir dos 16 anos.

Alternativas antes da cirurgia bariátrica

“Hoje em dia existem vários medicamentos que a gente pode usar, que são mais efetivos na criança e no adolescente do que no adulto. Daria para conseguir um bom resultado antes de ir para cirurgia bariátrica”, afirma Cominato.

Além da medicação, existem estratégias realizadas em conjunto por médicos e pais ou responsáveis da criança que podem evitar o procedimento. 

“A gente sabe, por exemplo, que uma criança que tem os pais com obesidade tem 70% de chances de ter obesidade. A partir do momento que ela chega no consultório do pediatra, é preciso pensar em uma alimentação adequada. Para evitar que ela desenvolva a condição”, explica a médica.

Ela afirma que o aleitamento materno faz parte desse processo, assim como evitar a introdução de doces e bebidas açucaradas. Além disso, a especialista aponta políticas públicas que podem auxiliar na diminuição de crianças e adolescentes com obesidade.

Por exemplo, a nova rotulagem dos alimentos faz parte do processo. Contudo, há outras possibilidades, como a taxação de bebidas açucaradas e ultraprocessados, junto ao incentivo às atividades físicas.

Bárbara Giovani

Bárbara Giovani

Jornalista de ciência que também ama música e cinema. Já publicou na Agência Bori e participa do podcast Prato de Ciência.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas