Como um engenheiro resolveu a morte mais famosa da Austrália após 75 anos

Morte de homem desconhecido em 1948, ganhou novos detalhes agora, mais de 75 anos depois - graças a uma mãozinha da tecnologia
Imagem: James Durham (via IEEE Spectrum)

“Somerton Man” é como ficou conhecido o caso policial mais famoso envolvendo uma morte na Austrália. O mistério, solucionado só agora, 75 anos depois, começou em 1º de dezembro de 1948, quando um homem foi encontrado morto na praia de Somerton, ao sul do país. 

Vestido de paletó e gravata, o homem aparentava ter 40 anos. Ele foi visto mais cedo no mesmo dia de sua morte, deitado na areia. Depois do óbito, a polícia distribuiu uma fotografia e tentou encontrar familiares, mas ninguém apareceu para buscar o corpo. 

O local da morte fez com que a polícia concluísse o caso como suicídio – apesar de não haver nenhum sinal de que foi isso que aconteceu. Uma necropsia identificou sangue no estômago, uma marca comum de envenenamento. Mesmo assim, ninguém conseguiu identificar qual veneno o teria matado e não havia nenhum sinal de violência.

A falta de um desfecho fez com que a história ganhasse força na região. Somerton fica no interior da cidade de Adelaide, uma cidade que hoje tem pouco mais de 1,2 milhão de habitantes. À época, porém, a população era muito menor, o que impulsionou a criação de lendas. 

Agora, a tecnologia ajudou a desvendar o caso – ou, pelo menos, uma parte dele. Levado pela curiosidade sobre a morte mais famosa da Austrália, o engenheiro Derek Abbott passou os últimos 15 anos tentando entender quem era e o que aconteceu com Somerton Man. E ele fez descobertas interessantes. 

Como um engenheiro resolveu a morte mais famosa da Austrália após 75 anos

Somerton Man é, na verdade, Charles Webb, como mostrou estudo de 15 anos da Austrália. Imagem: Wikicommons/Reprodução

Puxando o primeiro fio 

A história ficou mais misteriosa quando um patologista encontrou um pedaço de papel escondido em um dos bolsos do morto. Nele, estavam impressas as palavras “Tamám Shud” – ou “acabado” em persa. 

Essa é a frase que aparece no final da tradução de Edward Fitzgerald do poema Rubaiyat, de Omar Caiam. Outro homem encontrou o livro em seu carro, onde provavelmente foi jogado por uma janela aberta. Parecia ser o recorte exato da página. 

Na contracapa havia letras rabiscadas, as quais a equipe de Abbott comprovou serem uma provável sequência de letras iniciais. Mas o real significado nunca ficou 100% claro – poderia ser qualquer coisa, como nomes de cavalos de uma corrida, por exemplo. 

Na contracapa também havia um número de telefone que levou a Jo Thompson, uma mulher que vivia a cinco minutos de onde Somerton Man foi encontrado. Ela sempre se mostrou evasiva nos interrogatórios da polícia. 

Um fato, porém, chamou a atenção: o filho dela não tinha os dentes incisivos laterais, uma condição rara que costuma ser congênita. Estranhamente, o morto tinha a mesmo condição. Seriam eles parentes?

Desenrolando o novelo 

Depois de morto, o cadáver misterioso ganhou uma máscara de gesso. Após várias tentativas para reconstruir a aparência original, investigadores conseguiram resgatar alguns fios de cabelo do defunto para buscar pistas sobre quem teria sido Somerton Man em seu DNA. 

Aí começa uma parte interessante da investigação. Abbott e os demais pesquisadores conseguiram encontrar pistas a partir da haste de cinco centímetros de um fio de cabelo, mesmo sem a raiz. 

“A haste do cabelo contém DNA que é principalmente fragmentado”, escreveu o engenheiro. “Por isso, a perícia criminal tradicionalmente se concentrava na raiz e ignorava o resto, embora essa prática esteja mudando muito lentamente”. 

Com alguns dados de DNA em mãos, os cientistas buscaram traços parecidos no GEDmatch Pro, um banco de dados genealógico dos EUA. Foi então que encontraram uma correspondência com um parente distante que morava em Victoria, na Austrália. 

A partir daí, foi possível encontrar a árvore genealógica do homem desconhecido com mais de 4 mil pessoas.  

Quem foi o Somerton Man 

A polícia australiana ordenou a exumação de Somerton Man no final de 2021 para uma análise completa do DNA. O quebra-cabeça, então, estava completo. 

Somerton Man é, na verdade, Charles Webb. Ele nasceu em 16 de novembro de 1905 em Footscray, no subúrbio de Melbourne. Estudou na Universidade de Tecnologia de Swinburne e trabalhou como técnico em eletricidade em uma fábrica de furadeiras. 

Ele não era parente do filho de Thompson – então os incisivos laterais ausentes não passam de uma grande coincidência. Webb se casou Dorothy Robinson de 1941. Em 1947, ela pediu o divórcio por deserção (abandono). 

Charles se demitiu entre 1947 e 1948, e não há mais nenhum registro sobre ele depois disso. Quando Webb morreu, a família já estava fragmentada. Os pais haviam falecido, assim como um irmão e um sobrinho. Seu irmão mais velho estava doente. Nem mesmo a família sabia dele. Em 1955, uma irmã que morreu lhe deixou uma pequena quantia de dinheiro em testamento, acreditando que estava vivo e morando em outro estado.

Outro fato interessante é que ele jogava futebol americano desde a década de 1920, o que explicaria a condição atlética de seu corpo. Mas ainda há fatos sem solução. Um exemplo é saber onde Webb viveu nas suas últimas semanas e qual a causa exata de sua morte. 

A principal hipótese, porém, é que a nota deixada em seu bolso seja uma mensagem de suicídio indireta. “Ainda há espaço para pesquisas; há muito que não sabemos sobre a morte mais famosa da Austrália”, pontuou Abbott. 

Julia Possa

Julia Possa

Jornalista e mestre em Linguística. Antes trabalhei no Poder360, A Referência e em jornais e emissoras de TV no interior do RS. Curiosa, gosto de falar sobre o lado político das coisas - em especial da tecnologia e cultura. Me acompanhe no Twitter: @juliamzps

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