COP 28: a pedido do Giz Brasil, cientista do INPE analisa pauta do evento sobre clima
A COP 28, encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, acontece na próxima quinta-feira (30). Sediado em Dubai, nos Emirados Árabes, o evento terá a participação de representantes de diversos países, incluindo membros de governo, sociedade civil, organizações do terceiro setor e segmento privado.
O Giz Brasil conversou com o pesquisador Jean Ometto, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para entender qual o contexto e as expectativas para a COP 28.
Giz Brasil – Quais os pontos de debate que terão destaque nesta COP?
Jean Ometto – A mitigação sempre é um elemento de discussão muito forte. Então, vai ter o Global Stocktake, que é a avaliação dos compromissos que os países assumiram no Acordo de Paris e foram ratificados. Isso quer dizer qual compromisso de redução de emissões de gases os país assumiram e o que estão efetivamente executando.
E um elemento central nesse contexto é o financiamento. Então como é que os países que têm capacidade de executar ações de mitigação estão preparados para isso? Normalmente, os países em desenvolvimento estão pouco preparados. Eles precisam transitar para uma economia mais justa e essa transição não pode ser com base no carbono fóssil. Como é que os países em desenvolvimento contribuem para isso? O acordo com relação aos fundos de financiamento são discussões importantes na COP também.
Um outro elemento que é importante é a questão de adaptação, que vem crescendo na COP por conta das evidências de que só a mitigação não resolve. As emissões de gases de efeito estufa precisam ser cortadas, sem dúvida nenhuma, mas só isso não resolve, tem uma inércia importante do sistema climático global. Então, espera-se que o fundo de adaptação realmente seja efetivado. Dentro dele, tem o fundo de Perdas e Danos, que já teve um indicativo importante no começo da semana sobre uma uma contribuição financeira substancial da União Europeia.
E também tem um outro elemento importante que é o GGA, o Global Goal on Adaptation, que ainda flutua nas discussões. Ele está muito mais associado à definição de processos para onde a gente tem que caminhar para adaptação. Mas ele ainda flutua nas discussões, porque há muito pouco em termos de metas, né? Então eu imagino que as instruções sobre o GGA tomem muita atenção também na definição de procedimentos efetivos, de ações de adaptação, de monitoramento e de meta.
Como o Brasil chega na COP?
O país tem umas cartas importantes na mesa. A gente tá trabalhando na redução do desmatamento, ano passado reduzimos 22% o desmatamento na Amazônia, que é emblemática nesse contexto. O país também vai trazer certamente o fato de que a matriz do Brasil para a produção de energia elétrica é bastante renovável.
E depois do governo passado, com toda a dificuldade que o país passou nessa temática ambiental e climática, quase todos os Ministérios que existem hoje, se eu não me engano, têm algum departamento, uma diretoria, uma secretaria que trata de mudanças climáticas. Além disso, o governo atual, diferente do anterior, vem buscando na ciência os elementos que contribuem para uma tomada de decisão.
Mas também como é que a gente tem um protagonismo global na questão da transição para sustentabilidade e ainda com um monte de problema de desigualdade? De poluição, de não tratamento de água… Tem uma série de questões que não são relacionadas ao clima diretamente, mas que de alguma forma faz com que os eventos climáticos afetem mais a sociedade por conta de uma vulnerabilidade social maior.
Qual o papel do país nestes debates?
Eu acho que o Brasil chega com essa roupagem de oportunidade por sua continentalidade, pela pela riqueza da biodiversidade do país, pela importância inclusive na produção de alimento e por essa questão da transição energética. Mas em busca de muita articulação, muita oportunidade e colaborações dentro desses fundos de financiamento.
O Brasil fez uma uma revisita recente no seu perfil de emissões, buscando reduzir mais de 50% até 2030. Isso faz parte do compromisso que o Brasil assumiu dentro como sua NDC (contribuições nacionalmente determinadas, do Acordo de Paris), junto com outras metas importantes associadas a questão do desmatamento, da mudança de uso do solo e eficiência da produção agrícola, a trajetória de uso de energia renovável.
Então isso tudo tá na NDC brasileira e conversa com a questão de mitigação. Outro lado importante que o Brasil certamente vai trabalhar é a adaptação. A gente tem até a plataforma, Adapta Brasil, que tá buscando criar métricas para que as ações de adaptação possam ser monitoradas.
Por exemplo, em uma situação de calor como a gente passou, o custo do alimento aumenta porque a refrigeração fica mais cara. Então a população menos favorecida tem mais dificuldade. O conforto térmico também, ter um ar condicionado é para uma parcela pequena população. Então nas questões relacionadas à adaptação, essa enorme desigualdade social de alguma forma vai ser questionada. E todos esses contextos têm que dialogar com ações da redução de emissões, tem que dialogar com a questão climática. Porque a questão climática é essencialmente uma questão social.
O país reduziu sua taxa de desmatamento na Amazônia, mas ainda está longe de cumprir a meta de zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030, promessa feita na COP anterior. Como isso pode ser encarado?
Eu acho que o Brasil vai leva as ações recentes, de que o desmatamento na Amazõnia caiu para menos de 10 mil quilômetros quadrados. Agora, o Brasil tem que estar atento porque tem os outros biomas. Muito se fala da redução de desmatamento na Amazônia, mas no Cerrado aumentou. Isso quer dizer a gente poderia ter reduzido ainda mais as emissões de gases de efeito estufa se a gente cumprisse as metas de desmatamento zero.
Então, a ação do governo não é Amazônia, nós temos que olhar para todos os outros biomas e ver como é que essas curvas estão se comportando. E o que funcionou na Amazônia, que estava em uma situação dramática, propagar para outros biomas também.
E tem um elemento importante, que é a questão da legalidade e ilegalidade do desmatamento. O desmatamento ilegal tinha que acabar ontem. Para que o desmatamento legal também reduza, então o que nós vamos fazer? No Cerrado, por exemplo, uma pessoa compra pela área de terra e, dependendo de onde ela está, pode desmatar até 70% daquela área. A questão é como a gente traz dentro do setor agrícola e do setor de ordenamento territorial a importância da conservação.
Parte disso é o estabelecimento e demarcação de terras indígenas, que a gente sabe que são unidades importantes da composição da paisagem onde as populações tradicionais lidam com a terra de uma maneira diferente, preservando. Mas também a recomposição de áreas degradadas.
Depois da COP, qual o papel do governo federal em trazer os debates para ações a nível local?
Uma questão importante é a energética e de transporte, isso é muito forte e depende muito de petróleo. Então, como esses planos claros de descarbonização vão funcionar para reduzir com mais urgência? Outra mudança necessária é do uso do solo, da agricultura. Temos que continuar produzindo, mas nós temos que aumentar a eficiência e reduzir perda. Restaurar ecossistemas, especialmente em ambientes urbanos, desde ilhas de calor até desenterrar rios que foram cobertos por avenidas.
Isso tudo dialoga muito com ações locais. Por exemplo, como é que você troca toda frota de ônibus de São Paulo para combustível renovável? Se você trocar para eletricidade, de onde vem essa eletricidade?
O Brasil já tem muito etanol circulando. Inclusive, a gasolina tem 27% do etanol. Mas como é que a gente aumenta esse percentual e deixa o etanol mais competitivo com a gasolina de uma maneira geral? Então, a gente não pode ter os países que estão no processo de transição energética em uma economia de alto uso de carbono.
E o contexto de transição energética, de transição para uma agricultura sustentável, não é um contexto economicamente inviável. Não é conflitante com o desenvolvimento econômico. Mas, às vezes, depende de fundo de financiamento. Aí os países em desenvolvimento tem que colocar os recursos.
2023 pode ser o ano mais quente em 125 mil anos. Vários eventos climáticos fortes aconteceram e isso trouxe um senso de urgência para a questão climática. Você acredita que, dessa vez, os acordos vão estabelecer parâmetros mais práticos?
Essa já é a 28ª COP, então há quase 30 anos que se discute as mudanças climáticas internacionalmente e isso gera uma grande expectativa de que algumas ações ou decisões sejam bastante contundentes. Mas as expectativas às vezes são frustradas e isso acaba não acontecendo justamente por uma questão de distribuição de forças, de interesses dos países e iniciativas privadas. Mas não deixa de ser um fórum super importante, porque, apesar das decisões serem tomadas em diferentes níveis, elas precisam de um acordo global.
Agora, o que se espera neste ano é que os países entreguem realmente um plano efetivo para a eliminação total ou para redução substancial do uso de combustíveis fósseis até 2050. Nós estamos em um contexto geopolítico bastante complicado, então o clima não necessariamente está no foco central. Há guerra, extremismo, às vezes a importância relativa fica menor quando você tem outros elementos fortes como esses atuando também.
Além disso, a reunião vai ser em Dubai, que fica nos Emirados Árabes e que depende essencialmente de petróleo para ter tudo aquilo que eles têm lá. O Brasil está buscando fazer testes para exploração de petróleo na foz do Amazonas. A indústria do petróleo não só é bastante forte como ela é um motor de girar a economia. Mas nós temos uma emergência climática e eu acho que a gente tem que ter planos claros de como a gente vai descarbonizar. Então há uma esperança de que os governos assumam esse compromisso de uma forma bastante efetiva.
Recentemente, saiu um estudo criticando a estrutura do evento. Duas cientistas, uma do Reino Unido e outra da Suécia, sugeriram a limitação de representantes por país e por organização, para que países ricos e grandes empresas não tenham mais presença e dominem mais painéis. O que você pensa sobre essa organização?
A capacidade de participação é muito baixa em uma quantidade enorme de países. No universo das negociações, eles são sim representados, mas às vezes representados por consultores, porque não tem especialistas no país que possam debater. E tem nações que vão com um grupo de pessoas muito preparadas para o debate, que acabam conduzindo de alguma forma as ideias e muitas vezes as próprias decisões.
Então isso é, sim, um problema, que passa por uma mudança não só de percepção, mas também de contexto de colaboração global. E essa relação de poder não é exclusiva de um ambiente global. Ela está distribuída na sociedade em seus diferentes níveis.
A COP é um espaço global e nós não temos outro fórum para a questão climática como ela – tem diversas oportunidades, mas o evento centraliza de uma maneira bastante importante isso tudo, inclusive com a presença de chefes de estado. Eu acho que esse é o desafio que nós temos, que passa por uma releitura da relação de colaboração entre os países para uma questão que é transversal a todos. Eu sou uma pessoa otimista. No final das contas, a gente quer continuar nesse planeta como humanidade.