Crise de desemprego por automação já está acontecendo, só é invisível

Economistas examinaram como a automação impactou trabalhadores na Holanda entre 2000 e 2016 e mostram que já há impactos na renda e nos postos de trabalho.
Foto: David J. Phillip (AP)

O que acontece com os trabalhadores quando uma empresa decide adotar a automação? A suposição mais comum parece ser de que os funcionários simplesmente desaparecem, substituídos um por um com uma interface de inteligência artificial ou por braços mecânicos.

E embora exista muita conversa fiada a respeito da ideia de que os “robôs estão vindo para tomar os nossos empregos” — uma ideia representada de forma equivocada — ainda há pouca pesquisa sobre o que realmente acontece com os trabalhadores.

Estudos têm tentado monitorar o impacto da automação sobre os salários agregados ou correlacionar os níveis de desemprego com os níveis de robotização. Porém, poucas investigações aprofundadas foram feitas sobre o que acontece com cada trabalhador depois que suas empresas implementam iniciativas de automação.

No início deste ano, porém, um artigo escrito pelos economistas James Bessen, Maarten Goos, Anna Salomons e Wiljan Van den Berge se propôs a fazer exatamente isso.

Diminuição da renda dos trabalhadores

Munidos de um conjunto de dados robusto — com acesso a dados administrativos e de funcionários, bem como informações sobre despesas com automação de 36.490 empresas holandesas e cerca de 5 milhões de trabalhadores — os economistas examinaram como a automação impactou os trabalhadores na Holanda entre 2000 e 2016.

Eles mediram os salários diários e anuais, as taxas de desemprego, o uso do seguro-desemprego e as receitas da previdência social.

O resultado do estudo é um retrato da automação do trabalho que, embora seja sinistro, é menos dramático do que geralmente é pintado por aí — mas isso não quer dizer que o tema não é urgente.

Por um lado, não haverá um “apocalipse robô”, mesmo após um processo pesado de automação corporativa. Ao contrário de demissões em massa, a automação não parece fazer com que os funcionários sejam mandados embora imediatamente.

Em vez disso, a automação aumenta a probabilidade de que os trabalhadores sejam afastados de seus empregos — sejam demitidos, realocados para tarefas menos gratificantes ou se demitam. Isso faz com que haja uma redução de renda a longo prazo para os trabalhadores.

O relatório conclui que “a automação a nível de empresas aumenta a probabilidade de os trabalhadores se desligarem dos seus empregadores e diminua os dias trabalhados, levando a uma perda acumulada de rendimentos salariais de 11% da renda de um ano”. Uma perda bastante significativa.

O estudo concluiu que mesmo na Holanda, que têm uma rede de segurança social generosa se comparada com os Estados Unidos, os trabalhadores só conseguiam compensar uma fração dessas perdas com benefícios concedidas pelo Estado.

Os trabalhadores mais velhos, por sua vez, tinham probabilidades maiores de se aposentar antes da hora — privados de anos de rendimento.

Efeitos generalizados, porém invisíveis

Os efeitos da automação foram sentidos de forma similar em todos os tipos de empresas — pequenas, grandes, industriais, orientadas para serviços e assim por diante. O estudo abrangeu todas as empresas do setor não-financeiro, e descobriu que o desligamento de trabalhadores e a perda de renda eram “bastante difundidas entre diversos tipos de trabalhadores, setores e empresas de diferentes tamanhos”.

A automação, em outras palavras, força um fenômeno mais difuso, de ação mais lenta e muito menos visível do que o papo de que os robôs vão roubar os nossos empregos de uma hora para outra.

“As pessoas focam os danos da automação no desemprego em massa”, diz o autor do estudo, James Bessen, economista da Universidade de Boston, numa entrevista ao Gizmodo. “E isso provavelmente está errado. O problema real é que há pessoas que estão sendo prejudicadas pela automação neste momento”.

Segundo Bessen, comparado com as empresas que não são automatizadas, a taxa de trabalhadores que deixaram seus empregos é mais alta, embora para quem vê de fora pareça que há uma rotatividade maior.

“Porém, é mais do que um desgaste”, diz ele. “Um percentual muito maior, 8% mais — está saindo”. E alguns nunca mais voltam ao trabalho. “Há uma certa porcentagem que sai da força de trabalho. Que cinco anos depois ainda não conseguiram um emprego”.

Mãos atadas e revés para o Estado

O resultado, diz Bessen, é uma pressão adicional sobre a rede de segurança social do Estado que não está preparada. À medida que mais e mais empresas se juntam à rede de automação — uma pesquisa da McKinsey de 2018 com 1.300 empresas em todo o mundo descobriu que três quartos delas tinham começado a automatizar processos ou planejado a automatização para o próximo ano — o número de trabalhadores forçados a sair das empresas provavelmente aumenta ou, pelo menos, se mantém estável. O que é improvável que aconteça, de acordo com esta pesquisa, é um êxodo em massa de empregos impulsionado pela automação.

É uma faca de dois gumes: embora seja melhor que milhares de trabalhadores não sejam demitidos de uma só vez quando um processo é automatizado em uma corporação, isso também significa que os danos da automação sejam distribuídos em doses menores e mais personalizadas e, portanto, menos propensos a provocar qualquer tipo de resposta pública urgente.

Se todo um armazém da Amazon fosse automatizado de repente, políticos poderiam ser incentivados a tentar resolver o problema; se a automação vem nos prejudicando lentamente há anos, é mais difícil obter algum tipo de apoio nesse sentido.

“Existe um sério desafio social”, diz Bessen. “Mesmo num lugar como a Holanda, que supostamente tem uma grande rede de segurança social, as coisas não estão funcionando”.

Bessen diz que precisamos reajustar essas redes de segurança social, pensar em como melhorar os programas de treinamento e retreinamento profissional para que se ajustem às necessidades locais e, em geral, modernizar nossos sistemas de apoio a trabalhadores vulneráveis à automação.

“Temos esse sistema maluco em que a saúde é fundamental para o seu trabalho”, diz ele. E exemplifica dizendo que a automação “aumenta o atrito social e a dor que está ligada ao trabalho”. “É preciso ter algum apoio para as pessoas que são demitidas”, completa.

Divisão injusta do bolo

A automação está aumentando a produtividade e a eficiência, mas está redirecionando a maior parte dos ganhos dos trabalhadores para os executivos. “Estamos produzindo mais bens com menos mão de obra, por unidade de capital”, acrescenta. “Estamos fazendo um bolo maior. A questão é quem está recebendo as fatias do bolo”.

(Bessen diz que acha que os resultados do estudo deve ter pouca proximidade com a realidade dos EUA, embora as taxas de perda de rendimento e de desemprego possam ser um pouco mais elevadas).

Assim, a automação continua a se desenvolver, de forma fragmentada, em empresas de todos os tamanhos e faixas. Após cada micro-automação dentro de uma empresa, os funcionários são forçados a sair. Alguns trabalhadores são demitidos, outros se demitem.

Agora imagine que isso aconteça dezenas de milhares — até mesmo milhões — de vezes ao longo de uma década, em intervalos e tempos variáveis de estabilidade econômica. Isso, de acordo com Bessen e a pesquisa, se traduz em impacto social da automação sobre a força de trabalho.

Não é um cenário apocalíptico, como o que Andrew Yang costuma pregar, mas um mal-estar crescente, ainda maciço, que fará com que mais e mais pessoas figurem nas estatísticas de desemprego.

O que Yang acerta, segundo Bessen, é potencial impacto político das empresas que automatizam postos de trabalho. Yang gosta de falar sobre como a automação levou Donald Trump à presidência por causa do esvaziamento de empregos, o que deixou os trabalhadores cada vez mais inseguros e irritados.

“Você pode falar sobre como isso é disruptivo”, diz Bessen, “falar sobre a grande parte dos trabalhadores que foram afetados nos últimos 10 a 20 anos e como eles têm potencial para se tornar uma força política disruptiva. Talvez seja essa a crise”.

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