Como o Facebook foi usado para amplificar os conflitos no Sri Lanka

O Facebook está sob grande escrutínio nos Estados Unidos, com problemas de privacidade de usuários (vide caso Cambridge Analytica) e alegações de estar minando a democracia ao ajudar a criar bolhas online. No entanto, em outros países, a empresa está sendo acusada de causar danos ainda maiores, atraindo ainda mais investigações sobre sua atuação. • […]

O Facebook está sob grande escrutínio nos Estados Unidos, com problemas de privacidade de usuários (vide caso Cambridge Analytica) e alegações de estar minando a democracia ao ajudar a criar bolhas online. No entanto, em outros países, a empresa está sendo acusada de causar danos ainda maiores, atraindo ainda mais investigações sobre sua atuação.

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Segundo uma reportagem do New York Times, pessoas dos dois lados da tensão entre a maioria de origem budista cingalesa do Sri Lanka e uma minoria muçulmana se tornaram íntimas das formas de usar o Facebook para perpetuar um conflito. Embora a guerra civil no Sri Lanka entre o governo e separatistas Tamil tenha acabado em 2009, o aumento da perseguição étnica cresceu a ponto de o governo recentemente declarar que está em estado de emergência.

Amplificação de conflitos

A situação é particularmente ruim, pois, como sinaliza o jornal, para muitos moradores do Sri Lanka, o Facebook é o portal de notícias, e a companhia tem feito pouquíssimos esforços para reverter ou tomar cuidados em função de seu protagonismo:

Vez ou outra, ódios comunais invadem o feed de notícias — a forma como muitos usuários consomem notícias — com fatos não verificados, já que a mídia local e o governo não têm nenhum tipo de influência sobre a empresa. Alguns usuários, enfurecidos com o discurso de ódio e desinformação, planejam ataques no mundo real.

Uma reconstrução do que causou a escalada da violência do Sri Lanka, baseada em entrevistas com oficiais, vítimas e usuários convencionais envolvidos em raiva online, concluiu que o Facebook teve um papel central em diferentes processos do problema: de rumores a assassinatos.

Funcionários do Facebook, eles dizem, ignoraram os repetidos avisos do potencial para violência, resistindo à pressão para contratar moderadores ou estabelecer algum tipo de medida de emergência.

Na imaginação popular influenciada pelo Facebook, uma pequena cidade chamada Ampara se tornou “o epicentro obscuro da conspiração muçulmana” para destruir a população cingalesa.

Em um incidente notório, uma família de muçulmanos que fala tâmil (um dos idiomas falados no Sri Lanka) e que é dona de um restaurante se envolveu em uma briga em que um cliente enfurecido acreditou que eles colocaram pílulas em sua comida que o deixariam estéril — algo que provavelmente foi visto em algum meme no Facebook. Uma multidão enfurecida espancou Atham-Lebbe Farsith, que estava no caixa do restaurante. Na sequência, o estabelecimento foi destruído, e uma mesquita local foi incendiada.

Agora, Farsith fica escondido, pois ele é reconhecido por muitos por causa de um vídeo do Facebook que sugeria que ele colocava pílulas na comida que tornavam as pessoas estéreis.

Em outros casos, extremistas cingaleses postaram fotos de armas improvisadas no WhatsApp antes de tumultos violentos.

Embora o Facebook seja às vezes criticado por agir com descaso em países em desenvolvimento, onde mídias tradicionais têm pouca relevância, esses episódios em particular parecem qualificar a rede mais como um cara que vende cigarros para menores:

No entanto, enquanto as instituições são fracas ou pouco desenvolvidas, o feed de notícias do Facebook pode inadvertidamente amplificar tendências perigosas. Desenvolvida para maximizar o tempo de usuários no site, a rede acaba promovendo o que atrai mais atenção. Logo, posts de conteúdos negativos, que mostram emoções primitivas como raiva ou medo — conforme mostram estudos — produzem maior engajamento e acabam sendo proliferados pela rede.

Reincidência em outros países

Parece exatamente com o que rolou em Mianmar, onde ativistas acusaram o Facebook de não fazer nada para moderar conteúdos. Como resultado, o site auxiliou na proliferação de desinformação e propaganda, criando conflitos da minoria étnica Rohingya, de origem muçulmana. O analista de redes sociais Victoire Rio disse ao BuzzFeed que a resposta da companhia foi “grosseiramente insuficiente” e “apenas reforçou a crença de que o Facebook não vai fazer nada do que eles deveriam ou poderiam para prevenir a proliferação de discurso de ódio em Mianmar”.

Na Indonésia, menciona o NYT, houve rumores de que pessoas de fora estavam sequestrando crianças para o comércio ilegal de órgãos. Como resultado, “moradores de nove vilas lincharam estrangeiros que eles suspeitavam que fossem cometer crimes contra as crianças”. Rumores parecidos aconteceram na Índia e no México.

Quando pesquisadores do Sri Lanka, do Centro de Alternativas Políticas e oficiais do governo, solicitaram ajuda, o Facebook pediu para eles usarem uma ferramenta de notificação; não está claro quantos moderadores fluentes em cingalês o site tem, mas foram abertas 25 vagas para o trabalho desde junho de 2017, que não foram preenchidas.

“Você denuncia para o Facebook, e eles não fazem nada”, disse o pesquisador Amalinie de Sayrah ao NYT. “Há incitação à violência contra comunidades inteiras, e o Facebook diz que não viola os padrões da comunidade.”

Às vezes, o Facebook usa países para testar mudanças relevantes em sua plataforma — como em 2017, quando a companhia fez mudanças no feed de notícias, segregando posts de páginas do Facebook, incluindo organizações de mídia, em um feed separado em seis países, incluindo o Sri Lanka. O resultado foi a redução de engajamento. Segundo o NYT, um possível efeito do experimento é que menos pessoas estavam lendo notícias confiáveis, mesmo quando ataques contra muçulmanos no país tinham alcançado o pico.

Tirar o Facebook do ar não é uma alternativa eficaz: o NYT informa que, quando o governo bloqueou o site no início do ano como uma medida de emergência, cerca de três milhões de pessoas usaram VPNs para continuar a acessar a rede.

Embora o Facebook não tenha criado tensões étnicas no Sri Lanka, Mianmar ou em outros locais, está se tornando cada vez mais claro o papel da rede como um portal de internet para milhões de pessoas. E essa função vem com responsabilidades com as quais a empresa não está sabendo lidar ou simplesmente decide deixar de lado. Mesmo nos EUA, onde a companhia foi fundada, o Facebook tem sido leniente sobre suas regras e como as implementa. Além disso, a empresa foi reticente quando solicitaram por mais moderação de conteúdo ou pela implementação de sinalizadores de notícias falsas na plataforma.

[New York Times]

Foto do topo: Polícia do Sri Lanka transporta corpo de homem morto após tumulto em Kandy, no Sri Lanka, em 6 de março de 2018. Crédito: AP.

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