Qual a comida mais perigosa do mundo?
Examinando toda a história humana em relação à comida, alguns temas se destacam. Um deles é que os humanos gostam que sua alimentação seja agradável ao paladar. Outro é que eles gostam de comidas que não matam.
Essas duas qualidades frequentemente coexistem no mesmo alimento — maçãs, por exemplo, têm um ótimo sabor e não são tóxicas até, onde eu sei — mas, inevitavelmente, a relação entre ter bom sabor e não matar às vezes é menor que o ideal. Para alguns alimentos, esse é um argumento de venda — o fugu, por exemplo, é um peixe venenoso que precisa de alguém certificado para prepará-lo adequadamente. Para outros, a letalidade é apenas um subproduto infeliz — como acontecia com os materiais usados nas primeiras comidas enlatadas, que, às vezes, causavam envenenamento por chumbo nas pessoas.
Para o Giz Pergunta desta semana, contatamos alguns historiadores e antropólogos da alimentação para indicar seus candidatos ao título de comida mais perigosa de todos os tempos. Houve um padrão pegajoso, mas, principalmente, suas abordagens variaram descontroladamente; coletivamente, elas cobrem praticamente todas as partes da pirâmide alimentar que não são frutas nem verduras. Se você gosta de comer, e também gosta de estar vivo, talvez queira guardar no lado esquerdo do peito as sugestões desses especialistas.
Ty Matejowsky
Professor associado de Antropologia na Universidade da Flórida Central
Durião, também conhecido como “o rei dos frutos”, continua sendo um dos alimentos mais polêmicos atualmente consumidos no Sudeste Asiático e cada vez mais ao redor do mundo — não apenas por seu alto teor de enxofre e forte odor (é proibido em muitos hotéis, companhias aéreas e outros lugares públicos, e às vezes referido como o “queijo azul de frutas”), mas também pelos perigos que representa para aqueles que comem, cultivam ou estão próximos a ele. O exterior espinhoso da fruta pode causar danos corporais reais e até mesmo a morte aos azarados o bastante para serem atingidos por frutos que caem de galhos altos de árvores. Foi usado até mesmo como uma arma improvisada medieval em alguns crimes passionais.
O alto teor de enxofre do durião torna-o particularmente perigoso quando consumido em excesso ou em combinação com álcool, café ou refrigerantes com cafeína, especialmente para aqueles com condições médicas pré-existentes, como problemas cardíacos ou pressão alta. Apesar (ou talvez por causa) de tais perigos, o durião atrai uma base de fãs que se deleitam com seu distinto gosto e apelo gustativo.
Isto aqui é um durião. Crédito: Pixabay
“O alto teor de enxofre do durian torna-o particularmente perigoso quando consumido em excesso ou em combinação com álcool, café ou refrigerantes com cafeína.”
Lucy Long
Diretora e fundadora do Center for Food and Culture
Eu diria que o alimento mais perigoso são os cogumelos que se parecem com aqueles conhecidos e seguros para comer, mas, na verdade, não são. O death cap (“chapéu da morte”, em tradução livre, nome pelo qual o Amanita phalloides é conhecido nos EUA) parece com variedades que são seguras, mas é altamente tóxico, muitas vezes tem uma reação demorada e ataca o fígado. Até mesmo uma pequena mordida pode ser fatal. Infelizmente, dizem que eles também são muito saborosos e têm um cheiro delicioso.
Joyce E. Chaplin
Professora e historiadora da Universidade de Harvard; autora de Food in Time and Place, entre outros livros
Eu apontaria um dedo acusador para o gado domesticado. Desses animais, as pessoas têm pegado doenças sérias e às vezes fatais há muito tempo. As aves e os suínos, por exemplo, continuam sendo reservatórios da gripe. As populações de animais selvagens também são reservatórios de doenças, mas as aves e os suínos domesticados são significativos na incubação e transmissão dos vírus da gripe. Isso tem sérias consequências. O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) informa que, em 2017-2018, 80 mil pessoas nos Estados Unidos morreram de gripe. Esse foi um novo recorde, embora, mesmo em outros anos, a mortalidade por gripe normalmente exceda as mortes por todas as doenças transmitidas por alimentos. A mortalidade anual por gripe é geralmente de 30.000, enquanto as mortes por vários tipos de intoxicação alimentar são geralmente em torno de 3.000. É um preço alto para comer carne de porco e frango.
Se há uma conexão muito próxima entre comida e morte, é claro, é o problema de não ter comida suficiente. Desnutrição e fome têm sido, historicamente, grandes assassinos, acima e além dos perigos de comer tipos específicos de alimentos.
“Estou mais interessado no ‘perigo da carne bovina’ em escala planetária histórica. Mais especificamente, como a carne ameaça destruir a própria existência da civilização humana.”
Krishnedu Ray
Presidente do Departamento de Nutrição e Estudos Alimentares da Universidade de Nova York
Duas coisas mundanas que todos nós bebemos regularmente: refrigerante e álcool. Se você pegar estatísticas populacionais nacionais e calcular riscos reais (não imaginários), não há como evitar a conclusão de que esses dois são os verdadeiros culpados — responsáveis pela morte, adoecimento e desmembramento de milhões de pessoas em todo o mundo.
Alice Julier
Chefe de Departamento, Professora Associada de Estudos Alimentares e Diretora do Centro Regional de Agricultura, Alimentos e Transformação da Universidade de Chatham
Eu vou com uma grande categoria — fungos — porque aparece em muitos alimentos, e também é sua própria categoria de comida, que aparece historicamente por toda a civilização humana.
Sabemos que as sociedades humanas sempre encontraram maneiras de preservar alimentos ou de transformar coisas não comestíveis em comestíveis. Às vezes isso envolve cozinhar, mas é principalmente para preservar alimentos. Curar carnes, salgar legumes, fermentar coisas para criar bebidas alcoólicas — todas são maneiras que temos de preservar alimentos até muito depois da colheita. A maioria desses processos envolve a introdução de microrganismos nos alimentos para mudá-los (pense no queijo!) — e leveduras e bolores são os dois tipos principais de fungos usados para preservar alimentos para impedir o crescimento de certas bactérias que poderiam estragá-los.
Dito isto, eles mesmos também são duas das principais maneiras que um alimento pode estragar. Considere que, se você estiver tentando preservar alimentos com essa abordagem, um passo em falso pode torná-los extremamente perigosos para se comer. As pessoas têm que descobrir quais crescimentos fúngicos adicionam sabor aos alimentos e quais são tóxicos. Um ótimo exemplo disso seria o fungo de milho ou o carvão-do-milho. Nas culturas indígenas e latino-americanas, é uma iguaria. No oeste industrial dos EUA, há toneladas de produtos usados para tirá-lo do milho.
A razão pela qual eu também penso em fungos é porque os cogumelos são um alimento universal, muitas vezes colhidos, mas às vezes cultivados, e descobrir quais tipos de cogumelos são seguros e quais são perigosos é um negócio extremamente arriscado. Eu suspeito que, hoje, não há um número significativo de mortes por cogumelos venenosos, mas posso garantir que, historicamente, a busca por quais eram os comestíveis levou as pessoas a um caminho perigoso.
Yue Dong
Doutorando de Antropologia da Universidade de Oklahoma
A carne é a comida mais perigosa de todos os tempos.
Eu sei o que você está pensando: “Isso é bobagem! Eu acabei de comer um hambúrguer e ainda estou vivo!!”
Ouça o que eu estou dizendo. Eu não estou falando sobre como o consumo excessivo de carne vermelha está ligado a um risco aumentado de desenvolver doença arterial coronariana e diabetes tipo 2. Essas doenças definitivamente poderiam matar uma pessoa (lenta e dolorosamente), mas estou mais interessado no “perigo da carne bovina” em uma escala planetária histórica. Mais especificamente, como a carne ameaça destruir a própria existência da civilização humana.
A produção de carne bovina é um dos contribuintes mais significativos para as emissões globais de gases de efeito estufa causadas pelo homem. De acordo com um recente relatório do governo do Reino Unido, a produção de 1 kg de carne bovina gera cerca de 32,3 kg de CO2. Em média, os americanos comem 25,9 kg de carne bovina per capita por ano, o que significa uma produção de 835,1 kg de CO2 per capita por ano. Em comparação, a pessoa média na China consome cerca de 6 kg por ano. Se os chineses aumentassem o consumo de carne bovina para o mesmo nível dos americanos, produziriam 641,3 kg a mais de CO2 per capita por ano. Dada a grande população da China, haveria cerca de 900 milhões de toneladas de CO2 relacionado à carne bovina em nossa atmosfera, o equivalente a quase 2,4% do total de emissões de CO2 produzidas pelo homem.
E isso é apenas a China. Se o consumo global de carne bovina per capita aumentar para o mesmo nível dos EUA, a emissão global de CO2 relativa à carne seria de cerca de 580,1 kg per capita por ano, o que significa que cerca de 4,4 bilhões de CO2 seriam emitidos para a atmosfera (11% da emissão total de CO2 produzida pelo homem)!
Dada a consequência apocalíptica global (inundação, calor, furacões, fome) do aquecimento global e a correlação direta entre o consumo de carne bovina e a emissão de CO2, não é loucura dizer que a carne bovina pode ser a comida mais perigosa de todos os tempos.
“Relaxe. Embora existam plantas e animais venenosos por aí, embora suas prateleiras de cozinha e sua geladeira provavelmente abriguem alimentos que o matariam se ingeridos em quantidade suficiente, os seres humanos fizeram um trabalho incrível ao tornar a comida segura.”
Rachel Laudan
Pesquisadora sênior visitante do Instituto de Pesquisas Históricas da Universidade do Texas em Austin e autora de Cuisine and Empire: Cooking in World History
Relaxe. Embora existam plantas e animais venenosos por aí, embora suas prateleiras de cozinha e sua geladeira provavelmente abriguem alimentos que o matariam se ingeridos em quantidade suficiente, os seres humanos fizeram um trabalho incrível ao tornar a comida segura.
Essas últimas palavras, “tornar a comida segura”, são importantes. Embora a atual retórica alimentar se concentre no fresco e no natural, a esmagadora proporção de nossas calorias vem dos alimentos que produzimos. Isso porque comer alimentos que não foram transformados a partir de seu estado natural é perigoso. “O que come é comido”, disseram os autores desconhecidos dos textos sagrados indianos, os Upanishads, no século 6 a.C.
Para sobreviver e evoluir, todas as criaturas vivas desenvolveram defesas contra serem comidas: dentes e garras, a habilidade de fugir, coberturas difíceis e não comestíveis, ou venenos naturais. Estes últimos ocorrem nos ancestrais selvagens de alguns dos alimentos humanos mais importantes. Batatas selvagens continham glicoalcaloides que causavam vômitos e diarreia. Bolotas, um alimento importante para os povos primitivos e indígenas nas Américas, Europa e Ásia, estão cheios de taninos. A mandioca, a terceira maior cultura de alimentos nos trópicos depois do arroz e do milho e uma das mais importantes do mundo tropical, pode liberar cianeto quando ingerida (assim como as sementes de maçãs e damascos, bem como amêndoas amargas). E todos os alimentos silvestres podem estar contaminados com excrementos de pássaros, fezes de animais e outras coisas perigosas.
Um repertório completo de formas de desintoxicação de plantas foi desenvolvido. Os povos dos altos Andes cuidadosamente selecionaram e criaram batatas para reduzir o nível de venenos. Os nativos americanos usavam argila e água para retirar os taninos das bolotas. Os povos indígenas da América tropical descobriram que cozinhar e ralar raízes de mandioca antes de comer as deixava próprias para o consumo. Todos esses processos — criação de animais, tratamento com produtos químicos, cercamentos e outras mudanças físicas, fermentação e uso de calor — acabam debaixo do guarda-chuva do termo “cozinhar”, uma das conquistas tecnológicas mais importantes da humanidade. Em toda parte, os povos achavam que quanto mais uma comida era cozida, melhor era para comer. Até recentemente. Temos sido tão bem sucedidos em tornar os alimentos seguros que agora temos o luxo de escolher comer alimentos crus e sem cozimento.
Rebecca Earle
Professora e vice-diretora de História da Universidade de Warwick, cuja pesquisa se concentra na história alimentar e cultural da América espanhola e da Europa moderna.
Atualmente, o açúcar é o inimigo público número um, implicado na epidemia global de diabetes e no extraordinário aumento da obesidade. A Organização Mundial de Saúde relata que, desde 1980, a porcentagem de adultos com diabetes dobrou; existem agora mais de 422 milhões de pessoas com a doença.
As condições associadas à obesidade, por sua vez, levam mais pessoas para o túmulo do que aquelas ligadas ao baixo peso. Em todo o mundo, trinta e nove por cento dos adultos qualificam-se com excesso de peso, três vezes o número de 1975. Uma dieta rica em açúcar é frequentemente culpada por essa situação preocupante. Bebidas com açúcar, por exemplo, têm sido ligadas diretamente ao aumento do diabetes tipo 2 e também à obesidade, um dos principais fatores de risco para o diabetes tipo 2. Globalmente, o consumo de açúcar per capita aumentou mais de 50% nos últimos cinquenta anos.
Além de destruir vidas, a produção de açúcar destruiu a terra. As paisagens secas das antigas ilhas açucareiras do Caribe foram criadas pelo desmatamento, resultado quase inevitável do cultivo comercial de açúcar. Por volta de 1600, a ilha atlântica de São Tomé perdeu suas florestas para o açúcar. Em 1700, a floresta que sustentava Barbados havia desaparecido. Meio século depois, as árvores que cobriam dois terços de Antígua seguiram o exemplo. A fertilidade do solo despencou, a erosão exacerbou o declínio e, à medida que o solo penetrava nos sistemas fluviais, os rios se assoreavam. “O açúcar destruiu uma paisagem anterior, bem como centenas de milhares de vidas”, como William Beinart e Lotte Hughes colocaram. E fazer açúcar continua sendo um trabalho perigoso.
Então, o açúcar é ruim para nós, ruim para o meio ambiente e ruim para as pessoas que o cultivam.
Ken Albala
Professor e historiador da Universidade do Pacífico e autor ou editor de 25 livros sobre comida, incluindo Eating Right in the Renaissance e Food in Early Modern Europe
Durante a maior parte da nossa história evolutiva, [o açúcar] foi difícil de obter. Mas nos últimos cinco séculos, começamos a comer muito mais do que nossos corpos precisam ou podem processar. Ao mesmo tempo, removemos muitas das coisas que promovem nosso microbioma intestinal (como fibras) e começamos a usar antibióticos que reduzem ainda mais nossas bactérias intestinais. Obesidade, diabetes, doenças cardíacas e vários tipos de enfermidades resultam do consumo excessivo de açúcar. Quando tantas calorias benéficas são substituídas por açúcar, elas são metabolizadas de maneiras que nossos corpos simplesmente não estão preparados para lidar.
“Nos últimos cinco séculos, começamos a comer muito mais do que nossos corpos precisam ou podem processar.”
Paul Freedman
Professor e historiador da Universidade de Yale
É da natureza do açúcar ser consumido em quantidades excessivas, se estiver disponível. Quando Elizabeth I governou a Inglaterra no século 15, a pessoa média em seu reino comia pouco mais de meio quilo de açúcar por ano — era um produto de luxo. Atualmente, o consumo médio anual é de 36 kg. Nos EUA, são mais de 56 kg.
O açúcar tornou-se barato na Europa e nos Estados Unidos no século 19. O aspecto mais perigoso do açúcar é a história de como ele chegou a ser tão abundante a ponto de se tornar um item básico da alimentação, uma mudança econômica possibilitada pela escravização dos africanos para trabalhar plantações de açúcar no Novo Mundo. O centro de cultivo e refino de açúcar eram as Índias Ocidentais. O preço decrescente foi mais do que compensado por uma oferta crescente e barata. Mais dinheiro é feito de commodities básicas, como o petróleo, do que produtos de elite, como trufas. O açúcar transformou o mundo de maneiras que continuam a reverberar.
Miriam Chaiken
Decana e professora notável de Antropologia, Universidade do Estado do Novo México
Na minha opinião, a comida mais perigosa é o açúcar. A indústria açucareira é responsável pela escravização dos africanos aos milhões, pelo deslocamento dos nativos americanos das terras cultiváveis, pela ascensão da era industrial e pela formação de estruturas de classe, à medida que o açúcar mantinha os operários saciados — e é claro que hoje estamos bem cientes das consequências globais para a saúde do consumo excessivo de açúcar. Embora possa não ser tão exótico quanto um peixe potencialmente tóxico e delicioso, o açúcar é o número um na minha lista.