Justiça dos EUA não aliviou para a Qualcomm em decisão por práticas anticompetitivas com modems de celular

Qualcomm foi condenada nos EUA por cobrar injustamente por suas patentes de modems; companhia recorrerá na Justiça da decisão.
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Embora a Qualcomm tenha saído ganhando após ter resolvido uma briga global contra a Apple, as coisas não foram tão bacanas em um processo movido pela FTC (Comissão Federal de Comércio dos EUA). Na última terça-feira (21), a juíza Lucy H. Koh determinou que a Qualcomm violou leis antitruste, cobrando alto valor de royalties por suas patentes, e ordenou que a companhia seja alvo de monitoramento por sete anos para garantir que haja uma competição justa.

Não parece, mas isso é importante por uma série de motivos. Para começar, um pouco de contexto. O argumento principal da FTC era que a Qualcomm usou suas patentes de modems para esvaziar a competição no setor, violando termos FRAND (Fair, Reasonable e Non-Discriminatory) ou seja, justos, razoáveis e não-discriminatórios.

Estes termos são usados para assegurar que empresas mantenham suas tecnologias proprietárias disponíveis para competidores por um preço razoável. A Qualcomm foi pioneira na tecnologia CDMA, mas foi acusada pela FTC por fazer acordos de exclusividade e cobrar royalties muito altos usando tecnologia de competidores. Uma decisão desfavorável seria devastadora para a Qualcomm, que obtém a maior parte de sua receita ao licenciar patentes e cobrar por royalties.

Para a Qualcomm, o pesadelo se tornou realidade. Em uma decisão de 233 páginas, a juíza Koh ordenou cinco ações:

  1.  A Qualcomm não pode reter chips de modem com base no status de licença de patente de um cliente e tem que negociar ou renegociar termos de licença “de boa fé sob condições livres de ameaça de falta de acesso”;
  2.  A empresa deve tornar as licenças SEP (Standard Essentials Patents) disponíveis em termos FRAND e concordar com a arbitragem ou resolução de disputa judicial para definir estes termos, se necessário;
  3. A juíza baniu a Qualcomm de ter acordos explícitos ou ocultos de exclusividade referentes a chips de modem;
  4.  A Qualcomm foi informada que não pode interferir em qualquer cliente que vá até uma agência governamental;
  5. Por fim, a magistrada ordenou que a Qualcomm seja monitorada por sete anos. Na prática, a Qualcomm vai ter de relatar à FTC, manualmente, como está cumprindo com as quatro diretrizes ordenadas pelo tribunal.

Da parte da Qualcomm, a empresa emitiu um comunicado dizendo que pretende apelar da decisão. O fato é que o resultado não foi bom para a companhia. Na decisão, a juíza Koh ainda disse que a defesa da empresa era de má qualidade. Em particular, ela criticou os testemunhos da Qualcomm que contradiziam diretamente os e-mails, anotações e declarações gravadas fornecidas ao IRS (a “Receita Federal” dos EUA).

Um exemplo envolve um executivo da Qualcomm enviando uma carta para a Motorola para reclamar que não iria licenciar o chip SEP da Qualcomm, demonstrando que os executivos da companhia claramente entendiam os termos FRAND. Ela também mostrou uma apresentação de Power Point que ilustrava que a Qualcomm entendia que suas práticas poderiam estar violando leis antitruste.

“Além de prestar depoimento sob juramento no julgamento que contradizia e-mails recentes, anotações manuscritas e gravadas pelo IRS[a “Receita Federal dos EUA”], algumas testemunhas da Qualcomm também não tinham credibilidade. Por exemplo, o doutor Irwin Jacobs (cofundador da Qualcomm), Steve Mollenkopf (CEO da Qualcomm) e doutor James Thompson (CTO da Qualcomm) apresentaram narrativas tão longas e rápidas que o conselho da Qualcomm teve de pedir às testemunhas para irem mais devagar…ao contrário, quando examinadas pela FTC, cada testemunha era muito relutante e lenta para responder — muitas vezes, até cautelosa.”

Koh também notou que estava claro que a Qualcomm “parava de oferecer licenças para rivais, pois a Qualcomm decidiu que era mais lucrativo licenciar para fabricantes OEM”. Ela também disse que descobriu que “as taxas de royalties da Qualcomm são excessivamente altas”.

Basicamente, a juíza Koh não estava de brincadeira com a Qualcomm.

Isso pode parecer uma conversa chata sobre detalhes da indústria, mas isso conta com implicações importantes daqui em diante.

Principalmente, pelo fato de a juíza Koh ter descoberto que as práticas anticompetitivas da Qualcomm prejudicaram os consumidores. Essas práticas não apenas tornaram os telefones mais caros, como também os royalties da Qualcomm foram vistos como uma possibilidade de tirar o incentivo que outras empresas investissem em novos recursos que beneficiariam os consumidores, pois teriam de pagar mais. E, olha, não foram fabricantes pequenos que foram dissuadidos. Por exemplo, Koh cita o testemunho de Jeff Williams, chefe de operações da Apple, em sua decisão:

“A Apple gasta muito tempo em seus produtos que são muito bonitos, então gastamos US$ 60 a mais em aço inoxidável, alumínio e coisas do tipo para a carcaça [do dispositivo]. E, de acordo com o contrato, se gastássemos um valor, digamos mais de US$ 60 — e isso não tem relação com propriedade intelectual — eles ganhariam US$ 3. Então, isso não fazia sentido para nós, e não faz até hoje”.

[Como já explicamos, a Qualcomm cobra cerca de 5% do preço de venda de um aparelhos graças ás suas diversas patentes sem fio. Então, a Apple argumenta que se gastassem US$ 60 em materiais para o aparelho, US$ 3 deveriam ir para a Qualcomm]

Carcaças são uma coisa, mas em seu caso separado contra a Qualcomm, a Apple também apontou para recursos como TouchID, telas avançadas e inovações de câmera como itens que fizeram a Qualcomm lucrar sem ter nenhuma relação com o desenvolvimento deles. A Apple eventualmente resolveu a briga com a Qualcomm, pois foi encostada na parede com relação ao domínio da Qualcomm em chipsets de modem 5G.

Com a Intel se mostrando incapaz de entregar um modem 5G competitivo até 2020, a posição da Apple contra a Qualcomm foi alterada com um contrato de licença de seis anos. Naquela época, o acordo da Apple fez muitos se perguntarem qual seria o impacto da decisão FTC sobre o caso, mas em retrospecto, talvez isso só fortalecesse a posição da empresa da maçã.

A esse respeito, o pedido de Koh para que a Qualcomm negocie ou renegocie seus contratos de licenciamentos existentes, poderia ter um impacto a longo prazo no preço dos telefones, ainda mais agora que o 5G está começando a ser implementado em alguns países. Isso é especialmente verdadeiro, considerando que a Qualcomm basicamente conquistou o mercado de chipsets 5G, e é provável que a Qualcomm continuasse com esta postura gananciosa, se não fosse a intervenção da FTC.

[FTC via FossPatents]

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