Mais produtividade e novas necessidades: como a IA impacta o mercado de trabalho?
O ChatGPT abriu as portas para uma série de possibilidades oferecidas pela inteligência artificial. Além dos potenciais da automação, solução amplamente utilizada pelas empresas nas últimas décadas, a IA se tornou uma aliada dos profissionais até para ter novas ideias. Não à toa, seu uso se tornou constante.
Em um estudo da Bain & Company divulgado em junho de 2023, a consultoria mostrou que 85% das empresas entrevistadas consideram adotar a inteligência artificial.
Mas isso deixa algumas perguntas no ar:
- Como fica o mercado de trabalho nessa história toda?
- Será que os empregos vão, de fato, desaparecer
O Giz Brasil foi atrás das respostas. Confira abaixo.
Para tratar dessa questão, João Duarte, CTO da Trybe, faz um paralelo com o Movimento Ludista, durante a Revolução Industrial, que ficou conhecido pela destruição de máquinas como forma de protesto com o avanço da tecnologia.
“Toda nova tecnologia que chegou gerou mais empregos do que ela destruiu”, apontou. “Apesar de, sim, ela transformar a forma que as pessoas trabalham e mudar a forma como o valor é gerado na economia, digamos assim.”
O pesquisador e engenheiro integrante do IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos) segue o coro. Segundo Euclides Chuma, em vez de acabar com os empregos, a IA vai “turbinar” as profissões.
Além disso, ao longo da história, o surgimento de novas tecnologias criou novas formas de trabalhos. Ou seja, as profissões tiveram que se adaptar às novas necessidades.
É o caso da profissão do carteiro, conforme apontado pelo engenheiro. “Quando surgiu o e-mail, falava-se que o carteiro ia acabar. E o serviço, você vê, não acabou”, explicou. Neste caso, o mercado de logística se fortaleceu com o crescimento da internet e graças às plataformas de e-commerce.
“O aumento da produtividade obtida com a industrialização não acabou com os empregos, apenas fez com que as pessoas passassem a atuar em outras atividades, criando mais riqueza”, observou Sérgio Palma da Justa Medeiros, professor da Escola Politécnica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Mais produtividade aos escritórios
A maioria das profissões devem sofrer algum impacto com o avanço da inteligência artificial. Especialmente os escritórios, que contarão com mais produtividade nas atividades do dia a dia.
Mas esta não é a primeira vez que essa mudança acontece. Chuma e Duarte lembram da introdução do Microsoft Office, especialmente do Excel, que dinamizou as tarefas cotidianas. Entre elas, as atividades dos setores de contabilidade e financeiro, onde os cálculos eram feitos à mão.
Hoje, não há empresa que não utilize uma planilha pelo Microsoft 365 ou Google Workspace para cálculos e demais atividades. Ou seja, as aplicações se tornaram um lugar-comum no mercado.
Ferramentas como o ChatGPT, Copilot e afins devem seguir por este mesmo caminho. Assim, os profissionais conseguem dedicar seus esforços a outras tarefas que necessitem de mais atenção. Ou podem até mesmo ter mais tempo para si.
Não à toa, o professor da UFRJ destaca que a IA, neste sentido, se torna um “fator amplificador da capacidade humana”.
Mas, apesar do “boom” do chatbot da OpenAI e das demais soluções de IA generativa, isto não significa que o uso da inteligência artificial é novidade. Muito pelo contrário, esses sistemas são utilizados há bastante tempo.
É o caso dos bancos e operadoras de cartão de crédito. Os setores financeiro e bancário já utilizam modelos para detectar usos indevidos em transações financeiras e impedir as tentativas de fraudes há anos, por exemplo.
A grande questão é que todo esse poder computacional alcançou outras frentes. Especialmente porque a inteligência artificial generativa rompeu duas barreiras de outrora: a necessidade massiva de dados para treinamento dos modelos e a especificidade dos sistemas.
Agora, com o “boom” da inteligência artificial generativa, os sistemas são gerais. O CTO da Trybe lembra que o ChatGPT e outros modelos já são pré-treinados, prontos para uso. Além disso, as aplicações não são destinadas a fins específicos.
Novas oportunidades ao mercado de trabalho
Os últimos avanços da inteligência artificial também abrem um leque de oportunidades para diversas frentes. A começar pelos novos problemas que, eventualmente, surgem ao lado das tecnologias emergentes, resultando em novas profissões.
Ivan Vemado, head de Machine Learning & Advanced Analytics da Leega, afirma que os novos postos estão associados às deficiências das atividades. Este fator movimenta o mercado, uma vez que mais pessoas vão se especializar para satisfazer as necessidades dessa ação específica. É aí que se cria um novo cargo.
É o caso do engenheiro de prompt, que ganhou bastante relevância nos últimos tempos. A atividade consiste em explorar as melhores práticas dos sistemas de inteligência artificial para receber os melhores retornos.
Também é preciso manter a atenção na liderança. Diante desse momento de transformação, o executivo indica que o líder se torna uma figura central para construir times eficientes. Além disso, o gestor é um guia para explorar esses sistemas de maneira eficiente e proativa.
Contudo, encontrar esse profissional não é tarefa fácil. Para explicar o desafio, Vemado faz um paralelo com a estreia do mercado de cloud computing, que exigia profissionais com dez anos de experiência para a liderança. O setor de computação na nuvem, no entanto, ainda mal tinha atravessado os cinco anos de existência.
“A mesma coisa vai acontecer com as IAs mais especializadas em um segmento, como a IA generativa. Como é que você cria um cargo de liderança e vai exigir que a pessoa tenha cinco anos de gestão em cima de times de IA generativa? Vai ser complicado e esses talvez sejam os cargos que vão começar a surgir: liderança e especialistas em atividades específicas”, listou o executivo.
IA pode virar lugar-comum no mercado de trabalho
João Duarte, por sua vez, retorna aos tempos em que a exigência do “Pacote Office” aparecia em quase todas as descrições de vagas. Não à toa, existia uma oferta de cursos para atender essa demanda. Hoje, essa exigência tornou-se subentendida no mercado de trabalho.
“Isso não está lá escrito mais como uma habilidade específica que é requisitada [na vaga]”, disse o CTO da Trybe. “Só que você não consegue mais imaginar uma pessoa que vai entrar para uma vaga em que ela não saiba utilizar as ferramentas do pacote Office.”
Esse cenário deve se repetir com as ferramentas de inteligência artificial, mas temporariamente. Afinal, tanto o ChatGPT quanto os demais modelos tendem a impactar a competitividade do mercado de trabalho.
Principalmente ao considerá-las como auxiliares no cotidiano profissional. Pegando o meu caso como exemplo, os chatbots movidos por IA generativa me auxiliam quando preciso ter ideias para textos complexos.
É quase como um colega de trabalho com quem eu posso conversar em momentos de correria para refrescar a memória.
No computador, o Google Bard e o Copilot do Windows 11 realizam outras atividades corriqueiras. Se preciso calcular o desconto de 20% de um celular que custa R$ 5,3 mil para uma matéria, por exemplo, basta perguntar “quanto é 20% de 5.300?”.
Antes, eu dependia quase que exclusivamente de uma planilha com fórmulas estruturadas para fazer esses e outros cálculos mais complexos com agilidade.
E é justamente aqui que entra a maior vantagem dos modelos de IA, segundo os especialistas: o aumento da produtividade. Para o CTO da Trybe, com a ferramenta, o profissional é capaz de entregar mais e com qualidade maior. Assim, ele se torna mais competitivo no mercado.
Mas isto não significa que o seu uso é imperativo. Nem todas as atividades ou até mesmo nem todas as profissões dependem, necessariamente, desses sistemas.
Por isso é importante experimentá-los e verificar como os modelos se aplicam no seu dia a dia profissional.
Como se preparar para o avanço da IA no mercado de trabalho?
A estreia dos novos sistemas, especialmente os modelos de IA generativa, reacendem a necessidade de se especializar constantemente. Diante desse cenário, o professor da UFRJ ressalta a importância de estudar e experimentar as aplicações.
“Continuem experimentando, seja em um curso formal ou lendo artigos por iniciativa própria”, complementou. Ele também listou as disciplinas fundamentais para quem vai mergulhar nesse mundo: estatística, computação e ciência de dados.
Euclides Chuma, do IEEE, também indica o uso das ferramentas. “Recomendo, no mínimo, entender como a ferramenta funciona”, disse. Mas também é preciso ser crítico, pois nem sempre esses sistemas retornam resultados corretos.
Para Ivan Vemado, da Leega, é importante entender que tipo de profissional você é. Especialmente porque há dois caminhos nessa seara: um para o usuário e outro para o desenvolvedor.
No primeiro caso, não é necessário aprender a programar ou se aprofundar em estatística, por exemplo. Mas é preciso buscar as melhores práticas para esses sistemas, a fim de utilizá-los para alavancar a produtividade no dia a dia profissional.
Já para desenvolvedores, o aprofundamento em programação, engenharia de software, matemática e estatística já se torna necessário.
João Duarte, da Trybe, recomendou a “colocar a mão na massa” e a conhecer coisas novas pois estamos “vivendo uma revolução”. “Nessa hora, o que a gente precisa ter é conhecimento, contexto e entender como essas coisas estão acontecendo”, concluiu.