
Neurodiversidade vira “habilidade” no mercado de inteligência artificial

A startup Enabled Intelligente, sediada no estado da Virgínia, ao sudeste dos EUA, passou a priorizar pessoas neuroatípicas em seus processos seletivos para vagas de inteligência artificial.
Isso porque o negócio, que oferece soluções para agências federais dos EUA, depende do reconhecimento de padrões, resolução de quebra-cabeças e foco profundo – habilidades muitas vezes atribuídas a pessoas no espectro autista, disse o diretor executivo da startup, Peter Kant, à agência Bloomberg.
Kant conta que decidiu iniciar o negócio em 2020, depois de ler sobre um programa israelense que recruta pessoas com autismo para o trabalho de inteligência cibernética. Agora, mais da metade da equipe de 25 pessoas têm ou já tiveram algum diagnóstico de neurodiversidade.
Segundo ele, a startup ajustou suas regras e espaço para acomodar os funcionários. Também dispensou currículos e entrevistas online e flexibilizou os horários do expediente.
Os recém-contratados recebem US$ 20 por hora mais benefícios, conforme as regras trabalhistas norte-americanas. Com o passar do tempo, os funcionários podem receber promoções a cargos com pagamentos mais altos.
A startup oferece o trabalho conhecido como “anotação de dados”, que rotula, treina e testa dados necessários a sistemas de inteligência artificial. O negócio está dando certo: antes, eles dependiam que profissionais da China, Quênia e Malásia fizessem o trabalho.
Mas, como são dados sensíveis e sigilosos e os EUA estão em disputa diplomática e comercial com Pequim, o jeito foi deixar a operação dentro do país. Agora, a empresa espera faturar US$ 2 milhões neste ano e US$ 4 milhões no ano que vem, quando também deve dobrar o número de funcionários.
Demorou
A entrada de pessoas neurodiversas, em especial autistas, no mercado de trabalho sempre esteve cercada de desafios. Quando não se veem nas estatísticas de desemprego, essas pessoas encontram discriminação e espaços de trabalho despreparados.
Mas o grande déficit de profissionais na segurança cibernética e uma mudança na percepção dos ambientes de trabalho, em parte estimulada pela pandemia, pode mudar este quadro – pelo menos nos EUA.
Na Europa, isso já é “notícia velha”. Existem programas de capacitação de talentos neurodiversos já estabelecidos na Dinamarca, Israel, Reino Unido e Austrália. Em agosto, o governo estadual da Austrália Meridional elegeu sua primeira ministra para a causa autista, Emily Bourke.
Aqui no Brasil, a conscientização ainda dá seus primeiros passos. Não se sabe exatamente quantas pessoas vivem no espectro autista. O que existe são estimativas feitas a partir de dados do CDC, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. O órgão estima um caso de autismo a cada 110 pessoas.
Projetando a proporção, seriam quase 2 milhões de brasileiros no espectro. E como não há certeza no número de pessoas, também não há dados certeiros sobre o mercado de trabalho.
Em 1993, a Lei 8.213 estabeleceu vagas para pessoas com deficiência em empresas com mais de 100 funcionários. Desde então até 2019, 8,95% dos 403,9 mil contratados desde 1993 eram pessoas com deficiência mental/intelectual. Outros 44,8% eram pessoas com deficiência física. Para os efeitos legais, pessoas no espectro autista são classificadas como pessoas com deficiência.