Novo estudo diz que coronavírus se tornou mais contagioso, mas especialistas discordam

Pesquisa afirma que mutação em proteína spike do coronavírus o tornou mais contagioso. Especialistas dizem que estudo não demonstra isso.
O Departamento de Parques de Nova York distribui máscaras de pano gratuitas. Foto: Getty Images

Um artigo científico preliminar sobre a COVID-19 — repercutido pelo Los Angeles Times na terça-feira (5) — certamente deixará algumas pessoas nervosas. Ele argumenta que o mundo agora está lidando com uma forma do coronavírus mais contagiosa do a versão originada na China, pois ele teria passado por uma mutação. Mas os cientistas com quem conversamos são céticos em relação às conclusões do artigo.

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O artigo, publicado no site de pré-impressão bioRxiv em 30 de abril, foi escrito por pesquisadores do Laboratório Nacional Los Alamos, no Novo México.

Por dois meses, de acordo com o artigo, os autores estudam a evolução do SARS-CoV-2, o coronavírus por trás da COVID-19. Para fazer isso, eles analisaram diferentes sequências genéticas do vírus retiradas de pacientes à medida que a pandemia se espalhava pelo mundo. Eles se concentraram amplamente em uma parte essencial do vírus que permite infectar células, conhecida como proteína spike.

A equipe notou que amostras da cepa original em Wuhan, China, às vezes carregavam uma certa mutação na proteína spike, chamada D614. Muitos dos primeiros casos na Europa, nos EUA e em outros lugares também levavam D614. No início de fevereiro, no entanto, outra forma da mutação, chamada G614 (ou D614G), começou a surgir. E em quase todas as regiões, começando na Europa, a equipe viu um padrão familiar nas amostras estudadas: a forma G614 do vírus aparecia e rapidamente substituía a forma D614, às vezes em questão de semanas.

Partículas de SARS-CoV-2 em um paciente humano, mostradas em azul. Imagem: Getty Images

Os autores argumentaram que essa rápida disseminação da versão do vírus G614 demonstra “o surgimento de uma forma mais transmissível de SARS-CoV-2”.

A possibilidade de um coronavírus mais contagioso é certamente plausível. Mas o caso do artigo é circunstancial, de acordo com Bill Hanage, epidemiologista da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade Harvard.

Em geral, concorda-se que os surtos de COVID-19 que se espalharam pelo mundo se originaram em grande parte de cepas do vírus que surgiram na Europa, depois do surgimento na China no ano passado. Mas isso não indica necessariamente que o vírus mudou significativamente para realizar esse feito.

“A grande maioria dos isolados sequenciados agora descende do surto europeu, que se espalhou mais amplamente do que o chinês. Isso pode ser porque é mais transmissível, mas também porque as intervenções relativamente tardias permitiram que ela se espalhasse mais”, disse Hanage ao Gizmodo.

Em outras palavras, a mutação G614 pode não ter efeito sobre o quão contagioso é o vírus; ela pode apenas ter pegado carona nas cepas do vírus que foram espalhadas da Europa para qualquer outro lugar. E, embora Hanage pense que os autores têm alguma evidência interessante sugerindo que a mutação poderia melhorar plausivelmente a capacidade do vírus se espalhar, isso não é conclusivo.

Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Columbia, é ainda mais cética em relação às conclusões da equipe do que Hanage.

“Eles não fizeram um único experimento, e tudo isso é conjectura”, disse ela ao Gizmodo. “Não há indicação de que essa mutação torne o vírus mais transmissível, e eles não fizeram nada para mostrar que essa mutação é funcionalmente significativa.”

A pesquisa sobre a COVID-19 progrediu com mais velocidade do que o normal na ciência. Pesquisadores (e jornalistas) tiveram que equilibrar a necessidade de precisão com os riscos à saúde pública. Ao divulgar seu trabalho, os autores disseram que sentiam a necessidade urgente de um canal de “alerta rápido” para rastrear as mudanças na evolução da proteína spike do vírus. Ela é o que os cientistas pretendem atingir com possíveis vacinas e tratamentos. Quaisquer mutações verdadeiramente relevantes podem impactar seriamente esses esforços e podem até tornar os sobreviventes vulneráveis ​​a uma segunda infecção.

Mas os vírus sofrem mutações o tempo todo, e a maioria das mutações acaba não afetando a forma como o vírus se espalha ou adoece as pessoas. Por enquanto, o júri ainda está em dúvida se essas descobertas preliminares da equipe de Los Alamos significam alguma coisa. Dito isto, a atual pandemia é bastante assustadora, tenha o vírus sofrido alguma mutação relevante ou não.

“É preciso ficar atendo, mas também é preciso ser cético”, disse Hanage.

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