Oracle, empresa com ligações com CIA e NSA, demonstra interesse no TikTok
A Oracle é mais uma empresa a manifestar interesse em comprar o TikTok, segundo o Financial Times. A rede social deve ser vendida após o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçar proibir o aplicativo no país.
Trump declarou que proibiria o TikTok nos EUA antes de ser revelado que Microsoft e Twitter estavam estudando formas de adquirir a empresa. A Oracle está interessada em comprar não apenas as operações da TikTok nos Estados Unidos, mas seus escritórios no Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
A administração Trump está supostamente preocupada com a privacidade dos americanos no TikTok e com as maneiras pelas quais o governo chinês poderia explorar os dados dos usuários baseados nos EUA. O TikTok é de propriedade da Bytedance, uma desenvolvedora com sede na China.
Porém, a Oracle é uma pretendente curiosa, principalmente se lembrarmos a história da empresa: ela foi criada por Larry Ellison em 1977 como um projeto financiado pela CIA e foi fundamental para a criação do estado moderno de vigilância.
A história real da Oracle é muitas vezes ofuscada sempre que a imprensa escreve sobre como Larry Ellison criou a gigante de software nos anos 1970.
O Vox, por exemplo, escreveu um artigo inteiro sobre a história da Oracle em 2014 que não mencionava a CIA nem mesmo uma única vez.
Mas os laços da Oracle com a CIA e a comunidade de inteligência dos EUA são profundos, mesmo que esse fato seja frequentemente ignorado por pessoas que gostam de fingir que a Oracle foi apenas mais uma humilde startup do Vale do Silício.
Ellison escolheu o nome Oracle porque trabalhou nos planos de rede de banco de dados da CIA, que também tinha o nome Oracle em 1975.
Ellison, que agora é bilionário, trabalhou em uma empresa chamada Ampex, construindo um sistema de memória terabit (um hardware utilizado o processamento de dados de computadores na época) para a CIA – o objetivo era ter uma quantidade absolutamente enorme de espaço de armazenamento computacional em meados da década de 1970.
“A primeira versão de nosso banco de dados foi chamada Oracle Version 2. Não pensei que ninguém, nem mesmo o governo, compraria a primeira versão de um banco de dados feito por cinco caras na Califórnia”, teria dito Ellison, como consta no livro Softwar de 2003 escrito por Matthew Symonds.
“As notícias sobre nosso banco de dados viajaram pela comunidade de inteligência muito rapidamente”, disse Ellison à Symonds. “Eu faria uma apresentação em uma agência na segunda-feira, o que resultaria em um telefonema na terça-feira para visitar outra agência na quarta-feira. Uma semana voei para Washington D.C. três vezes. Em pouco mais de seis meses tínhamos ganho vários negócios – a CIA, a Inteligência da Marinha, a Inteligência da Força Aérea e a NSA.”
A integração da Oracle com a comunidade de inteligência dos Estados Unidos não parou nos anos 1970, obviamente. Symonds estava escrevendo seu livro Softwar antes e depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, por isso há muitas pistas sobre como Ellison se saiu após uma de suas conversas em um jantar com Michael Hayden da NSA em 13 de setembro de 2001 ou no almoço com o Procurador-Geral do Presidente George W. Bush, John Ashcroft, nessa mesma viagem.
Não sabemos exatamente o que foi dito nessas reuniões entre a Oracle e os maiores espiões dos EUA, mas podemos dar um palpite. Ellison queria criar um banco de dados de segurança nacional que reunisse tudo o que fosse possível para identificar alguém, desde impressões digitais, passando por identificação das mãos e indo até leituras de íris. Ellison chegou a dizer o mesmo publicamente na época.
“Criar um banco de dados deste tipo é tecnicamente simples. Tudo o que temos que fazer é copiar as informações das centenas de bancos de dados separados das forças da lei em um único banco de dados. Um banco de dados de segurança nacional poderia ser construído em poucos meses”, escreveu Ellison no New York Times em janeiro de 2002, quando os ataques terroristas de 11 de setembro ainda estavam muito frescos na mente de todos os americanos.
Ellison ganhou muito dinheiro com o governo nos anos que se seguiram aos ataques de 11 de setembro. O governo federal foi responsável por cerca de um quarto dos bilhões de receitas da Oracle em 2003, de acordo com um livro de 2004, The Naked Crowd: Reclaiming Security and Freedom in an Anxious Age (A Multidão Nua: Recuperando segurança e liberdade na era da ansiedade, em tradução livre) de Jeffrey Rosen.
Ellison tem defendido repetidamente as táticas da comunidade de inteligência sempre que surgiram controvérsias, dizendo à CBS News em 2013 que o programa de espionagem doméstica da NSA é “essencial“.
Há uma janela constante entre a Oracle e a CIA. Leon Panetta, que atuou como diretor da CIA de 2009 a 2011 e Secretário de Defesa de 2011 a 2013, juntou-se ao conselho da Oracle em 2015. E o site da Oracle tem depoimentos de pessoas que se mudaram com sucesso do mundo da coleta de informações secretas para a Oracle, como Andrew C., que não tem seu sobrenome revelado, presumivelmente como um sinal de que você pode se manter discreto no setor privado, assim como era na CIA.
David Carney, ex-funcionário da alto escalão da CIA que passou 32 anos na agência, passou a trabalhar para a Oracle e foi bastante contundente ao falar com Jeffrey Rosen sobre o ambiente de negócios.
“De certa forma, o 11 de setembro tornou os negócios um pouco mais fáceis. Antes do 11 de setembro, você praticamente tinha que divulgar a ameaça e o problema”, diz Carney no livro, explicando que depois do 11 de setembro, todos estavam “clamando” por seus negócios.
Ainda há muito que não sabemos sobre o relacionamento da Oracle com a comunidade de inteligência após os anos 1970. Documentos da CIA que foram desclassificados em 2004 e só publicados online em 2016 ajudam a dar um pouco do histórico dos planos da Oracle da CIA antes que Ellison desse esse nome à sua empresa.
Mas provavelmente passarão décadas até que compreendamos o verdadeiro escopo do papel da Oracle na construção de ferramentas para o governo nos anos 1980 e 1990, sem contar o ambiente pós 11 de setembro.
Por enquanto, só temos que acreditar na palavra de Ellison para saber quanta informação a Oracle está ajudando a armazenar e especular sobre o que aconteceu ou não aconteceu após as reuniões de Ellison com os líderes do governo dos Estados Unidos.
“O banco de dados Oracle é usado para acompanhar basicamente tudo”, disse Ellison a Rosen no início dos anos 2000 para o livro The Naked Crowd. “As informações sobre seus bancos, seu saldo de cheques, seu saldo de poupança, são armazenadas em um banco de dados Oracle. Sua reserva de companhia aérea é armazenada em um banco de dados Oracle. Os livros que você comprou na Amazon são armazenados em um banco de dados Oracle. Seu perfil no Yahoo! é armazenado em um banco de dados Oracle.”
O ex-terceirizado da NSA, Edward Snowden, ajudaria a expor muitas das táticas de espionagem da América em 2013, mas dada a decisão do jornalista Glenn Greenwald de fechar o arquivo dos documentos de Snowden em 2019, talvez nunca tenhamos a história completa.
Ninguém sabe ao certo se a Oracle vai acabar comprando o TikTok, mas o relógio está correndo. A administração Trump deu ao TikTok 90 dias para ser vendido, o que significa que o app tem que mudar de mãos antes de novembro.
De acordo com o Financial Times, a Oracle também está falando com vários investidores sediados nos Estados Unidos, como a General Atlantic e a Sequoia Capital, empresas que já possuem partes do aplicativo.
Coincidentemente ou não, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos estão todos na chamada aliança de espionagem Five Eyes, sugerindo que se a Oracle comprar o TikTok, os usuários poderão trocar potenciais preocupações de privacidade colocadas pelo governo chinês por preocupações de privacidade colocadas pelo governo dos EUA e seus aliados.
Todas essas preocupações são provavelmente menores em comparação com o que as empresas de dados privados já estão vendendo para agências governamentais em todo o mundo.
Mas não é como se qualquer um dos concorrentes potenciais tivesse mãos limpas quando se trata de vigilância patrocinada pelo governo. Nem vamos falar da Microsoft. O navio de privacidade já zarpou, e praticamente todas as empresas do Vale do Silício ganharam dinheiro empurrando-o para o mar.