Um garimpo da maratona de palestras que analisa o presente de olho no que nos espera no futuro

Realidade virtual, carros autônomos, edição de genes, vida extraterrestre... Falou-se de tudo em mais uma edição do SXSW, e nós fomos lá conferir

Realidade Virtual, Inteligência Artificial, robôs, vida em outros planetas, Bots, Blockchain, wearables, futuro do trabalho, futuro das cidades, futuro das notícias, futuro da comida, futuro da saúde… futuro inteligente! Todas essas tags foram algumas das que permearam as mais de mil palestras desta edição do festival South by Southwest (o SXSW), em Austin, no Texas, que acabou no fim de semana passado.

• Jaqueta inteligente faz futuro da conectividade parecer menos invasivo – e mais elegante
• Nossos corpos não estão prontos para a realidade virtual

O festival, que nasceu tendo na música seu principal pilar – Austin se autodenomina a capital mundial da música ao vivo –, ficou enorme. Para se ter uma ideia, na edição do ano passado foram 1.377 painéis, ministrados por 3.093 palestrantes, vistos por 37.660 pessoas de 84 países diferentes. Isso só no Interactive, a parte que aborda tecnologia e inovação, sem contar os festivais de cinema e música. Direta e indiretamente, o festival injetou US$ 325,3 milhões na economia da cidade em 2016.

É curioso olhar hoje para a programação do evento, com todas essas tags apontando para o futuro e meio high tech (só sobre futuro inteligente foram 126 painéis) e pensar que, quando foi criado, em 1986, a internet comercial não existia no Brasil e o www ainda seria inventado. Era um mundo sem Facebook, YouTube, iPhone ou projeto Genoma. As pessoas não tinham computador, e sim máquina de escrever, e ainda usavam telefone fixo com linha discada.

Em meio a tanto conteúdo, o Gizmodo Brasil esteve lá e fez um garimpo de algumas das atrações que vimos. A tarefa é árdua, já que o volume de informação, como já foi dito, é enorme. A maratona de palestras, debates e conversas com gente brilhante em suas áreas – são cientistas, astrônomos, médicos, jornalistas, cineastas, músicos, gamers, engenheiros, físicos, químicos responsáveis por boa parte das invenções e grandes projetos da atualidade – desperta uma reflexão: mas, afinal, para quê tudo isso?

O que alimenta essa curiosidade de estudar a história e analisar o presente de olho no que nos espera no futuro? O livro Homo Deus – Uma breve história do amanhã ajuda a responder a pergunta. Para o autor, o israelense Yuval Noah Harari (que poderia ter sido um dos palestrantes deste ano, aliás), “estudamos história não para poder predizer o futuro, e sim para nos libertar do passado e imaginar destinos alternativos”. Ou seja, mergulhamos em uma maratona de informações para tentar decifrar a realidade e, principalmente, escolher como transformá-la.

A tecnologia que usa uma proteína para editar o DNA

Um dos keynotes desta edição do SXSW, a cientista Jennifer Doudna foi uma das responsáveis por inventar uma tecnologia capaz de editar o genoma. O projeto, chamado CRISPR-Cas9, faz com que cientistas sejam capazes de alterar as células do nosso DNA. Um dos maiores impactos da técnica é a possibilidade de curar doenças genéticas.

CRISPR

O interessante é que essa descoberta, assim como tantas outras que começam apontando para determinado lugar e levam a outro completamente diferente, teve início com um estudo de bactérias, infecções virais e uma proteína chamada Cas9. A grande sacada dos cientistas foi conseguir usar a proteína como tecnologia para editar o DNA – cortando ou inserindo peças com precisão. E a técnica vem avançando.

Naturalmente a descoberta, que já foi aplicada em macacos, camundongos e em embrião humano, gera polêmica. Ela pode não só ser usada para tratar de células doentes, mas, tecnicamente falando, poderia gerar um super bebê. Sobre essas questões éticas, Doudna abre o debate. “Convido a sociedade para discutir. Temos a tecnologia. Cabe a nós decidir como usar.” Não é nada simples. A começar pelo significado de CRISPR – Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.

Assista ao Keynote com Jennifer Doudna

Estamos sozinhos?

“Há muitas pessoas ao redor do mundo olhando para o céu se perguntando sobre o que é tudo isso, do que tudo isso se trata.” Foi assim que o astrônomo Patrick MacCarthy abriu a mesa que discutiu sobre as possibilidades de vida além da terra, a evolução das galáxias e a nova geração de telescópios para exploração do espaço. Além dele, Katie Morzin, especialista em astronomia e física, Jayne Birkby, da Nasa, e Taft Armandroff, da Universidade do Texas, também participaram da conversa.

Morzin reforçou sobre a dificuldade de simular em laboratório, na Terra, as mesmas condições de outras atmosferas. Ainda assim, quando questionada sobre sua opinião sobre haver ou não vida lá fora, ela foi categórica. “Na minha opinião, sim!”.

trappist-system

(Imagem: Nasa)

Quando se referem a encontrar vida em outros planetas, os cientistas, cautelosos, apontam não para uma espécie de super alienígena, que pode habitar o imaginário de muita gente, mas, sim, para o fato de estarmos mais próximos de encontrar, por meio de evidências físicas e químicas, uma espécie de vida, ainda que primitiva.

Para MacCarthy, isso depende de fatores como a nova geração de telescópios, o suporte de instituições, governo e sociedade para estudos voltados à astronomia e o investimento em tecnologia e desenvolvimento de estudos e pesquisas.

• Veja esta máquina monstruosa carregar antenas de telescópio com 100 toneladas

Brain Wearables

Tan Le é vietnamita, inovadora e empreendedora. Ela fundou a empresa EMOTIV, onde atualmente ocupa o cargo de CEO. No painel Brain Wearables, ela contou sobre a tecnologia BCI, que transforma sinais cerebrais em ações, usando uma tecnologia de vestir. Funciona assim: com um dispositivo na cabeça, uma pessoa pode controlar uma cadeira de rodas, por exemplo, ou fazer objetos se mexerem, por meio das ondas cerebrais.

“Tudo vai ser determinado pela tecnologia. Pela integração entre o físico, o digital e o biológico. Essa convergência é a revolução tecnológica que vai mudar nossa forma de pensar, de nos relacionar”, diz Le.

Durante a palestra, o público foi convidado a testar um dos modelos da EMOTIV, para, por meio do pensamento, fazer uma bolinha rolar pelo chão. Depois de sofrer para conseguir conectar o dispositivo da cabeça com o celular, duas pessoas da plateia fizeram a bolinha correr pelo palco, usando apenas o comando do cérebro, usando o dispositivo na cabeça.

A tecnologia pode ser usada como instrumento poderoso de comunicação para quem, por exemplo, sofreu um acidente e perdeu os movimentos. É o caso de Cora Lovio, que, aos 18 anos, foi vítima de um grave acidente de carro.

Agora, os estudos de Le estão voltados para que a leitura das ondas cerebrais possa reconhecer e captar emoções, expressões e classificá-las. Isso ajudaria no desenvolvimento da tecnologia para prevenção de doenças como o autismo e outros problemas neurológicos. Para Le, tudo que é digitalizado vai poder ser reconhecido pelo cérebro. “Mas toda essa tecnologia só faz sentido se ela estiver à mão de todos, se for democrática.”

Por enquanto, o estiloso dispositivo que você usa na cabeça (são alguns modelos diferentes, disponíveis no site da empresa) já pode ser adquirido, a partir de US$ 299.

emotiv

Uma solução para carros autônomos: manter o motorista

Como fazer um robô entender o balé social do trânsito? Para especialistas, ainda estamos longe disso. Na mesa Uma solução para carros autônomos: mantenham o motorista!, roboticistas do MIT, um engenheiro da Toyota e uma cientista da universidade de Duke defenderam que não estamos prontos para os carros 100% autônomos.

Estavam presentes Daniela Rus, do MIT, John Leonard, da Toyota, o jornalista de tecnologia do New York Times, John Markoff, e a professora da Universidade de Duke, Missy Cummings. MIT e Toyota estão desenvolvendo um sistema de carros inteligentes em que o robô funciona como uma espécie de guardião do motorista.

É o que eles chamam de sistema paralelo, em que a máquina funciona para alertar, dar segurança, ver o que o homem não vê. A proposta funciona como uma parceria entre robôs e humanos na direção do carro, para garantir uma experiência mais segura e evitar acidentes. Segundo Daniela Rus, do laboratório de inteligência artificial do MIT, estudos mostram que a melhor opção hoje é casar a inteligência da máquina com a percepção humana do trânsito.

Para Missy Cummings, estamos queimando etapas no processo de dar autonomia para carros. “Embora muitos de nós aqui nesta sala tenham certeza de que dirigimos bem, nós dirigimos mal. Falhamos muito. E somos nós que ensinamos às máquinas.”

Alguns exemplos para apontar problemas que um carro autônomo pode ter: se por algum motivo, como um protesto, um marronzinho passa a controlar o fluxo de um cruzamento, o robô vai respeitar apenas se o sinal está vermelho, verde ou amarelo. Nós sabemos que, se uma bola cruza a rua, é grande a chance de, na sequência, aparecer uma criança. O robô não sabe disso. São inúmeras as situações imprevistas versus o status de aprendizagem das máquinas.

O sistema de autonomia existe há tempos. Mas não dispensa a presença do motorista. É usado também em trens e aviões. Carros autônomos já estão por aí, dirigindo em ambientes controlados, seguros, a uma velocidade de 20, 25 quilômetros por hora. Mas isso não reflete a realidade do trânsito.

Para os especialistas, é preocupante que empresas como Tesla e Google falem como se em breve fossemos ver carros autônomos circulando normalmente pelas ruas sem motorista. “O que me preocupa é que essas empresas estão investindo milhões na tecnologia que dá 100% de autonomia ao carro e não teremos carros totalmente autônomos nos próximos anos, dirigindo com segurança.”

Ainda sobre carros autônomos, outras mesas do SXSW chamaram atenção para a necessidade de olhar para o que está além do desenvolvimento tecnológico que dá autonomia aos veículos: infraestrutura das cidades, como ruas e sistema de sinalização, e legislação.

Pílulas

  • No painel O futuro da criatividade é artificial, Chris Graves, diretor criativo da agência Team One, contou sobre a experiência de ter participado do projeto do vídeo-clipe feito com inteligência artificial. Da direção à edição, passando pela escolha do figurino, todas as decisões foram tomadas por máquinas. A equipe usou tecnologias como Muse Eeg, Microsoft Rinna, IBM Watson, Affectiva API, Prenav Drones e AI Director.

Veja mais no vídeo abaixo:

  • O ex-astronauta Buzz Aldrin, segundo homem a pisar na Lua, foi um dos destaques do festival. Ele recebeu bastante atenção da mídia, por causa do seu ousado projeto de colonizar Marte. O filme em que ele “aparece em Marte” teve a participação de dois brasileiros: Danilo Moura e Guilherme Ramballi, especialistas em VR. A ideia é que o filme seja visto com Oculus Rift. Por enquanto, segue aqui um aperitivo.
  • Falando em VR, essa foi a palavra predominante desta edição. Alguns expositores proporcionaram experiência de realidade virtual ao público do SXSW, em espaços que viviam lotados e com filas. Usando Oculus Rift e fones de ouvido, você podia ir à Marte em uma espaçonave da Nasa ou ao interior da Casa Branca, em um tour com direito a papo com Barack Obama e Michelle, assim, sentados bem pertinho de você.

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas