Pessoas privadas de sono podem se tornar mais solitárias e transmitir essa solidão
Todos sabem que não dormir o bastante ou direito é ruim para sua saúde física. Mas um novo estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley sugere que um sono ruim pode ser também um pesadelo para a nossa vida social. O hábito pode nos transformar em párias solitários, capazes de espalhar nossa angústia para os outros.
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Já sabemos que a má qualidade de sono está ligada a experiências negativas como ansiedade, depressão e solidão. Muitos dos estudos explorando essa conexão já sugeriram que a solidão piora nossos hábitos de sono. Mas existem menos pesquisas sobre se o oposto é verdade. Portanto, os cientistas por trás desse mais recente estudo decidiram realizar uma série de experimentos, usando voluntários humanos tanto online quanto offline, para chegarem a uma resposta.
Primeiro, eles recrutaram 18 estudantes universitários saudáveis que foram selecionados com qualquer problema de sono. Os voluntários foram convidados a ir ao laboratório de sono para duas sessões, cuja ordem era randomizada. Em uma sessão, eles chegaram ao laboratório e instalaram eletrodos para medir a atividade de sono, sendo então mandados para casa para dormir como fariam normalmente. Na outra sessão, eles passaram a noite no laboratório, sendo monitorados para garantir que eles não dormissem.
Em ambas as sessões, na manhã seguinte no laboratório, os voluntários preenchiam pesquisas sobre seu humor e ansiedade. Eles também completaram dois tipos parecidos de tarefas feitas para medir seu nível preferido de interação social. Depois, os voluntários eram entrevistados em vídeo sobre eventos atuais por cerca de 20 minutos.
Em uma tarefa, o voluntário e o pesquisador ficavam de pé, de frente um para o outro, a 91 cm de distância. O pesquisador então andava em direção ao voluntário até que estivesse perto o bastante para deixar o voluntário desconfortável; a tarefa então era revertida, com o voluntário caminhando até o pesquisador. Ambos os cenários eram então repetidos com um pesquisador do gênero oposto. Na segunda tarefa, o procedimento era repetido, mas virtualmente. Enquanto os voluntários tinham seus cérebros escaneados via ressonância magnética funcional, eles assistiam a vídeos tanto de pessoas e objetos computadorizados se aproximando deles. Eles foram convidados a sinalizar exatamente quando se sentiam irritados com o avatar cada vez mais próximo.
Tanto nas tarefas reais quanto virtuais, descobriram os pesquisadores, o desejo das pessoas por espaço aumentou quando elas não tinham dormido na noite anterior. Elas também relataram se sentir mais solitárias do que se sentiam depois de uma noite completa de sono.
Não contentes em parar por aí, os autores então se voltaram para a internet. Eles recrutaram voluntários online nos EUA por meio do Mechanical Turk, da Amazon. Ao longo de duas noites, pessoas foram convidadas a acompanhar seus padrões de sono, assim como sua ansiedade e seu humor. Assim como antes, as pessoas que relataram pior qualidade de sono em pelo menos uma dessas duas noites se sentiam mais solitárias, em média, do que as pessoas que dormiram bem em ambas as noites.
Por fim, os pesquisadores usaram voluntários online para assistir a pequenos clipes das entrevistas que aconteceram durante o teste ao vivo (a mesma pessoas nunca era vista duas vezes). Sem saber nada sobre elas, inclusive como elas dormiram na noite passada, os voluntários online foram convidados a avaliar os entrevistados em características como solidão e desejabilidade social, assim como o quão ativos eles pareciam.
Mesmo de longe, os voluntários com privação de sono eram mais frequentemente vistos como antissociais. E, interessantemente, quando os voluntários online eram questionados sobre seus próprios humores depois de assistir aos clipes, eles relatavam se sentir piores sobre si mesmos depois de ver os vídeos de pessoas que se sentiam sozinhas.
A cadeia de eventos com que os autores se depararam pode ser suficiente para levar as pessoas privadas de sono e aqueles com quem elas interagem a um ostracismo social ainda mais profundo.
“Primeiramente, nossa descoberta de que outros indivíduos são menos interessados em interagir socialmente com participantes privados de sono sugere que o sono ruim aumentaria o isolamento social dos indivíduos”, disse a coautora Eti Ben Simon, pós-doutoranda e pesquisadora do Laboratório de Sono e Neuroimagem da Universidade da Califórnia em Berkeley, em entrevista ao Gizmodo. “Segundo, o efeito transmissível da solidão sobre os outros se propagaria ainda mais a outros membros da sociedade que entram em contato com indivíduos privados de sono, espalhando ainda mais solidão e isolamento social.”
A privação do sono em si parece ser, pelo menos em parte, responsável pelo aumento do isolamento das pessoas, em vez de sua consequência sobre o humor geral, indicam os resultados do estudo. Não houve conexão entre a ansiedade ou o humor negativo das pessoas e a solidão relatada após a noite sem sono. Por exemplo, alguém que se sentiu mais isolado depois de não dormir não estava necessariamente mais ansioso do que durante a sessão que teve com uma noite de sono completa.
Pode ser bastante óbvio para qualquer um que tenha passado uma noite inteira acordado que não dormir o suficiente pode nos deixar irritados e menos dispostos a conversar com alguém. Mas os escaneamentos do cérebro dos voluntários também sugerem que há mudanças mais sutis acontecendo: quando os voluntários foram privados de sono, seus cérebros mostraram maior atividade neural em uma região conhecida por nos ajudar a avaliar possíveis ameaças, ao mesmo tempo mostrando menor atividade em uma região que nos ajuda a interpretar as intenções de outras pessoas.
Claro, o artigo, publicado nesta terça-feira (14) na Nature Communications, é apenas um estudo singular. E, apesar das tentativas de verificar seus resultados de outras maneiras, o tamanho da amostra do primeiro experimento, por si só, deveria nos deixar circunspecto sobre acreditar nas descobertas de olhos fechados. Mas se a conexão entre solidão e sono for real, os autores dizem que isso pode ter algumas implicações importantes.
Em primeiro lugar, sabe-se que, à medida que envelhecemos, tendemos a nos tornar mais solitários e a ter problemas para dormir. Também sabemos que outros grupos, como os adolescentes, estão dormindo menos do que em gerações anteriores, graças em parte à ampla disponibilidade de smartphones e telas, enquanto a taxa de problemas de saúde mental, como depressão, entre os jovens cresceu nos últimos anos. Se a perda de sono é tanto uma causa quanto uma consequência potenciais da solidão e de outros problemas de saúde mental (algo sugerido por alguns estudos recentes), então, se torna ainda mais urgente encontrar intervenções de saúde pública para nos ajudar a dormir tranquilamente.
“Se colocássemos um grande foco em corrigir o sono nessas condições, poderíamos melhorar esses sintomas de prejuízo social na doença mental?”, disse Simon.
Simon acrescentou que, no mínimo, as descobertas podem convencer algumas corujas noturnas a ficar em casa mais frequentemente.
“Ironicamente, o sono é muitas vezes visto como algo que nos tira da atividade social, porque às vezes precisamos recusar um evento social para conseguir o sono de que precisamos. O oposto agora parece ser verdade”, afirmou. “O sono nos reconecta com nosso círculo social; com nossos amigos, colegas, parceiros e até mesmo com estranhos. Esperamos que isso seja uma boa motivação para sair do Facebook e ir dormir.”
Imagem do topo: Alyssa L. Miller/Flickr