“Redes descentralizadas são o futuro da internet”, diz CEO do Bluesky
Desde que o X (o ex-Twitter) foi bloqueado na última semana, muitos usuários iniciaram um movimento de migração para outras plataformas semelhantes. Nesse cenário, estão disponíveis opções como o Threads, o Mastodon e, finalmente, o Bluesky — que ganhou notoriedade pela presença de Jack Dorsey — co-fundador do Twitter.
Uma outra opção era o Koo, que chegou a sofrer uma invasão de brasileiros, surpreendendo os desenvolvedores pela peculiaridade da sonoridade do nome em português. Embora por algumas semanas o app tenha sido um sucesso — principalmente pelas piadas “nível 5ª série” –, a rede não conseguiu manter sua popularidade por muito tempo depois disso. Recentemente, a plataforma anunciou o fim de suas atividades.
No caso, do Threads, da Meta, a plataforma de microblog tem lançado cada vez mais recursos numa tentativa de atrair os órfãos do X. Já o Mastodon é uma popular rede social descentralizada que está crescendo num bom ritmo.
Por sua vez, uma das plataformas que mais se popularizaram neste mesmo período, não só no Brasil, mas em todo o mundo, foi o Bluesky, que, assim como o Mastodon, utiliza um protocolo descentralizado. Mas o que chamou mais a atenção mesmo foi o envolvimento de Jack Dorsey, ex-Twitter.
A plataforma funciona de maneira muito parecida com a então rede do pássaro azul. Porém, até o momento, contava com algumas limitações. Para criar uma conta e passar a utilizar a rede social, por exemplo, era necessário um convite. Só que, em fevereiro deste ano, a rede social foi (finalmente) aberta para todos os interessados.
O Giz Brasil conversou em maio com exclusividade* com a CEO Jay Graber e com a COO Rose Wang. Elas falaram sobre sua visão e planos para a plataforma. Também deram detalhes sobre os hábitos da comunidade brasileira.
Invasão da comunidade brasileira
Antes do Bluesky se tornar público, muitos brasileiros entraram na fila de espera para conferir o funcionamento da nova plataforma de rede social em primeira mão.
Atualmente, existe uma enorme comunidade de brasileiros na plataforma — incluindo o presidente Lula, que entrou neste ano. Este movimento fez a plataforma olhar com mais carinho para o Brasil.
Mais recentemente, após os reiterados ataques de Elon Musk ao Supremo Tribunal Federal, muitos brasileiros migraram para o Bluesky como forma de protesto. Mas, poucos dias depois, retornaram normalmente ao X. Na época, Rose Wang atribui este comportamento à falta de alguns recursos essenciais para o público brasileiro.
Rose: “Acho que não ter DMs e vídeos não ajuda o Bluesky a manter os usuários brasileiros. Nosso objetivo inicial é, primeiro, conhecer mais os brasileiros. Queremos falar com os usuários brasileiros sobre quem somos e, na verdade, ter uma relação mais direta com as pessoas do Brasil. Também queremos entrar em suas vidas e saber quais são os eventos que eles estão falando, onde as comunidades locais estão se reunindo e quais eventos são importantes para eles. Queremos conhecer e falar com todos os diferentes usuários brasileiros e líderes de comunidade e criadores que querem uma nova forma social onde eles possam ter seus próprios dados”
Aos poucos, as mensagens diretas (DMs) e também a capacidade de compartilhamento de vídeo estão chegando à rede social, o que, segundo as executivas, pode deixar o Bluesky em maior paridade de recursos com o X. E, consequentemente, atrair e, especialmente, reter por mais tempo os usuários brasileiros da plataforma.
Além disso, a plataforma desenvolveu um novo feed apenas com publicações realizadas por brasileiros, o que torna a interação entre usuários do Brasil um pouco mais fácil. Com isso, a plataforma espera que, encontrando mais pessoas e publicações que com os quais se identifiquem, mais pessoas se juntarão à rede, o que deve ajudar a fortalecer a comunidade brasileira.
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Redes descentralizadas são o futuro da internet?
Atualmente, existe um grande debate a respeito dos potenciais prejuízos que a dependência de redes sociais podem causar nas pessoas. A exposição a certos conteúdos que reforçam a ideia de vida ou corpo perfeito, por exemplo, pode desencadear ou agravar transtornos psicológicos.
Além disso, outro grave problema de nosso tempo é a proliferação de discurso de ódio, ataques contra minorias e desinformação. Na grande maioria das vezes, esses conteúdos acabam transpassando as ferramentas de moderação de conteúdo das plataformas de redes sociais (claro, quando elas existem), uma vez que algumas redes sociais falham reiteradamente em criar um ambiente mais saudável para seus usuários.
Quando questionada sobre se redes sociais descentralizadas são o futuro da internet, Jay Graber, não hesitou em dizer que sim.
Jay: “Definitivamente sim. Eu estou fazendo isso porque eu realmente acredito que essa é a direção em que as coisas devem se mover e vão se mover. Eu acho que há sinais de que, através de mídias sociais, há movimentos acontecendo nessa direção”.
O Bluesky, por ser uma rede descentralizada, tem uma proposta um pouco diferente das redes que temos atualmente no mercado. Um de seus principais objetivos é promover um ambiente livre de toxicidade, garantindo aos seus usuários a possibilidade de personalização de sua própria experiência.
Jay: “Em uma rede social centralizada, como o Twitter ou qualquer outra rede social tradicional, uma empresa controla tudo que você vê. Então, sua fonte, a aparência do app, com quem você pode falar. Tudo isso é controlado por uma única empresa. Quando você abre o Bluesky, ele parece muito familiar. Na superfície, ele parece muito como o Twitter [X], mas não é controlado por uma única empresa. Por trás da cortina, há muitos serviços diferentes que fazem isso”
A plataforma, na prática, oferece maior liberdade para os usuários personalizarem sua própria experiência, incluindo o tipo de conteúdo que gostariam de ver com maior frequência no feed, algo que é normalmente decidido por algoritmos em outras redes sociais tradicionais.
Jay: “O feed que você executa em um site como o Twitter [X], é controlado por um algoritmo desenvolvido pelo próprio Twitter [X]. Ele é como uma caixa preta, você não pode ver dentro dela. Ele é desenhado para manter você entretido. Não é possível controlar o que ele mostra ou a forma como funciona. Por outro lado, no Bluesky, nós temos um feed padrão, mas também há um mercado de feeds que você pode escolher. Então, os usuários podem criar seus próprios feeds para controlar o que visualizam”
Na prática, os feeds de redes sociais populares, como Instagram e TikTok, estão cada vez mais exibindo conteúdos virais ou recomendações algorítmicas com base na navegação prévia dos usuários. Ao mesmo tempo, diminuem os conteúdos publicados por conexões e amigos próximos.
O X/Twitter, por exemplo, lançou no ano passado a aba “para você” que exibe uma série de postagens que supostamente podem agradar aos “tuiteiros”. No entanto, muitos usuários da plataforma reclamam que a maioria das postagens são conteúdos virais, que acabam recebendo mais engajamento ao serem exibidos na nova aba. E isso é algo que o Bluesky não quer.
Rose: “Acho que a razão pela qual mais pessoas estão se sentindo desconectadas do social, é porque a maioria das mídias sociais estão se tornando mais “mídias”, sabe? Você tem um algoritmo de um monte de conteúdo e você não está realmente conectado com o criador ou o usuário que está publicando esse conteúdo. Para o Bluesky, nós realmente queremos que as pessoas gostem da internet de novo, encontrem amigos e se divirtam online”
Moderação de conteúdo
Durante a pandemia de Covid-19, as guerras na Ucrânia ou Faixa de Gaza e até nas recentes inundações no Rio Grande do Sul, a circulação de informações imprecisas ou completamente falsas acabam atingindo níveis bastante preocupantes e contribuindo — muito — para a deterioração do debate público.
Em períodos eleitorais, pelo menos desde a última década, a desinformação vem sendo utilizada como tática de campanha de políticos de todos os campos ideológicos. Um dos principais desafios das redes sociais modernas é, justamente, evitar a proliferação deste tipo de conteúdo, mas não é uma tarefa fácil.
Em um ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos, — e eleições municipais no Brasil — , o Bluesky está tomando medidas para conter a disseminação de desinformação. Por isso, reforçou o departamento de moderação de conteúdo com a contratação de Aaron Rodericks, ex-chefe de Confiança e Segurança ex-presidente de Integridade Eleitoral eleitoral do Twitter.
Rose: “Neste ano eleitoral é muito importante que tenhamos o Aaron na empresa. Com tantas eleições globais acontecendo em todo o mundo abrimos a nossa ferramenta de moderação Ozone. Então, qualquer empresa pode usá-la. Todas as novas redes sociais precisam começar a construir moderação para proporcionar conversas seguras e saudáveis online. Por isso, abrimos as nossas ferramentas para que outras empresas possam pegar nosso aprendizado e construir algo novo, ao invés de começar tudo do zero”
Saída de Jack Dorsey
No início do mês de maio, Jack Dorsey anunciou em uma resposta a um seguidor no X/Twitter que havia deixado o Bluesky. A notícia foi bastante surpreendente já que ele era um dos principais símbolos da plataforma e parecia memso acreditar na missão da empresa.
Mais tarde, ele revelou em entrevista que estava em desacordo com a estrutura corporativa da rede social e também suas diretrizes de moderação de conteúdo. Para Dorsey, a interferência direta em comunidades para derrubar perfis com discurso de ódio, por exemplo, estava levando o Bluesky “ao mesmo erro” do X.
Agora, Jack está investindo em um novo protocolo descentralizado chamado Nostr.
Jay e Rose não quiseram entrar nos detalhes da saída de Dorsey, mas comentaram que ainda seguem em busca de um substituto para assumir sua cadeira no conselho, mas a exigência é de que esta pessoa realmente esteja alinhada com a missão da empresa.
Jay: “Basicamente, estamos ainda procurando outro membro do conselho, que é alguém que vamos trazer para representar uma visão de ecossistema aberto. Realmente, todos que entram na companhia, tanto no time quanto no conselho, estão realmente interessados em garantir que essa perspectiva de protocolo aberta seja levada à diante”
Rose: “Ultimamente, estamos concentrados em encontrar alguém que realmente entende e acredite em nossa missão. E é realmente emocionante para nós ver tantas pessoas que estão animadas a nos ajudar a concretizá-la. Então, nós só queremos ter certeza de que tomamos o tempo para encontrar essa pessoa encontrar da maneira correta.”
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* Entrevista publicada originalmente no dia 20 de maio de 2024.