Cultura

Série ficcional “Notícias Populares” revela lado caótico do jornal do “bebê diabo”

Em entrevista exclusiva ao Giz Brasil, Marcelo Caetano, diretor da série, conta como foi trazer as histórias do NP dos anos 90 para o público de hoje
Imagem: Arthur Costa/Divulgação

Jacaré sequestrando criança. Uma gangue de palhaços. E até um bebê diabo! Todos foram temas essenciais para se fazer uma reportagem no jornal Notícias Populares, que circulou entre 1963 e 2001 em São Paulo.

Todas essas manchetes dão o tom da série de ficção e comédia “Notícias Populares” sobre o veículo de imprensa mais exagerado e sagaz dos loucos anos 90. A estreia é nesta sexta-feira (29), às 22h30, no Canal Brasil. 

A história com sete episódios vai mostrar a personagem Paloma (Luciana Paes), correspondente da Folha de S. Paulo, deixando Paris para comandar a redação do jornal mais popular da capital paulista: o Notícias Populares.

Só que a jornalista de formação erudita vai criar atritos com a linguagem coloquial que tornou o jornal conhecido – as notícias sobre o lado B (de boato?) das histórias.

“Notícias Populares” tem criação de André Barcinski – jornalista que trabalhou no NP – e de Marcelo Caetano (“Corpo Elétrico”), que também dirige a obra. O Giz Brasil conversou com Marcelo sobre a série. Veja abaixo.

“Jornal bota fogo nos olhos dos leitores”

Ao lado de Barcinski, Marcelo Caetano fez a série “Hit Parade” de 2021, também no Canal Brasil. Agora a série “Notícias Populares”, com produção do Canal Brasil e da Kuarup, chega como a vela do bolo das comemorações de 25 anos do canal com o caos que só o jornal poderia escrever. 

Aliás, segundo ele, a experiência de assistir à série é parecida com a de folhear o NP: com emoções que só as manchetes traziam aos leitores com os seus excessos.

“Ele era um jornal mais para o incendiário do que para organizar o olhar do leitor. O que me interessa nele é olhar para o Brasil dentro dessa incapacidade de você entender tudo e organizar tudo”, disse Marcelo Caetano.

Cena da série "Notícias Populares"

Arthur Costa/Divulgação

A era escolhida para mostrar o NP foi a última década de atividade do jornal. Mas os motivos são outros: o Notícias Populares passou por uma reestruturação na época – deixando o estilo “espreme que sai sangue” dos anos 70 – e a década soprava uma liberdade maior para assuntos após a ditadura.

“O jornal vai se posicionando com as mudanças dos tempos: ele começa a ter editoras mulheres no anos 90. E esperam que a questão do sexo e da nudez diminuam, mas é quando a coisa fica mais enlouquecida. É muito doido e contraditório se a gente para pra pensar no que o Brasil é”.

‘Jacaré leva criança e cineasta pensa na dança de Shiva’

Os episódios da série “Notícias Populares” serão lançados às sextas-feiras às 22h30 pelo Canal Brasil e ficam disponíveis no Globoplay + Canais. 

Para apresentar o passeio pelas principais histórias que o jornal cobriu, o elenco tem Luciana Paes como a séria Paloma, Ana Flávia Cavalcanti como a colunista Greta, Rui Ricardo Diaz como Matias, Rejane Faria como Marina, Lucas Andrade como Adilson, Luiz Bertozzo como Luna.

O primeiro episódio, “Chuva de Brasil”, apresenta as contradições de Paloma com os colegas de redação. Aliás, é pelos olhos dela que conheceremos um dos causos inspirados nas manchetes do Notícias Populares: um jacaré que raptou uma criança.

“O NP fazia apurações, mas era buscando o lado B da matéria. No primeiro episódio. um menino desapareceu, mas vai se atentar ao fato de que uma vizinha falou que um jacaré que levou. Aí se constrói uma coisa toda em cima daquilo. É sempre o lado B, o detalhe que virava o lado A, a coisa principal”, conta Marcelo Caetano.

Diretor e cineasta Marcelo Caetano

O diretor Marcelo Caetano – Pedro Ezequiel/Giz Brasil

O cineasta desloca Paloma a ser mais visceral e próxima do país dela, após anos de afastamento, ao longo da série.

“A personagem da Paloma é o ponto de vista que a gente segue, ela vem da Folha, tem formação mais erudita. O olhar da série começa com ela dentro do universo popular. Dá para fazer uma adesão ao humor popular e apontar para fora do caos. Fico pensando em Shiva e a dança do caos. De destruir para construir”. 

‘Brasil vira baile cruel e divertido’

Quando finalizou as gravações, ainda em 2022, Marcelo Caetano comemorou com um desabafo em forma de legenda: era “uma série sobre amar o absurdo que é esse país trágico, contraditório, tesudo, cruel e divertido”. 

Ele afirma que estava falando apenas do Brasil e não do Notícias Populares. Mas a linha fina do discurso do cineasta indica similaridades entre os dois mundos.

“Eu consegui dar conta do que era o NP e o que eu acho que é o Brasil e que eu acho que é esse caos é no episódio 3 [Baile do Arakan], do Carnaval. Ali era o NP na sua síntese. E o Carnaval é esse caos, esse amor e ódio ao Brasil na sua síntese. Tudo ali me interessa. Toda a loucura do Carnaval. Talvez esse seja o Brasil absurdo que eu ame”, disse.

‘Paloma exorciza bebê-diabo’

Luciana Paes em "Notícias Populares"

Arthur Costa/Divulgação

Um dos casos mais emblemáticos das coberturas do Notícias Populares é o do bebê diabo. A série de ficção retrata a manchete, mas foca mais na repercussão do caso dentro do núcleo de personagens do que nas contraditórias informações a respeito do caso.

Marcelo conta que usou doses da história do thriller “O Exorcista” para o episódio.

“Ele é um episódio sobre escuta. Existe uma mãe com problema em casa, é um momento de separação – curiosamente é o plot do Exorcista. É uma atriz que está filmando, acabou de separar e o marido tá na Europa e, de repente, a filha dela começa a manifestar uma série de fenômenos sobrenaturais. Peguei o plot do Exorcista e joguei para a Paloma. Estão acontecendo coisas muito reais com o filho dela na escola. E a versão dos fatos é que o filho apanhou. Mas você vê na série é que o filho dela é impossível”.

“E mesmo a situação do padre e do Adilson (Lucas Andrade). Poderia ser lido ali como um conflito de fé, na verdade, de tanto você escutar uma coisa, será que ela não começa a ficar um pouco verdadeiro na sua cabeça? Esse episódio simboliza essas ciladas da escuta”, resume o diretor.

‘Episódio perdido do Notícias Populares cai do céu e pousa na varanda’

Marcelo revelou ao Giz Brasil que um episódio teve que sair da série por questões financeiras. O escolhido? O pênis voador.

“Foi uma vez que acharam um pênis pendurado na fiação do Capão Redondo. E hoje de manhã eu estava aguando as minhas plantas e aí olha o que eu descobri ali…”, Marcelo se levanta e leva a reportagem do Giz até sua varanda.

Lá estava um flagrante: junto ao muro do vizinho, um brinquedo erótico de borracha estava encaixado apontando para a varanda. Nossa equipe não conseguiu checar como o pênis voador pousou ali.

“É muito absurdo! Onde no mundo isso iria acontecer? Não sei se foi um bom ou mau sinal, mas caiu [aqui]”, riu.

Cena da série "Notícias Populares"

Arthur Costa/Divulgação

‘Serginho Groisman impede final mais sério do Notícias Populares’

A sequência de episódios de “Notícias Populares” tem “Chuva de Brasil”, “Enforca Gato”, “Baile do Arakan”, “Operação Tartaruga”, “O Diabo de Cada Um”, “Fogo Amigo” e “Treme-Treme”.

Neste último episódio, Paloma parece ceder ao jeito de fazer jornalismo do veículo. Ela se posiciona para defender um grupo de mulheres que sofria perseguição de um concorrente do “Notícias Populares” – o apresentador Hilário de Mello (Germano Mello) e a repórter Rata (Bruna Linzmeyer, que faz uma participação especial na série).

“Eu tinha dois finais: um em que ela produzia uma matéria que desmascarava o apresentador e o prefeito num plano de especulação imobiliária e eu tinha essa, que eu achava mais a cara do NP”, confessa o diretor Marcelo Caetano.

 

A inspiração para o final veio de um episódio do “Programa Livre”, apresentado no SBT pelo Serginho Groisman. O então deputado estadual de São Paulo Afanasio Jazadji, com discursos de teor LGBTQIA+fóbico, foi convidado para a atração.

A plateia do programa de Serginho Groisman era composta por pessoas da comunidade LGBTQIA+.

“E ele foi engolido. A personagem Sandra Bocão (Verónica Valenttino) é inspirada na Andréa de Mayo que foi quem engoliu ele. Seria uma resposta que a Paloma daria dentro daquilo que o NP faria. A manchete no dia seguinte seria: ‘Prostitutas engolem Hilário de Mello’, ‘Prostitutas comem Hilário de Mello de garfo e faca’. Era uma maneira simbólica de terminar e que não levasse a Paloma a ser quem ela era no começo da série”.

‘Elenco da série causa curto-circuito nos atrasados e nos atuais’

Marcelo reforçou que traria os anos 90 para o público de hoje dentro do humor. Mas isso não significa que erros e agressões do passado disfarçadas de sorrisos e matérias iriam voltar também.

“Notícias Populares” mostra com equilíbrio as questões atuais e que começavam a despontar nos anos 90.

“É um jornal que tem um carinho muito grande por essas pessoas que se incomodam por esse novo momento que estamos vivendo. Se pode fazer humor sobre tudo, mas você tem que saber qual lado você está. Está reafirmando uma imagem ou criando uma imagem nova a partir do humor”.

“Têm coisas legais no escracho? Tem, a linguagem popular, como o brasileiro ri e como a gente se comunica. Mas tem um limite. Se você está fazendo isso para manter essas pessoas na marginalidade e na miséria humana, é um problema. Essa solução para o final da Paloma é uma solução para mim também. Esse era o difícil equilíbrio: é amar o caos, amar essa grande loucura e, ao mesmo tempo, ter algum tipo de reflexão”, concluiu.

A série também quer causar com o momento atual. Segundo Marcelo, é uma oportunidade para refletir sobre a importância do jornalismo.

“Nunca se discutiu tanto a questão de apuração. E nunca se discutiu tanto o clickbait, as manchetes falsas, o sensacionalismo de internet”, diz ele. 

Expediente do “Notícias Populares”

Na última segunda-feira, o elenco da série de comédia concedeu uma coletiva online. Ana Flávia Cavalcanti endossou o discurso de Marcelo. “Os últimos anos foram os piores para os jornalistas do Brasil. A série foi uma forma de prestigiar a profissão”, disse a atriz.

Parte das gravações aconteceram na sede da Folha de S. Paulo (o NP era do Grupo Folha). Um dos detalhes são as tradicionais pastilhas coloridas do prédio que nem existe mais e foi preciso ser introduzida.

O elenco da série também conta com Ary França, Fabio Herford, Tuna Dwek, Clayton Mariano, Hugo Villavicenzio, Teka Romualdo, Jackie Obrigon, Ed Moraes, Flow Kountouriotis, Henrique Zanoni, Ricardo Teodoro e Verónica Valenttino.

A atriz Bruna Linzmeyer, reafirmou que o caos é a lenha para ousar na produção. “Brincar em cena com a Rata me deu confiança. Ela tinha o prazer de causar o caos e causar problemas”, contou.

Cena da série "Notícias Populares"

Arthur Costa/Divulgação


Rejane Faria destacou como a fotojornalista Marina queria levar emoção. “Ela queria a melhor foto. E a gente tinha que provocar essa situação. Tinha uns truques nem sempre éticos, mas era pra tirar o máximo de emoção”.

Por fim, Luciana Paes foi questionada pelo Giz Brasil qual manchete ela, como chefe de redação e protagonista do “Notícias Populares”, a atriz pensou bastante até decidir:

“Nasce o Bebê Diabo no Canal Brasil; parto será televisionado às 22h30”. 

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Pedro Ezequiel

Pedro Ezequiel

Pedro Ezequiel é jornalista pela ECA - USP. Passou pela Rádio USP, Jornal da USP, UOL e DOC Films. Não dispensa café e podcast. É fã de "Moleque Atrevido" do Jorge Aragão.

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