A polêmica de longa data sobre o chamado “imposto da Apple” ressurgiu recentemente em um novo impasse com o recém-lançado app de gerenciamento de e-mail Hey, uma disputa que coloca em foco o poder ditatorial que a Apple exerce sobre apps e seus criadores — e que deveria ter sido revisado há um tempão.
No fundo, a Apple está só prejudicando seus próprios usuários com suas taxas de aplicativo e termos de assinatura e, com a WWDC a ser realizada na próxima segunda-feira, é hora de consertar logo isso.
De forma resumida foi isso que aconteceu nesta semana: Hey, um app que promete filtrar e-mails depois de uma assinatura de US$ 100 anuais, desenvolvido pelo pessoal do Basecamp, foi lançado nesta semana na App Store, da Apple. A funcionalidade básica do aplicativo é filtrar parte do ruído de e-mail com um processo de verificação que permite aos usuários aprovar e-mails futuros do remetente, se assim o desejarem.
O aplicativo também possui outras ferramentas interessantes, como bloquear rastreadores de e-mail que podem ver com que frequência você abre um e-mail ou permitir alterações no título do assunto sem inserir um tópico. Em resumo, o app tem muito potencial para atender às necessidades específicas dos consumidores, inclusive da Apple.
Mas os problemas começaram quando o Hey tentou lançar uma atualização para o serviço com novos recursos e correções de bugs — algo que a Apple barrou.
David Heinemeier Hansson, fundador de CTO do Basecamp e cofundador do novo produto Hey, fez um fio explosivo no Twitter condenado a rejeição da Apple e o que o Hansson viu como uma tática de braço forte pela Apple que exigiria que os usuários assinassem o serviço através do próprio aplicativo, que o sujeitaria ao “imposto da Apple”, que permite à empresa receber até 30% das vendas. No momento, você se inscreve no Hey pela web, evitando taxas para a Apple ou qualquer outra loja de apps. Basicamente, Hansson diz, a Apple adotou o seguinte argumento: “nos dê seu dinheiro ou chutaremos você daqui”.
“Como todo bom mafioso, eles nos ligaram antes”, tuitou Hansson sobre a Apple. “Dizendo que, primeiro, quebrar nossas janelas (ao negar para nós a habilidade de corrigir bugs) não foi um erro. Então, sem muita cortesia, eles vão queimar nossa loja (removeriam nosso app) a menos que paguemos”.
Não é uma forma elogiosa de retratar a Apple, mas também está longe de ser a primeira vez que algo do tipo acontece. O “imposto da Apple” tem sido um ponto de discórdia há anos. A Apple parece não ter nenhum problema em obter uma boa parcela da grana da assinatura de aplicativos e implementar restrições significativas sobre eles, enquanto prepara seus próprios apps e serviços concorrentes.
A preocupação aqui não é só a Apple prejudicar possíveis apps concorrentes. Além disso, há o fato de que alguns apps de terceiros parecem ser exceção à regra. Os desenvolvedores ficaram frustrados perguntando por que esta empresa trilionária fica com um terço das receitas, enquanto barra atualizações necessárias para apps que não estão em conformidade com suas regras.
A maioria dos desenvolvedores fica calada sobre os impostos da Apple por medo de “cuspir no prato que comem”. Mas Hansson parece encorajado pela investigação da União Europeia anunciada dias antes de suas postagens no Twitter.
A Comissão Europeia está agora investigando os termos da App Store da Apple sobre possíveis violações antitruste. A vice-presidente executiva da Comissão Europeia, Margrethe Vestage, disse em comunicado esta semana que parece que a empresa “obteve um papel de ‘guardiã’ quando se trata da distribuição de apps e conteúdo para usuários de dispositivos populares da Apple. Precisamos garantir que as regras da Apple não distorçam a concorrência nos mercados em que a Apple está competindo com outros desenvolvedores de aplicativos, por exemplo, com o serviço de streaming de música Apple Music ou com o Apple Books”.
Talvez um dos grandes críticos da tal taxa seja o Spotify, que no ano passado entrou com uma ação antitruste contra a empresa. De modo resumido: se você assina o Spotify dentro do ambiente Apple, 30% fica para a empresa; com o Apple Music isso não acontece, o que, para a companhia de streaming sueca, configura uma prática anticompetitiva.
Entramos em contato com a Apple para comentar sobre a polêmica do app Hey, mas a companhia se recusou a comentar este caso especificamente. Em vez disso, a companhia citou a Diretriz de Revisão da App Store 3.1.1. Essa diretriz, que se aplica aos chamados “apps de leitura”, afirma que o aplicativo pode conceder ao usuário o acesso ao conteúdo comprado anteriormente “desde que você concorde em não direcionar direta ou indiretamente os usuários do iOS a usar um método de compra diferente da compra do aplicativo, e suas comunicações gerais sobre outros métodos de compra não foram projetadas para desencorajar o uso de compras no aplicativo”. Em outras palavras, a Apple impede quaisquer soluções alternativas para sua taxa.
Enquanto isso, o app Hey não parece pronto para se dobrar às vontades da Apple — que, mais uma vez, podem custar as atualizações necessárias ou a capacidade de encontrar o app na App Store, prejudicando os próprios usuários da Apple.
“Não estamos interessados em alterar toda a nossa configuração de faturamento. Se mudarmos, a Apple passa a obter 30% de nosso negócio”, disse Hansson à Wired. “Essa taxas são completamente ultrajantes”.
Chama a atenção o fato de Apple se posicionar desta maneira alguns dias antes de um evento de vários dias com foco em desenvolvedores. Será que a companhia falará sobre o assunto na próxima semana? Muito provavelmente, não, mas deveria.
Ter um esquema em que a Apple aplique políticas obscuras de maneira indiscreta não é apenas um mau negócio para os desenvolvedores, mas também prejudica os consumidores. Se a Apple realmente deseja fazer tornar sólida sua comunidade com desenvolvedores, daria, no mínimo, aos desenvolvedores uma ideia mais clara e justa de como e a quem suas políticas arcaicas se aplicam.