Se você se encontrava em Nápoles do século 17, passou por um período difícil. A Praga de 1656 estava em pleno andamento e ceifaria cerca de 300.000 vidas na cidade. Se você foi uma das almas infelizes a sofrer de bubões e febre alta, sintomas da doença, uma visita ao médico da peste poderia ser necessária.
O uniforme dos médicos da peste não inspirava exatamente uma sensação de tranquilidade. Eles usavam um sobretudo de couro da cabeça aos pés, além de luvas de couro, calças, botas e um chapéu de abas largas (imagine tudo isso no verão napolitano).
Os médicos sempre estavam com uma vara que, junto com o resto do traje, indicava a profissão e poderia ser usada para cutucar os pacientes. Todo o traje era modelado como a armadura de um soldado. Apropriado, se você considerar que muito mais pessoas morreram de peste do que de guerra durante o século 17.
De longe, a parte mais assustadora do traje era a máscara de bico longo. A máscara tinha óculos de vidro grosso e dois pequenos orifícios no bico. O bico era recheado com palha e ervas aromáticas, como hortelã, mirra, pétalas de rosa, cravo, cânfora, entre outras.
O equipamento facial do médico da peste marca um momento importante na história das máscaras médicas. O bico, desenvolvido pelo médico francês Charles de Lorme, foi um dos primeiros revestimentos faciais projetados para diminuir a propagação de doenças.
A máscara de bico, infelizmente, não foi muito eficaz. De Lorme a desenvolveu com base na agora defunta teoria miasmática, uma ideia que remonta à Grécia antiga. A teoria sustentava que odores desagradáveis ou “ar ruim”, como aquele de carcaças apodrecidas ou alimentos, causavam doenças.
Durante o século 18, as pragas do passado desapareceram, assim como o uso de máscaras. No início dos anos 1700, o bico ocasionalmente ainda podia adornar um médico que inspecionava navios em quarentena, mas, na maioria das vezes, os médicos não usavam máscaras.
As pessoas do século 18 (e mesmo Plínio, o Velho, e Leonardo da Vinci) entendiam que a inalação de certas partículas e poeira transportadas pelo ar poderia ser prejudicial. Isso acabou levando o oficial de mineração da Prússia Alexander von Humboldt a inventar um respirador para mineiros em 1799.
Através do século 19, os médicos continuaram sem usar máscaras, enquanto os trabalhadores das fábricas eram incentivados a usá-las para ajudar a filtrar o ar cheio de partículas. Em uma fábrica irlandesa de fiação de linho, os trabalhadores usavam uma “máscara de crepe”. Mas quando o médico e escritor britânico Benjamin Ward Richardson visitou a referida fábrica, ele não viu uma máscara à vista.
Em seu livro On Health and Occupation [Sobre Saúde e Ocupação], ele resume por que o uso de máscaras não decolou no século 19. “A ciência […] é conquistada pelo livre arbítrio”, escreveu ele, observando que até que as pessoas percebam sua “utilidade”, a máscara facial “terá que esperar”. E assim, a máscara esperou.
Em 1897, o cirurgião francês Paul Berger se tornou um dos primeiros cirurgiões a usar máscara facial durante uma operação. Berger estava familiarizado com o trabalho do bacteriologista alemão Carl Flügge, que descobriu que a saliva poderia conter bactérias causadoras de doenças.
Berger, sendo um cara esperto, imaginou que cuspir no abdômen aberto de um paciente durante a cirurgia provavelmente não era uma ótima idéia. A máscara de Berger era amarrada acima do nariz e feita de seis camadas de gaze, e a borda inferior era costurada no topo de seu avental de linho esterilizado. (Ele tinha uma barba maneira para proteger).
Em 22 de fevereiro de 1899, Berger leu um artigo, “Sobre o uso de uma máscara na operação”, perante a Sociedade Cirúrgica de Paris. A recepção não foi exatamente agradável. Na discussão que se seguiu à palestra de Berger, um tal Monsieur Terrier zombou da proposta, dizendo: “Eu nunca usei uma máscara e, certamente, nunca usarei”.
Levaria décadas para os médicos começarem a usar máscaras faciais. Em um artigo de 1905 para o Journal of American Medical Association, a médica Alice Hamilton documenta a falta de máscaras usadas durante cirurgias, mesmo em escolas médicas inovadoras.
Ela escreve: “Me foi dito por um estudante de uma grande faculdade de medicina em Chicago que ele havia notado frequentemente nas clínicas de um certo cirurgião que, quando a luz vinha de uma certa direção, ele podia ver, de seu assento no anfiteatro, um spray contínuo de saliva saindo da boca do cirurgião enquanto ele discursava para a turma e conduzia sua operação”. Claramente, aquele cirurgião não tinha as mesmas preocupações que Berger.
Um ano após o artigo de Hamilton, o médico britânico Berkeley Moynihan publicou um dos primeiros livros didáticos que defendia o uso de máscaras faciais. Em seu livro de 1906, Abdominal Operations, Moynihan conclui (em uma metáfora de revirar o estômago) que a bactéria expelida da boca de uma pessoa é “pior que o pior esgoto de Londres”. A não ser que o cirurgião, os assistentes e qualquer pessoa próxima fiquem absolutamente calados, eles definitivamente devem usar máscaras. Mais pra frente no livro, ele condena os médicos que trabalham sem máscaras, escrevendo: “é costume entre os não iluminados zombar das precauções necessárias tomadas por quem pratica cirurgia asséptica; o significado da palavra ‘assepsia’ é esquecido.”
Foram necessários mais cinco anos, uma praga do século 20 e um médico corajoso para começar a popularização da máscara. Depois de causar a primeira morte em 1910, o número de vítimas mortais da praga da Manchúria aumentaria para 60.000 nos quatro meses seguintes. O médico de 31 anos de idade, educado em Cambridge, Wu Lien Teh chegou ao epicentro do surto na cidade de Harbin, no nordeste da China. Wu exigia que todos os médicos, enfermeiros e até funcionários do cemitério usassem máscaras faciais.
Na época, a comunidade médica ridicularizou Wu pela iniciativa. Um proeminente médico francês que trabalhava com Wu na Manchúria foi contra o pedido de usar máscara. Ele morreu dias depois por causa da doença. Wu é um dos responsáveis pela importância que as máscaras ganharam durante a epidemia de gripe espanhola de 1918. Forças policiais, trabalhadores médicos e até moradores em algumas cidades dos EUA foram obrigados a usar máscaras faciais.
Embora os médicos geralmente concordassem com a utilidade das máscaras, ainda havia muita experimentação com seu formato. Durante as primeiras décadas do século 20, foram emitidas patentes de vários estilos de máscaras. Geralmente, as máscaras eram feitas de gaze de algodão e mantidas no lugar com uma armação de metal. As máscaras descartáveis modernas cresceram em popularidade na década de 1960 e, em 1972, a máscara respiratória N95 foi inventada, tornando-se um padrão de assistência médica em epidemias em 1995.
A história das máscaras é, sob muitos aspectos, uma história da epidemiologia. Enquanto os médicos da peste do século 17 certamente tinham um visual assustador, o sobretudo de couro e a máscara de pássaro inventada por de Lorme não impediram ninguém de contrair a praga. A transição da teoria miasmática para a germinal foi lenta, mas já em 1800 havia uma compreensão da utilidade das máscaras faciais nas fábricas.
O mundo da medicina foi muito mais lento para adotar a inovação. Por quase 50 anos, os médicos lutaram contra o uso de máscaras, até que a praga da Manchúria se tornou um campo de testes letal para provar a importância delas. É uma prova da necessidade não apenas de inovações como a máscara, mas também de mudar a opinião pública. Se a máscara tivesse sido adotada mais rapidamente, inúmeras vidas poderiam ter sido salvas.
Sarah Durn é escritora, atriz e medievalista freelancer, baseada em Nova Orleans, Louisiana.