No mais recente bloqueio ao WhatsApp, uma das principais reclamações foi que a empresa não responde às demandas da Justiça. Agora, um grupo de executivos está no Brasil para se encontrar com autoridades e promotores.
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Segundo a Reuters, uma comitiva do WhatsApp chegou ao Brasil “para abrir mais canais de comunicação e esclarecer questões técnicas sobre o aplicativo”.
Matt Steinfeld, diretor de comunicações da empresa, diz à Folha que “o objetivo dessa viagem é abrir um diálogo aberto e construtivo, de longo prazo, para evitar que [novos bloqueios] aconteçam no futuro”.
O WhatsApp alega que cooperou “com toda a extensão da nossa capacidade com os tribunais brasileiros”. No entanto, o desembargador Cezário Siqueira Neto, do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), diz que a empresa “nunca se sensibilizou em enviar especialistas para discutir com o magistrado e com as autoridades policiais interessadas sobre a viabilidade ou não da execução da medida”.
Siqueira Neto negou um pedido de liminar do WhatsApp, mantendo o bloqueio – que foi revogado na tarde desta terça-feira (3), 24 horas após seu início.
Articulação
O WhatsApp sabe que corre risco de novos bloqueios, por isso está articulando uma campanha no Brasil para evitá-los.
Um projeto de lei quer permitir o bloqueio de apps que descumpram decisões judiciais, e pode ser apresentado como parte do relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos. Representantes do Facebook, dono do WhatsApp, querem convencer deputados a barrar esse projeto.
As páginas oficiais do Facebook e WhatsApp, além do perfil de Mark Zuckerberg na rede social, também estão divulgando uma petição online criada pelo ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), exigindo “ao Poder Judiciário que pare de bloquear sites na internet”. Ela já reúne mais de 170.000 assinaturas.
O Brasil representa cerca de 10% do bilhão de usuários no WhatsApp. O serviço ainda não rende dinheiro – na verdade, ele se tornou gratuito para todos desde o início do ano. Isso deve mudar: a ideia é criar canais para empresas, que pagariam ao WhatsApp pelo acesso aos usuários. Segundo a Folha, “mais de 70% dos usuários ficam conectados diariamente”.
Resta ver se, daqui em diante, o WhatsApp vai colaborar com demandas judiciais, mesmo que seja para explicar que não guarda as mensagens no servidor, apenas metadados (como data e hora, e qual número recebeu/enviou) – e mesmo que guardasse, não haveria como decifrá-las devido à criptografia ponta a ponta.
O desembargador Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, do TJSE, suspendeu o bloqueio porque ele “gerou caos social em todo o território, com dificuldade de desenvolvimento de atividades laborativas, lazer, família etc.”. O juiz entende que “não há condições de afirmar, pelo menos por enquanto, que as informações poderiam ser fornecidas pelo WhatsApp ou que estas podem ser desencriptadas para servir à Justiça”.
Juiz será investigado
De um jeito ou de outro, o bloqueio ao WhatsApp abre um péssimo precedente que poderia se repetir até mesmo com outros apps, como Viber e Telegram – eles também possuem criptografia de ponta a ponta e não poderiam ceder mensagens às autoridades.
Foi algo tão grave que o juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), será investigado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por possível abuso de autoridade. Montalvão determinou o bloqueio do WhatsApp por 72 horas, e também emitiu ordem de prisão em março contra Diego Jorge Dzodan, vice-presidente do Facebook na América do Sul.
A corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou uma reclamação disciplinar contra Montalvão para investigar se ele extrapolou sua jurisdição ou se cometeu abuso de autoridade, praticando um “ato exacerbado que tenha ultrapassado o limite da razoabilidade”. Montalvão tem 15 dias para responder.
A decisão do juiz foi criticada pela OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo). O presidente da entidade, Marcos da Costa, escreve que “não se resolve a questão pendente em uma demanda, por mais grave que seja, gerando problemas para toda a sociedade”.
Enquanto isso, o juiz Ali Mazloum, da Justiça Federal em São Paulo, exigiu que o acesso ao serviço fosse restabelecido nessa terça-feira – mas apenas para a 7ª Vara Criminal. Não sendo possível, “a Anatel deverá restabelecer todo o sistema”.
Como explicamos por aqui, juízes usam o WhatsApp para intimar réus e mediar negociações. E Mazloum diz que “decisões e atos administrativos desta Justiça Federal não poderiam ser reformadas ou coarctadas por ordem de juiz estadual”. Pouco tempo depois, veio a decisão do próprio TJSE revogando o bloqueio.
[Reuters – Folha – G1 – Consultor Jurídico]
Foto por Patrick Sison/AP