Por que o Facebook pagou US$ 19 bilhões pelo WhatsApp
O Facebook já cometeu diversos tropeços tentando conquistar seu smartphone. Lembra-se do Facebook Home? Mas ao comprar o app de mensagens WhatsApp por US$ 19 bilhões – US$ 16 bilhões pela empresa mais US$ 3 bilhões pelos funcionários – a rede social dominou a melhor forma de conversar no smartphone, além de ganhar os jovens, tudo de uma só vez.
A base do Facebook é ser onipresente. É o tipo de serviço que você pode assumir que todo mundo usa. Mas o Facebook vem lentamente caindo em desuso entre os mais jovens – inclusive no Brasil, onde o WhatsApp é o serviço mais usado de chat.
A rede social tentou pegar elementos do Twitter, tentou imitar serviços novos e badalados – o Facebook Poke é basicamente um clone do Snapchat, popular entre jovens – mas não conseguiu segurar os adolescentes.
Nada disso funcionou para levar o Facebook de volta a seus dias de glória pré-celular. Em vez disso, ele se tornou um lugar para links virais, status “inspiracionais” e chorume em geral, em vez de um lugar para usuários com menos de 30 anos. Mas com o WhatsApp, o Facebook pode conquistá-los sem mesmo puxá-los para a rede social.
Como diz o analista Benedict Evans, “o Facebook quer garantir que será o próximo Facebook”, ou seja, que não deixará um concorrente roubar seu espaço. O WhatsApp vale tanto por dominar plataformas móveis – e elas são o futuro. A compra significa que o app de mensagens corresponde a 11% do Facebook (cujo valor atual de mercado é de US$ 173 bilhões).
Volume de mensagens enviadas por dia no WhatsApp; gráfico por @benedictevans
US$ 19 bilhões é muita coisa, mas você não pode subestimar o WhatsApp: ele tem cerca de 450 milhões de usuários mensais (o Twitter tem 215 milhões), e a maioria usa o app todos os dias. Isso é quase metade da base de usuários do próprio Facebook. E agora ele pode contá-los como usuários também. Com os dois serviços, o Facebook domina ainda mais a internet.
Mas vale notar que os usuários do WhatsApp provavelmente não serão obrigados a entrar no Facebook. Na verdade, eles nem verão propagandas:
O WhatsApp permanecerá autônomo e vai operar de forma independente. Você pode continuar a desfrutar do serviço por uma taxa anual. Você pode continuar a usar o WhatsApp, não importa onde no mundo você está, ou qual smartphone você está usando. E você ainda pode contar com absolutamente zero anúncios interrompendo sua comunicação.
A aquisição do WhatsApp é diferente do Instagram, comprado por US$ 1 bilhão. O Instagram basicamente não rendia dinheiro algum: ele não tinha propagandas, nem cobrava pelo serviço. Após a aquisição, vieram propagandas não-invasivas, que tentam ao máximo se disfarçar de conteúdo. (Também houve uma polêmica que eles poderiam “vender suas fotos”, mas isso foi revertido e ficou no passado.) Mesmo assim, ele opera de forma independente.
O WhatsApp, por sua vez, dá dinheiro. Livre de propagandas, ele cobra uma taxa anual de US$ 1 após um ano gratuito. Mesmo que nem todo usuário seja cobrado (alguns recebem a mensagem “sua assinatura foi renovada até [data]”), ele rende uma grana: “somos capazes de ganhar dinheiro atualmente”, disse, em dezembro, o co-fundador da empresa ao Wall Street Journal.
Então a compra vai aumentar o contingente de usuários que o Facebook possui, especialmente jovens espalhados por todo o mundo. Felizmente, o WhatsApp é popular entre eles, dominando em países como África do Sul e Indonésia, até mesmo rivalizando com o SMS em certos casos.
Mas não são apenas os usuários. O WhatsApp é um serviço muito bom: clean, multiplataforma, simples de usar, e tão bom no que faz que não precisa de propagandas. Na verdade, seus criadores rejeitam a ideia de propaganda:
A publicidade não é só prejudicial à estética, com insultos à sua inteligência e interrupção de sua cadeia de pensamentos. Em toda empresa que vende anúncios, uma parte significativa dos engenheiros passa o dia ajustando a coleta de dados, escrevendo códigos melhores para coletar todos os seus dados pessoais, atualizando os servidores que guardam todos os dados e garantindo que tudo esteja sendo registrado e organizado e analisado e embalado e despachado… No fim, o resultado de tudo isso é um banner de anúncio um pouquinho diferente em seu navegador ou no celular.
Lembre-se: quando há anúncios, você, o usuário é o produto.
Mas, claro, o Facebook pode ter cometido o erro de “comprar na alta e vender na baixa”. Se há uma tendência de tecnologia que nunca saiu de moda, são as mensagens de texto. Entre SMS, ICQ e MSN, passamos geração após geração escolhendo o principal meio de bate-papo. E agora o Facebook está segurando as chaves para a plataforma que escolhemos desta vez… mas será que não vamos mudar para outra?
Se há uma coisa absurdamente simples que nossos celulares ainda não fazem de forma perfeita, é enviar mensagens de texto fáceis e baratas, usando um serviço onipresente que inclui todos os seus contatos e funciona em todo dispositivo. Hoje em dia, vemos uma concorrência entre inúmeras alternativas – Google Hangouts, Skype, Viber etc. – em vez de uma plataforma unificada. A união entre Facebook Messenger e WhatsApp é um sinal de consolidação, e pode valer US$ 19 bilhões. Especialmente quando o Google ofereceu US$ 10 bilhões pelo serviço.
Mas nem todos estão confiantes: as ações do Facebook caem 3,7% antes da abertura dos mercados. É esperar para ver.
Colaborou: Felipe Ventura. Atualizado às 11h22.