Cultura

13 momentos da vida de Zagallo (1931-2024)

Um tributo ao campeão mundial de futebol como jogador, técnico e coordenador que encerrou sua passagem pela Terra na sexta-feira (5/1)

Morreu a única pessoa que venceu a Copa do Mundo por quatro vezes – duas como jogador (1958/1962), uma como técnico (1970) e uma como coordenador técnico (1994). O alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo se foi aos 92 anos na sexta-feira (5/1) após uma vida cheia de glórias, reveses que não acabaram com sua carreira e muitos folclores.

Esses folclores transformaram a imagem de Zagallo junto ao público: o suposto antipático arrogante dos anos 1970 virou um velhinho simpático a partir da Copa de 1994.

Na campanha do tetra, sua contagem regressiva de jogos para o título do Brasil (“Faltam seis”… “Faltam cinco”…) se juntou às já conhecidas adoração à “Amarelinha” e obsessão supersticiosa com o número 13 (” ‘Brasil campeão’ tem 13 letras”…). Tudo isso amaciou a imagem do Velho Lobo.

E houve toda a intensidade que ele demonstrou em 1998 para estimular seus jogadores a vencer a decisão por pênaltis contra a Holanda na semifinal da Copa disputada na França. 

Aquele envelhecido Zagallo em transe, abraçando de Ronaldo a Taffarel, com vontade de vencer e cheio de amor à Amarelinha, tocou o coração do time em campo e fixou uma imagem muito forte na cabeça dos torcedores. 

A vida rica de Zagallo (depois de passagens por seleções do Oriente Médio, rica em mais de um sentido) tem momentos de sobra para serem relembrados. Separamos abaixo 13 deles, por razões óbvias.

1- 1950: Brasil 1 x 2 Uruguai (Final da Copa do Mundo de 1950)

Zagallo estava em campo no Maracanazo. Só que não jogando. 

Na trágica derrota de virada do Brasil para o Uruguai na final disputada no Maracanã lotado com 200 mil pessoas (a renda oficial registra menos gente, mas houve muitas invasões), ele era o jovem soldado da Polícia do Exército, escalado para o esquema de segurança.

A um mês de completar 19 anos, o soldado Zagallo já jogava bola oficialmente. Começou como meia-esquerda, mas logo bandeou-se para a ponta-esquerda. 

Tinha acabado de trocar o time de juvenis do tradicional América pelo do Flamengo, onde se firmaria como profissional nos anos seguintes.

2- 1958: Brasil 5 x 1 Paraguai (amistoso preparatório para a Copa)

Com a camisa 11 do Flamengo, Zagallo firmou-se como um ponta confiável, técnico, taticamente consciente e nada espalhafatoso. Sagrou-se tricampeão do Carioca em 1953/54/55. 

Finalmente teve sua primeira chance na Seleção Brasileira em 1958. Foi um dos 33 jogadores convocados para a fase preparatória, da qual 22 iriam para a Copa do Mundo na Suécia.

Antes de qualquer amistoso, Zagallo era dado como favorito para ser o ponta-esquerda cortado, perdendo vaga para Pepe, do Santos, e o badalado Canhoteiro, do São Paulo, quase um Garrincha canhoto.

Tendo de provar que merecia ir à Copa, Zagallo foi escalado pelo técnico Vicente Feola como titular no primeiro amistoso preparatório diante do Paraguai, no Maracanã. 

A estreia foi perfeita. Zagallo marcou dois gols na goleada de 5 x 1 e mostrou-se voluntarioso e com um senso tático de voltar para reforçar a marcação no meio-campo que seus concorrentes não possuíam.

Quem decepcionou nos amistosos e acabou cortado foi o driblador Canhoteiro. Já Pepe disputaria a posição de titular palmo a palmo, mas acabou contundido e não entrou em campo nos jogos na Suécia. De azarão, Zagallo virou titular, inscrito com a camisa 7. 

3- 1958: Brasil 5 x 2 Suécia (final da Copa do Mundo)

Pelé, Garrincha, Didi e Vavá se destacavam mais porque eram mais vistosos. Mas Zagallo fez uma Copa brilhante, mostrando-se um jogador moderno. Com raça, técnica e noção de onde estar em campo a cada momento, poderia tranquilamente ter um lugar no meio-campo de um time de 2024.

A recompensa pelo esforço foi marcar um gol na final contra a Suécia, a dona da casa daquela Copa. A já referida raça aparece quando ele corre para alcançar uma bola que fugia da área, racha a dividida com um zagueiro e consegue mandar a bola para o gol.

O gol de Zagallo estabelecia 4 x 1 para o Brasil e praticamente garantia o primeiro título mundial do país. A Suécia ainda faria mais um e Pelé fecharia o placar no último lance da partida.

Logo em seguida à Copa, Zagallo transferiu-se para o Botafogo, juntando-se a Nilton Santos, Didi e Garrincha, seus companheiros de Seleção.

Para quem tiver mais tempo, aqui está um vídeo com a íntegra da partida decisiva, que proporciona uma visão mais aprofundada do trabalho de Zagallo.

4- 1962: Brasil 2 x 0 México (Copa do Mundo, 1ª Fase)

Mesmo titular do Brasil campeão em 1958, Zagallo seguiu ameaçado pela sombra de Pepe, que fazia misérias e muitos gols pelo Santos. Tanto que, na inscrição para a Copa de 1962, Pepe ficou com a camisa 11 e Zagallo com a “reserva” 21. 

Só que, mais uma vez, Pepe se machucou às vésperas da estreia e Zagallo foi a campo no mundial no Chile. O Lobo já deixou sua marca logo na primeira partida contra o México. O outro gol foi de Pelé.

5- 1970: Brasil 5 x 0 Chile (amistoso preparatório)

Zagallo parou de jogar em 1965, aos 34 anos, e já começou como técnico da base do Botafogo no ano seguinte. Em 1967, já estava como treinador dos profissionais do Fogão e acabou o ano como campeão carioca. Chegaria ao bi em 1968.

O jovem treinador teve algumas chances de assumir a Seleção Brasileira principal como interino em alguns amistosos em 1967 e 1968. Mas, para todos os efeitos, o técnico titular na época era Aymoré Moreira, campeão mundial em 1962.

Após a bagunça que vinha desde o vexame na Copa de 1966, a CBD (a CBF da época) buscou arrumar a casa com o desbocado jornalista e comentarista João Saldanha em 1969. 

A única experiência de Saldanha como treinador tinha sido com o Botafogo entre 1957 e 1960 (foi campeão carioca logo no primeiro ano),

Deu certo de cara. Saldanha classificou o Brasil para a Copa de 1970 com 100% de aproveitamento nas Eliminatórias e resgatou o entusiasmo do povo pela Seleção.

Mas Saldanha era comunista. E, em 1970, isso começou a bater de frente com os interesses da Ditadura Militar que estava no poder. A três meses do mundial no México, Saldanha foi demitido.

O substituto: Mário Jorge Lobo Zagallo, 38 anos, técnico vencedor com o Botafogo e bi mundial como jogador. E, para ajudar, com posições políticas totalmente opostas às de Saldanha.

A estreia de Zagallo no comando foi um passeio de 5 x 0 sobre o Chile no Morumbi, em São Paulo. Mas ele ainda mexeria muito na escalação e nas táticas até chegar ao México.

6- 1970: Brasil 0 x 0 Bulgária (amistoso preparatório)

Um jogo que só merece ser lembrado por um fato: Zagallo teve a coragem de deixar Pelé no banco de reservas com a camisa 13 para promover algumas experiências no time diante de uma equipe B búlgara.

7- 1970: Brasil 3 x 1 Uruguai (semifinal Copa do Mundo)

Além de dar um padrão tático moderno ao time e conseguir escalar seus cinco principais craques de ataque (Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivellino), Zagallo foi decisivo para a conquista do tri durante a nervosa semifinal contra o Uruguai em Guadalajara.

Zagallo ficou o jogo todo gesticulando, berrando, “jogando junto” à beira do campo. E, no intervalo, depois de uma pífia atuação do Brasil, o técnico deu um esporro tão monumental em todos que mudou o ânimo da equipe para a etapa final.

Depois da virada de 3 x 1 sobre o Uruguai, o título foi garantido com uma goleada de 4 x 1 sobre a Itália no Estádio Azteca, na Cidade do México. Zagallo transformou-se no primeiro campeão mundial como jogador e treinador.

8- 1971: “As Lições da Copa”

Zagallo, autor publicado. Em 1971, saiu o livro “As Lições da Copa” pela Edições Bloch. Na capa, a grafia do nome dele consta como Zagalo, com apenas um “L”.

O nome “de carreira” dele foi escrito assim desde os anos 1950 até meados dos anos 1990, quando ele revelou ao jornal “Folha de S. Paulo” que seu sobrenome está registrado com dois “L”. Desde então, Zagallo tornou-se padrão em todos os veículos de mídia.

Foi nitidamente escrito por um ghostwriter que passou horas ouvindo Zagallo falar e transcreveu as falas adicionando alguns “embelezamentos” de estilo.

O mais constrangedor do livro: os elogios descarados de Zagallo aos militares e ao presidente-ditador daquele momento, o general Emílio Garrastazu Médici.

9- 1974: Brasil 3 x 0 Zaïre (Copa do Mundo, 1ª Fase)

Na Copa de 1974, na Alemanha Ocidental, Zagallo sabia que tinha uma Seleção mais fraca que a de 1970, por isso reforçou os aspectos defensivos. Sabia que mal tinha como fazer frente à espetacular Holanda de Johan Cruyff. Sabia que o 4º lugar que coube ao Brasil estava de bom tamanho.

Mas, numa Copa que os brasileiros preferem esquecer, Zagallo involuntariamente rendeu um momento cômico diante das câmeras. 

No jogo contra o Zaïre (atual República Democrática do Congo), o Brasil precisava ganhar por três gols de diferença para se classificar para a 2ª Fase. No meio do 2º tempo, ainda vencia apenas por 1 x 0.

Então Rivellino acertou uma de suas costumeiras patadas de fora da área e aumentou para 2 x 0. Uma câmera focalizou Zagallo bem na hora em que o treinador soltou de boca cheia um “Puta merda!” de desabafo. 

Para ver este momento, vá direto ao minuto 6:19 no vídeo acima.

O jogo acabou 3 x 0 para o Brasil. A conta justa. Dias antes, o Zaïre tinha levado 9 x 0 da Iugoslávia.

10- 1994: “É Tetra!”

Após o fiasco em 1974, Zagallo deixou a Seleção. Em 1976, foi treinar a seleção do Kuwait e praticamente inaugurou o mercado do Oriente Médio para profissionais do futebol com mais renome. Voltou ao Brasil, passou por vários clubes, arriscou-se como comentarista em Copas do Mundo.

Em 1986, teria sido o indicado para técnico da Seleção na Copa se a chapa de oposição tivesse vencido as eleições para a presidência da CBF. A situação se elegeu e Telê Santana ficou com a missão.

Em 1991, Zagallo retornou à sua amada Seleção Brasileira. Não como treinador, mas como coordenador técnico. O comandante era Carlos Alberto Parreira, que foi preparador físico na comissão de Zagallo nas Copas de 1970 e 1974.

A dupla Parreira-Zagallo classificou o Brasil para a Copa de 1994 a duras penas. Mas, no mundial nos EUA, o Velho Lobo descobriu um jeito de descontrair time e torcida na busca pelo título. 

Fazia várias brincadeiras envolvendo somas que davam 13, fazia contagem regressiva para a conquista a cada partida encerrada (“Agora faltam cinco”… “Faltam três”…). Zagallo finalmente se tornava uma figura simpática para o público.

O tetra veio. Para o Brasil e para Zagallo, que ainda é o único ser humano que fez parte de quatro conquistas de Copa do Mundo.

11- 1997: Brasil 3 x 1 Bolívia (final Copa América)

Após o tetra em 1994, Parreira foi treinar o Valencia da Espanha e Zagallo assumiu o posto de técnico das seleções principal e olímpica do Brasil. Em 1996, a medalha de bronze nas Olimpíadas de Atlanta desceu mal. 

Em 1997, a Seleção principal corrigiu a rota e foi campeã da Copa América na Bolívia, derrotando os donos da casa por 3 x 1 na final, com altitude de La Paz e tudo.

Logo em seguida ao encerramento do jogo, Zagallo foi entrevistado pela Rede Globo à beira do campo. Incomodado com as críticas que vinha sofrendo na mídia, ele soltou uma resposta irada olhando para a câmera: “Vocês vão ter que me engolir!”.

12- 1998: Brasil 1 x 1 Holanda (semifinal Copa do Mundo)

Zagallo levou o Brasil a mais uma final de Copa em 1998 na França. Para se classificar, houve uma batalha contra a Holanda numa partida épica com prorrogação e pênaltis.

No intervalo antes das cobranças de pênaltis, o Velho Lobo parecia mais energizado que seu próprio time. Foi de jogador em jogador dizendo que ia dar, que íamos ganhar, que a Amarelinha isso, a Amarelinha aquilo…

A psicologia boleira e o patriotismo verde-amarelo do velho treinador parecem ter surtido efeito. Taffarel pegou dois pênaltis e o Brasil passou para a grande decisão contra a França.

Mas o piripaque de Ronaldo Fenômeno horas antes do jogo e os gols de Zidane não deixaram que Zagallo botasse a mão em seu penta pessoal.

13- 2002: Brasil 3 x 2 Coreia do Sul (amistoso de despedida de Zagallo)

Em novembro de 2002, a CBF aproveitou um amistoso já marcado contra a Coreia do Sul para homenagear Zagallo, chamando-o para ser o técnico da Seleção pela última vez.

Quatro meses após a conquista do penta com Luiz Felipe Scolari no comando da Seleção, o time deu susto e saiu perdendo dos coreanos. Mas a estrela de Zagallo é forte e o Brasil conseguiu virar para 3 x 2 nos minutos finais.

Foi a despedida como treinador, mas Zagallo estaria de volta como coordenador técnico de Carlos Alberto Parreira para a campanha rumo à Copa do Mundo de 2006 na Alemanha.

Nas quartas-de-final do mundial, mais uma vez o francês Zidane não quis que Zagallo fosse campeão mundial. O craque acabou com o jogo e a França eliminou o Brasil com uma vitória de 1 x 0, gol de Henry.

Finalmente, a história de Zagallo com a Seleção Brasileira foi encerrada na prática. Mas, historicamente, essa relação entre o homem e a entidade de camisa amarela é uma das mais intensas que o futebol já viu.

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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