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A praga da dança medieval: quem foi Frau Troffea, a mulher que dançava sem parar

Frau Troffea teria começado o episódio conhecido como "praga da dança", quando centenas de pessoas dançaram por dias até a morte na França do século 16

A praga da dança medieval: quem foi Frau Troffea, a mulher que dançava sem parar

Imagem: Henricus Hondius/WikiCommons

Era um dia quente de julho de 1518 quando uma mulher conhecida como Frau Troffea começou a dançar em uma praça na cidade de Estrasburgo, ao nordeste da França. Não havia música ou motivo aparente para que ela continuasse no ritmo, que acelerava mais e mais. 

Aos poucos, as pessoas ao redor começaram a entender que ela simplesmente não conseguia parar. Frau continuou dançando por seis dias. Ela, às vezes, caia de exaustão, mas se levantava em seguida, deixando de lado a fome, a vergonha e as dores e sangramentos por todo o corpo.

No tempo em que ficou dançando sem parar, porém, outras pessoas se juntaram a ela – e deram início ao episódio conhecido como a “praga da dança de Estrasburgo”. 

Em agosto daquele ano, centenas de pessoas permaneceram dançando de forma compulsiva, com os pés sangrando e espasmos pelo corpo. Depois de quase dois meses, tudo parou repentinamente. 

Essa cena bizarra terminou com diversos feridos e alguns mortos, como mostram os relatos da época. Mas o que pode ter dado início à coreomania, termo moderno para a compulsão em forma de dança? 

Quem era Frau Troffea

A identidade de Frau Troffea é incerta, mas várias crônicas históricas se referem à mulher que iniciou a praga da dança desta forma. Uma delas relata que ela começou a dançar freneticamente após um surto causado por uma discussão com o marido. 

É difícil dizer se isso é, ou não, verdade. Mais tarde, pesquisadores associaram a coreomania a episódios de estresse pós-traumático

John Waller, autor do livro “A Time to Dance, a Time to Die: the Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518” (“Hora para dançar, hora para dormir: a história extraordinária da praga da dança de 1518”, em tradução livre), estudou o caso a fundo. Segundo ele, a coreomania é uma “epidemia psíquica” similar a outras pelo mundo que envolvem reações involuntárias do corpo, como rir ou desmaiar. 

Se formos analisar o contexto da época, isso até pode fazer algum sentido. A sociedade europeia de 1500 vivia em meio à fome e doenças generalizadas. Os costumes da Idade Média ainda eram muito presentes, o que significava que as mulheres viviam sob uma cultura extremamente patriarcal, ou seja, sujeita às vontades do homem. 

Caso a teoria da discussão com o marido seja verdadeira, isso pode ter desencadeado uma reação compulsiva em Frau, que se expressou através da dança. Mas também há relatos que colocam Troffea como uma “mulher solitária”. 

Cidade de Estrasburgo, na França, em 2005. Imagem: Bichot Paris/WikiCommons

Histeria coletiva

Seja qual for o real motivo para ela ter começado o episódio, a hipótese mais forte atual é que outras pessoas só se juntaram a ela porque houve um episódio de histeria coletiva. 

Essa doença psicogênica acontece quando uma ideia ou crença se espalha em uma população, especialmente em tempos de estresse extremo. Essa é uma possibilidade bastante concreta, visto que outras epidemias de dança aconteceram em 1374 nas cidades alemãs de Aachen, Ghent e Metz. 

Em todos os casos, o período que antecedeu os episódios de coreomania foram excepcionalmente difíceis – mesmo para os tempos medievais. Haviam inundações, doenças crônicas, frio, fome e destruição de safras e estruturas por toda a parte. Parecia um “castigo divino” – o que, convenhamos, não era um bom sinal se você mantinha o pensamento medieval. 

Gravuras de “A Dança da Morte”, pintadas a óleo por Hans Holbein 1485. Imagem: Welcome Collection/Reprodução

O que eles pensaram na época 

É claro que, em plena Idade Média, as pessoas não acreditavam que Frau e todas as pessoas que a acompanharam foram vítimas de uma doença psicogênica ou algo do tipo. A conclusão imediata foi que todo mundo estava possuído pelo demônio ou, no máximo, com o “sangue superaquecido”. 

Mais tarde, algumas teorias apontaram para a possibilidade de que a população pudesse ter sido envenenada por um fungo ergot, que cresce no centeio e em outros grãos. Isso porque alguns componentes químicos dessa planta incluem o ácido lisérgico – basicamente o “LS” do LSD, que causa alucinações. 

Essa tese, porém, logo foi descartada. O motivo: a praga da dança aconteceu em regiões com culturas e climas diferentes, o que a torna improvável. Além disso, o consumo de ácido lisérgico não causa episódios de alucinação ou dança incontrolável tão longos. 

A forma de lidar com o problema também foi… interessante. As pessoas concluíram que a melhor maneira de ajudar os dançarinos compulsivos era estimulá-los para que caíssem de exaustão o quanto antes. Por isso, colocaram músicos para incentivar a dança e contrataram dançarinos para que bailassem com os “infectados”. 

Vendo que nada disso funcionava – muitos dançaram até a morte –, as autoridades proibiram a música e amarraram as pessoas em carroças que as levavam para um santuário.

Lá, recebiam pequenas cruzes, sapatos vermelhos e banhos de água benta. Por incrível que pareça, foi isso que fez com que se acalmassem e sobrevivessem à maior epidemia de dança da história. 

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