Dreamkid, o estúdio onde games significam brincadeira para crianças

A Dreamkid é focada em criar jogos para o público infantil, mas não pense que são jogos bobos ou simples

por Bruno Izidro

Talvez muitos de vocês, quando comentam que jogam um game, já tenham ouvido a frase: “mas videogame é coisa de criança”. Apesar desse tipo de pensamento ter diminuído nos últimos tempos, é isso o que move os projetos do estúdio Dreamkid, mas não de uma forma pejorativa.

Baseado em Manaus, no Amazonas, e formado por quatro jovens que se conheceram em um curso de desenvolvimento de jogos há um ano, o estúdio tem a particularidade de somente criar games com temática infantil. “Quando eu entrei no curso, já foi com a ideia de fazer jogos pra crianças, porque eu estava vivenciando muitos parentes próximos com filhos pequenos e já os via, com 2 ou 3 anos, mexendo com tablet normalmente”, revela uma das integrantes do grupo, Bárbara Nicolau.

Pelo motivo apontado por Barbara, a Dreamkid também só se concentra no mobile. Afinal, smartphones e tablets são bem mais acessíveis para as crianças, e é comum vê-las com esses aparelhos nas mãos hoje em dia do que com consoles ou portáteis.

Fora isso, em uma área como a mobile, onde há muitas imitações de Minecraft ou jogos com violência, a Dreamkid viu no nicho dos jogos infantis também uma oportunidade de se destacar ao fazer algo mais original. O primeiro game do estúdio, Kadi, começa a mostrar isso. Um jogo de plataforma com todos os elementos para atrair os mais novos: um mundo bem colorido e personagens carismáticos.

Diferente de jogos que normalmente vemos nos smartphones, que usam somente pequenos toques ou o deslizar de dedos na jogabilidade, Kadi é mais tradicional ao usar botões virtuais na tela, com dois para movimentação e outros dois para ações do personagem. Barbara explica a razão disso. “A gente queria resgatar um pouco aqueles jogos que a gente amava jogar e ainda gosta, tipo Mario, Donkey Kong e Sonic”, comenta. Ainda assim, quem já tentou jogar clássicos dos 16-bits que ganham versões mobile sabe o quão desastroso pode ser utilizar esse tipo de controle na tela de toque.

Crysthian Carvalho é outro integrante da Dreamkid e programador do jogo. Ele fala que os controles foram modificados várias vezes até ficarem como estão na versão final, após o feedback de muitos testes feitos com crianças jogando o game, mas admite que isso gerou várias dores de cabeça durante o desenvolvimento. “Cogitamos até remover (os botões virtuais) por um tempo”, relembra. “Porém eles são importantes para o fator pedagógico, porque o joystick virtual melhora muito a coordenação motora”. É aí que entramos na segunda particularidade da Dreamkid, que além dos jogos com tema infantil também tem um forte fator educacional.

Aprender não tem que ser chato

Jogos educacionais. Se eles passam uma ideia de serem enfadonhos e chatos é porque a maioria deles realmente parecem ser assim. “As pessoas pensam tanto na parte do aprendizado e do ensino que esquecem que os jogos precisam ser divertidos também”, fala Bárbara.

O fator lúdico para a Dreamkid é essencial para os jogos deles, com os aspectos pedagógicos e educacionais inseridos com maior ou menor quantidade. Crysthian dá até um exemplo de um jogo famoso que pode muito bem ser interpretado como educacional: Valiant Hearts. O título da Ubisoft que se passa na primeira guerra mundial tem um elemento histórico bem importante e, querendo ou não, uma carga educacional embutida. “A parte educativa está dentro do enredo, não influencia a jogabilidade, só soma a experiência, e a gente quis fazer isso também no Kadi”, fala o desenvolvedor.

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Kadi até chega a ter uma mensagem educacional, já que os objetos que o personagem coleta nas fases são todos fontes de energia renovável, mas o principal valor mesmo está no desenvolvimento da agilidade e coordenação motora.

A ideia de jogos com o objetivo primário de diversão e com alguns aspectos educacionais está servindo muito bem ao estúdio, não só pela boa recepção que estão recebendo, mas por eles terem criado um jogo com grau de dificuldade alto para as crianças. Segundo os desenvolvedores, a maior crítica que recebem de Kadi é por ele ser difícil, o que era o objetivo deles.

“A gente colocou no Kadi certa dificuldade maior proposital, ele não é tão fácil assim de ser passado. Então normalmente a criança tem que tentar pelo menos mais uma vez para passar da fase”, fala Crysthian. Acostumadas a jogos mais simples e até bobos nos celulares, as crianças estranham a jogabilidade que exige mais atenção e reflexos. Porém, com paciência, isso é recompensado pela felicidade espontânea quando passam de fase.

“É como se fosse um Dark Souls para crianças, então?”, pergunto a eles. Crysthian somente ri, meio que concordando. Kadi é um jogo episódico e o primeiro deles, com seis fases e um chefe, foi lançado recentemente, de graça, para Android. A versão para iOS virá junto com o episódio 2, que terá oito fases. A previsão é que ele seja lançado agora em outubro. Já o terceiro e último capítulo deve chegar até o fim do ano.

Ajuda profissional

Produzir algo para crianças é um trabalho delicado e deve se ter todo um cuidado com elementos que podem ser inapropriados ou ofensivos para elas. Principalmente quando há aspectos educacionais, a atenção deve ser redobrada. Mesmo que esse seja o foco do estúdio, nenhum integrante da Dreamkid é um especialista, por isso eles contam com o auxílio de uma pedagoga para ajudá-los na concepção dos jogos.

Essa pedagoga é Milena Rocha, tia de um dos integrantes do estúdio, Crysthian. Para ela, os games são uma poderosa ferramenta de ensino. “A criança aprende mais se ela se sentir estimulada por aquilo e os jogos se encaixam nisso, porque é um lazer pra ela”, fala a pedagoga.

Ela explica como um jogo com a jogabilidade um pouco mais elabora como Kadi ajuda no desenvolvimento dos pequenos. “(o jogo) ajuda na coordenação motora fina da criança, quando ela está manuseando o celular ou o tablete, ela está aprendendo o que é esquerda, o que é direita”. Coordenação motora fina são as habilidades e agilidade que nós temos com as mãos.

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Um exemplo da contribuição dessa profissional está será bastante refletido no próximo jogo da Dreamkid, o Kadi Balloon. Com uma proposta mais educativa, nele as crianças estouram balões para formar palavras. “A gente estava fazendo letras, que formam uma palavra, mas não tinha nenhum símbolo atrás, então a pedagoga conseguiu ajudar a entender que precisava de um símbolo para as crianças poderem associar a um objetivo”, fala Crysthian.

Além da pedagoga, o estúdio também recebe orientação de um advogado, que analisa os jogos para não infligir nenhuma lei, seja de direitos autorais ou mesmo de classificação etária dos games. Kadi, por exemplo, é voltado para crianças de 8 a 12 anos de idade.

Um público especial

Mesmo sendo um estúdio pequeno, de apenas quatro integrantes fixos, a Dreamkid está a todo vapor e trabalha, atualmente, em três jogos. Porém o projeto mais ambicioso e difícil para o grupo virá em 2016. Os desenvolvedores firmaram recentemente uma parceria com uma clínica para criarem um jogo para ajudar no atendimento de crianças autistas.

Segundo Bárbara, a clínica já usa atividades lúdicas com as crianças, mas sentiam dificuldade em encontrar jogos em português, por isso procuraram o estúdio para desenvolver algo próprio e ajudar no ensino. “Esse jogo, como a gente está projetando, ajuda vários tipos de crianças. Claro que estamos focando cuidadosamente no autismo, mas são jogos que ensinam a realizar tarefas diárias, como escovar os dentes, arrumar as coisas na prateleira etc.”, conta a desenvolvedora. “São situações que toda criança precisa aprender uma hora ou outra, mas que crianças autistas têm muito mais dificuldade em realizar”.

Se desenvolver algo para crianças já é delicado, para autistas é preciso ser mais cuidadoso ainda. Por isso, para esse jogo, a Dreamkid conta com a ajuda, além da pedagoga, também de uma psicóloga para orientá-los.

O jogo ainda não possui nome nem conceito, principalmente pelo estúdio precisar realizar pesquisa intensas sobre a condição do autismo. “O que a gente está buscando nesse tempo enquanto a gente ainda não criou o conceito mesmo do que vai ser o jogo é ir à clínica, conversar com os profissionais, observar como é a dinâmica deles por lá e conhecer as crianças também”, fala Barbara. Esse é o tipo de jogo em que o sucesso não depende dele ser jogado por Youtubers ou ter uma nota alta no Metacritic e sim algo bem mais importante: ajudar crianças em seu desenvolvimento.

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Quem disse que jogos educativos precisam ser chatos? Ou que jogos voltados pro entretenimento não podem ensinar? É com jogos que unem esses aspectos que a Dreamkid vai realizando, aos poucos, o sonho de criar jogos com um valor a mais.

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